Estava um calor danado no meu hospital; os aparelhos de ar condicionado que coloquei não davam conta. Meus médicos constantemente reclamavam – ou que estava quente demais, ou que estava frio demais. “Vocês não se contentam com nada, não é mesmo?”. “Uma hora vocês querem ar, outra hora vocês acham demais, ou que tem planta demais, ou que tem planta de menos, mas que saco!”. Minhas reclamações pararam no instante em que um tornado de água atingiu o meu hospital, transformando-o em um miniparque aquático. Certamente eu não iria querer trabalhar nos hospitais da região de Pebberley Island (Steam), o mais novo DLC para Two Point Hospital.
Quando lançado em meados de 2018, nós apontamos que Two Point Hospital se apoiava um pouco demais na nostalgia e tinha sérios problemas no aspecto administrativo. O hospital tinha de ser entupido de salas de clínicos gerais para “funcionar”, muitas mecânicas eram obtusas ou aparentemente desnecessárias, e pacientes tinham sérias dificuldades de encontrar um banheiro se ele não estivesse a mais de 2m de distância. Tais “defeitos”, se assim posso chamá-los, ainda estão parcialmente presentes no DLC, masPebberley Island faz tantas coisas “certo”, que eu estou mais do que disposto a ignorá-los.
Para começar, ele oferece desafio.Não o desafio ao qual você está acostumado na campanha principal, que é o típico “céu, descobrimos uma nova doença, agora precisamos de uma nova sala e novos médicos treinados em uma especialidade”. Isso é monótono; é simplesmente uma extensão das mecânicas que já estavam presentes nos mapas anteriores, sem necessariamente gerar desafio. Quando joguei a campanha base, eu me sentia construindo um castelo feito de lego, uma peça após a outra, na esperança de que o castelo final ficasse belo – e ele raramente ficava.
O primeiro hospital que eu peguei para administrar em Pebberley Island havia sido recentemente impactado por um tornado; não só havia materiais médicos e lixo espalhados por tudo quanto é lado, como, por ser o único hospital na ilha (naquele momento), ele precisava estar em funcionamento o quanto antes. O narrador me apontou que equipes de limpeza especializadas eram uma raridade, e, portanto, teria de me virar com faxineiros mal qualificados, treiná-los, e pagar salários (de início pífios) para mantê-los empregados. Tenho certeza que há alguma violação de direitos trabalhistas no meio dessa história, mas esse não é o assunto de que eu quero tratar sobre Two Point Hospital.
O assunto em pauta é que Pebberley Island virou de cabeça para baixo as minhas expectativas sobre o que é Two Point Hospital. Onde antes a metodologia era “mais, mais, mais e mais”, a aplicação agora é “mais na medida certa”. Poderia eu ter contratado uma equipe monumental de faxineiros? Certamente! Mas isso não solucionaria o problema de que muitos deles não eram qualificados no conserto de máquinas, ou ágeis ao regarem plantas (aparentemente um atributo muito importante no bizarro universo de Two Point Hospital), tampouco capazes de expelir fantasmas – uma ocorrência mais comum do que eu esperava.
Foi só a limpeza ser concluída, e o hospital estar em seu mínimo funcionamento, que começou a segunda etapa de dores de cabeças: as de ter um hospital nos trópicos. Se você mora em qualquer lugar desse nosso maravilhoso Brasil, eu não preciso te explicar isso. Se choveu, alguma rua está inundada; se bateu uma tempestade com raios, algum lugar ficou sem luz. Os eventos se manifestam em Two Point Hospital no formato de “tornados d’água” , que praticamente inundam uma ala do seu hospital, e também na forma de terremotos ou raios que queimam equipamento, assustam pacientes e praticamente previnem de uma ala do hospital de funcionar. Isso sem contar com um novo tipo de doença, que requer pesquisa e cura — que deve ser concluída relativamente rápido se nenhum raio queimar o equipamento de pesquisa. Não há nada que possa ser feito quanto a isso, apenas aceitar a realidade e esperar que você administre o hospital do melhor jeito que conseguir.
Os outros dois cenários de Pebberley Island seguem uma temática similar – voltados a uma mecânica central e exigindo adaptação do jogador quanto a táticas e conceitos de gerenciamento, incentivando a enxergar novas áreas dos hospitais além do mero “vou construir mais uma clínica de pesquisa assim ou assado”.
O que eu considero importante destacar em Pebberley Island é que ele não é só um “DLC” no sentido quase que simbólico da frase. É um conteúdo para Download, sim, mas também é um conteúdo que assume as falhas que existem em Two Point Hospital, e tenta corrigi-las da melhor maneira possível ao invés de simplesmente jogar mais elementos e eventos em cima do jogador e dizer que isso é “novidade”.
Uma boa comparação seriam as expansões de Cities: Skylines, especialmente Park Life e Industries. Ambas provêm novas maneiras de interagir com a cidade (a palavra-chave sendo interagir), mas não alteram o design — a estrutura base, o que compõe o “gerenciador da cidade” — de uma maneira drástica. Você ainda constrói e administra a sua cidade do mesmíssimo jeito que faria sem eles, consequentemente tornando-os quase supérfluos de um ponto de vista estratégico.
Eu posso voltar ainda mais no tempo e mencionar o clássico jogo de tabuleiro Advanced Squad Leader e seus inúmeros módulos. A temática da Segunda Guerra Mundial certamente facilitou à Avalon Hill moldar novas mecânicas e implantar alterações drásticas nos sistemas para condizer com os confrontos retratados nos mapas. Porém, não é algo que eu vejo como impossível quando se trata de jogos administrativos.
Com os dois exemplos em mente, o que eu leio nas entrelinhas de Pebberley Island é que a Two Point Studios finalmente compreendeu que não dá mais para viver só de nostalgia – como fez desde o lançamento – e que já estava mais do que na hora de buscar novos meios de engajar o jogador. Como alguém que raramente se alimenta de nostalgia, eu vivo na expectativa de que uma desenvolvedora pegue conceitos de gerenciamento, os expanda para novos meios, e até abocanhe certos subgêneros para fazer com que isso aconteça. Casos recentes incluem o excelentíssimo Parkitect — que apesar de ser uma tremenda homenagem a RollerCoaster Tycoon, entende que administrar um parque não é só construir montanhas russas e admirar a beleza — ou o intrigante Workers & Resources: Soviet Republic, que unifica gerenciamento de cidades com automatização, transporte público e exportação de recursos.
E ainda que nesse meio tempo a Two Point Studios não tenha mexido tanto no jogo base – especificamente em problemas como pathfinding – a demanda excessiva de salas de clínicos gerais foi consideravelmente reduzida. É só mais um ponto que demonstra que a desenvolvedora está mais do que ciente de que há muito trabalho a ser feito.
Pebberley Island é a melhor prova de que debaixo do pano da nostalgia, das piadas rasas e das supostas mecânicas supérfluas de Two Point Hospital, existe um jogo que merece ser jogado e apreciado. Que a desenvolvedora continue a expandir esse conceito no futuro, e finalmente deixe a nostalgia onde ela merece ficar: no passado.
Two Point Hospital: Pebberley Island
Total - 9
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Pebberley Island não vem “recheado de conteúdo” como muitos esperam de DLCs, mas a mudança temática, tanto em estética quanto mecânicas, revela um Two Point Hospital que vai além da pura nostalgia. Um jogo que te faz refletir sobre as suas decisões administrativas, lidar com situações de emergência, e dar o seu melhor para manter um hospital em funcionamento. Torço para que esse seja o modus operandi da Two Point Studios daqui para frente.