Durante o relativamente curto período entre os dias antes do natal e o ano novo, eu dedico uma boa parte do meu tempo para escrever a retrospectiva de 2021. O que deu certo no site, o que não deu, o que eu queria ter feito melhor. Esse ano que passou foi diferente. Eu não tinha força para fazer isso. “Quer saber, eu deixo para janeiro, ninguém está com pressa”.
Pressa não é a palavra exata que eu queria ter usado na frase quando falei em voz alta; a correta seria “exaustão”. Eu terminei o ano — como muitos, eu presumo — acabado. Eu não queria pensar em jogos, eu não queria escrever sobre jogos, eu não queria olhar para jogos. Tanto que uma grande parte do meu recesso foi usada para colocar áudio dramas em dia. Quem é mais íntimo já sabia o que estava acontecendo. As nossas críticas desaceleraram, os previews que eu prometi a mim mesmo escrever não foram ao ar. Eu me tornei uma grande decepção para mim mesmo.
Entretanto, eu não coloco a culpa toda em mim. Por mais que alguns possam sentir o contrário dos meus textos (espero que não), eu sou uma pessoa muito empática. De fato, empática demais, às vezes; eu acabo virando uma esponja de absorver as dores dos outros e esquecer da minha própria dor. Quando você vive em um país como o nosso, com a pandemia assolando o território, vendo entes queridos falecerem… Bem, digamos que escrever sobre jogos deixa de ser a minha prioridade.
Mas também há um resquício de que isso não é algo novo. Na minha retrospectiva de 2019 “Às vezes você esquece que é humano”, eu já tinha apontado para mim mesmo os sinais de burnout. A falta de vontade de escrever, o sono contínuo, a depressão. Outros tantos eventos que só foram amplificados ao longo de 2020 e 2021.
Também não nego que os eventos que sacudiram a indústria, como as diversas acusações contra a Activision / Blizzard, a inércia da Ubisoft em mudar a sua estrutura e a partir da metade de 2021 os malditos NFTs, me afetaram profundamente. Alguns dias eu acordava e me perguntava “Será que vale a pena ainda reservar o meu tempo para esse site?”. “Eu não ganho nenhum dinheiro com isso; tudo bem, eu sei que nunca foi sobre dinheiro, mas…. Eu ainda quero fazer parte dessa indústria de alguma forma?”.
Queria dizer que eu já tenho uma resposta para essa pergunta, mas a verdade é que ainda vai me levar um bom tempo para encontrá-la. Meu intuito com o site foi, e vai continuar a ser, dar enfoque em jogos de estratégia, jogos independentes de diferentes escopos. Os tão famigerados “AAA” eu deixo para os outros. Fazemos 9 anos em 2022, um número que ainda não entra na minha cabeça (e não, não vai ter festa, só ao atingirmos 10 anos). Como o site cresceu tanto? O que eu fiz exatamente para merecer isso?
Se uma grande parte de mim sabe que eu quero muito continuá-lo — essa parte que está ganhando o argumento — a outra me diz que eu tenho que ver como a indústria vai se comportar ao longo deste ano. Se é cansativo para mim tomar porrada, imagina para os desenvolvedores marginalizados, àqueles que não se adequam ao que chamamos de “indústria de jogos” e tantos outros rótulos? Eu quero tomar a iniciativa de demonstrar os seus jogos aqui com mais frequência.
Mas também eu tenho que reavaliar mais uma vez a minha posição, e quanto devo me dedicar ao site. Eu não quero outro burnout, eu não quero sentar na frente do PC e me forçar a esboçar um sorriso pois eu tenho que fazer outra crítica. O problema não é a crítica, é a forma como eu estava me cobrando demasiadamente para produzi-la. “Ninguém vai ler Lucas, você perdeu a data, você perdeu o ritmo”. Essas e tantas outras frases que foram repetidas continuamente pelo meu cérebro. Eu acabei 2021 deprimido, exausto, com um imenso desejo de parar tudo. E, pela primeira vez em praticamente 10 anos de trabalho profissional (seja dentro ou fora do site), eu me dei esse espaço.
Minha cabeça já estava menos “estressada” quando chegou a hora de montar esse texto, refletir sobre 2021 e os jogos que marcaram cada período do ano. “Quais foram meus favoritos? Eu…. Eu não sei”.
Sei de tantos que eu deixei de jogar ou parei pela metade por exaustão. Tales of Arise, Shin Megami Tensei V — e pensar que eu comprei o Switch só por conta desse jogo —, Monster Hunter Rise, Pathfinder: Wrath of the Righteous, Northern Journey, Black Book, Fuga: Memories of Steel, Treasures of the Aegean, Dungeon Encounters, Critters for Sale, Evil Tonight. A lista é muito maior do que você pode pensar.
Não há nada de errado com esses jogos, pelo contrário; eu os recomendo sem a menor sombra de dúvidas. Eu só não tinha forças para jogá-los, para lidar com a sensação de perda de um personagem, de uma trama apocalíptica ou de mecânicas complexas demais. Não em 2021. Eu ainda cogito escrever algo sobre eles, mas eu não quero prometer nada, não agora nesse começo de ano. Vamos ver como os dias e semanas vão se desenrolar e como o meu planejamento será definido.
Quanto mais eu me aprofundava na minha consciência, em quem eu sou, os avanços que fiz no âmbito pessoal, mais eu notava como certos jogos colaboraram a moldar 2021 de uma forma no mínimo peculiar. Alguns serviram de escapismo, outros serviram como um lembrete. Nem todos apareceram no site, nem todos viraram matéria. Eu tenho cada vez mais tentado separar a minha vida pessoal da minha vida do site.
“Tenha hobbies que você não possa transformar em algo monetizado ou a sua ‘marca’. Guarde-os para você”, comentaram comigo. E, por mais que o site seja o meu meio mais autoral, é apenas um breve recorte de quem eu sou. Compartilhar os meus favoritos de 2021 já é… mais do que eu imaginava ser capaz de fazer depois de um ano em que eu me fechei para o mundo. Desta vez não vai ter “desculpe se o seu favorito ou o seu ‘jogo do ano’ não está na lista”. Eu mesmo não me limitei a colocar 10 ou 15 jogos, mas sim os que mais me marcaram.
Eu sou eternamente a quem me ajuda no site (Isso é para você Roberto!), grato a todos vocês que me acompanharam e me acompanham, e espero que continuem a me acompanhar este ano. Vocês são grande parte da razão por que eu escrevo um texto longo como este. De acordar pela manhã e falar “Sobre o que eu devo escrever essa semana?”. Nem sempre consigo completar um artigo, mas continuo tentando.
Mais uma vez, obrigado, e que na retrospectiva de 2022 eu não tenha que “sobreviver” a mais um ano, e sim aprender a viver melhor. Que todos nós aprendamos a viver melhor de uma forma ou outra.
Sable

“Espere o melhor e aguarde pelo pior”. Depois de 2021 e Sable essa é uma frase que eu vou evitar de falar. Por anos eu me escondi por trás dela para evitar lidar com problemas pessoais, para justificar a minha “falta de esperança” perante certos assuntos. A jornada feita por Shedworks me relembrou que nada precisa ser preto e branco.
Eventos acontecem na sua vida. Você cresce, desanda, erra, tropeça, acerta centenas de vezes em um só dia. Entender que nem sempre tem um ponto final, que às vezes aquilo que você acha que é algo assustador acaba sendo simples. Um daqueles jogos inesquecíveis tanto pelo seu apelo visual quanto pela mensagem que ele traz.
Heavenly Bodies

Sabe a razão de eu nunca publicar os “melhores” ou “favoritos do ano” em dezembro? Se o fizesse, teria deixado passar Heavenly Bodies. No papel ele teria tudo para me irritar: Um jogo onde você tem de completar diversas tarefas em uma estação com uma movimentação no estilo de QWOP (de Bennett Foddy, mais conhecido hoje em dia por criador de Getting Over it). A realidade é que foi o jogo que mais me fez rir no final de 2021.
Era uma sequência de erros tão absurdos – de esquecer de prender meu astronauta até sem querer despressurizar a minha cabine – que ele é capaz de trazer leveza ao invés de frustração. Outra boa lembrança de que não tem problema rir dos seus erros; todo mundo erra.
Golftopia

Uma das minhas anedotas preferidas sobre golfe é sobre a vez que eu tentei explicar para alguém as regras do esporte e a pessoa acabou dormindo na metade. Isso diz muito sobre o quão entediante ele é para muitos. Golftopia é tudo menos isso.
Em um ano onde tantos jogos de gerenciamento surgiram com “propostas diferentes”, o da MinMax Games, onde você administra um resort de golfe, foi o que me fez sentir a necessidade e o desejo de fazer alterações frequentes nos meus designs. Criava novos buracos para desafiar meus golfistas que ganham mais experiência quanto mais tempo ficam no meu resort, alterava os existentes para adicionar novos desafios e experimentos peculiares.
“Extorquia” dinheiro dos meus clientes ricos e ainda tinha que lidar com uma infestação de ervas daninhas. Como? Com armas e artilharia? Eu ainda não sei que mágica a MinMax fez para juntar tower defense com gerenciamento e golfe, mas funcionou muito bem.
Slipways

Mesmo acompanhando o desenvolvimento de Slipways desde que ele era um pequeno “protótipo” no Pico-8, eu não imaginei que ele fosse tomar conta de muitas manhãs de 2021 da maneira como fez. É o típico jogo de estratégia “só mais uma partida” sobre conectar recursos / matérias-primas entre planetas e fazê-los evoluir. Mas a clareza com que ele me informa sobre dados — que faz dele um ótimo exemplo para quem tem interesse em jogos de estratégia e gerenciamento —, a tensão de explorar regiões desconhecidas da galáxia, a tentativa de “otimizar” as minhas linhas de transportes me empurrava para mais e mais e mais.
Mas ele não é só um jogo que me ajudou a ter “mais uma partida”. Foi também o jogo que segurou as pontas nos meus dias mais sombrios de 2021. Os dias onde eu não queria conversar, mas também não tinha forças para algo mais complicado. Foram os dias onde pessoas foram trocadas por números imaginários. De números e pessoas, já bastava a quantidade de mortos por COVID e os esforços patéticos dos governos mundo afora.
Demon Turf

Ainda não acredito no tamanho da revelação que Demon Turf (análise) me trouxe. Eu, uma pessoa que é péssima em jogos de plataforma, ainda mais 3D, ter notado que era menos a minha inaptidão e mais como eu tinha criado pré-conceitos sobre o gênero.
As fases do jogo de Fabraz se reduzem apenas ao seu “essencial para funcionar” e ainda mantêm uma incrível estética. Demon Turf abriu os meus olhos para um gênero que eu hesitava em jogar, em cobrir, em escrever e soar ridículo. Ele me ajudou a crescer como pessoa e crítico. Eu agradeço eternamente por isso. Quem sabe 2022 não vai vir acompanhado de mais críticas sobre esse gênero?
HighFleet

Primeiro eu caí de amores pela ideia de HighFleet, pelos conceitos por trás dele, pela ideia de ser “perseguido” enquanto você faz uma última investida para capturar uma cidade. Comecei a jogá-lo e tudo foi por água abaixo. Estava eu enganado sobre a minha opinião dele? Seria escrever sobre ele mais interessante do que jogá-lo?
Ele passou uns bons meses na geladeira até eu conseguir juntar forças e foco para uma nova tentativa. Foi aí que eu entendi a sua proposta e saí do campo teórico para o prático. Comandava grupos de ataque, me esquivava de patrulhas, interceptava comunicações, apreciava cada detalhe da sua densa interface. Me frustrava quando perdia as minhas melhores plataformas de ataque. Reiniciei a campanha dezenas de vezes e aplicava tudo o que eu aprendia com as minhas falhas.
Ainda é um jogo para poucos. Mas aqueles dispostos a ler um guia, ter paciência e, tal como escrevi em Heavenly Bodies, começar a aprender a rir dos seus próprios erros – o que eu só consegui em dezembro quando joguei outra campanha de HighFleet – vão achar um dos jogos mais “únicos” de 2021.
Unsighted

A primeira vez que eu completei Unsighted, falei para um amigo: “É um jogo excelente, um ótimo metroidvania e com uma jogabilidade fantástica. Só não achei necessário o sistema de ‘salvar pessoas’. Eu fui pela razão, eu salvei quem me era útil”. Era em parte mentira. Eu sou uma pessoa que pensa em grande parte pelo lado da razão. Entretanto, o motivo de eu não ter conectado de início com Unsighted é que eu não queria sofrer. Eu não queria me importar com os personagens e saber que eu ia perdê-los. Eu me afastei deles procurando me resguardar.
É difícil eu me abrir, e em um ano onde eu tive tantas perdas na minha vida pessoal, era ainda mais difícil fazer isso em um jogo. Foi só quando eu me deixei ser vulnerável – ainda que com muitíssima cautela – que eu pude apreciar o incrível trabalho da Tiny Pixel em seu universo, personagens e cada detalhe de Unsighted. Mais um jogo especial que vai ser lembrado por mim por anos a fio.
Wildermyth

Se Unsighted foi uma das fundações para eu me apresentar para o jogos de uma maneira mais vulnerável, o admirável Wildermyth da Worldwalker Games continuou o processo. Afinal, não há como jogá-lo sem ter um imenso apreço pelos seus personagens, pela narrativa que ele cria. Pelos momentos relativamente curtos porém intensos de batalha – onde tudo pode dar certo ou dar errado. Eu chorei quando eu perdi alguém que estava comigo há muito tempo na história. Sofri quando vi outro personagem passar por uma mutação que eu não esperava.
Eu não sei ainda qual é o futuro de Wildermyth ou da WorldWalker Games, mas de tantos jogos que me prometeram “histórias incríveis”, as que ele me ajudou a escrever foram as que mais me impactaram em 2021. Uma obra prima tanto em questão de design de narrativa quanto em seus sistemas táticos.
The Forgotten City

O título de estreia da Modern Storyteller me pegou de surpresa. Eu já tinha ouvido falar de The Forgotten City (análise), mas a história de “viagem no tempo” não me descia bem. “Há muito espaço para isso dar errado”, dizia para mim mesmo.
Por todas as pequenas falhas que ele pode carregar de empresa pequena e inexperiente, The Forgotten City se sobressaiu pelos twists, pelos personagens, pelo incrível trabalho de criar uma cidade Romana dentro de uma caverna. Junto com Unsighted e Wildermyth, me relembrou o impacto de personagens bem trabalhados e a minha própria necessidade de me “abrir” para ouvir o que eles têm a dizer. Se for jogá-lo, vá de olhos fechados e sem nenhum guia. Garanto que vale a pena.
Decisive Campaigns: Ardennes Offensive

Não deixe se enganar, 2021 foi um ano repleto de wargames. De pequenas expansões, atualizações para grandes projetos e lançamentos inesperados. Quando joguei Decisive Campaigns: Ardennes Offensive (crítica) eu falei para mim mesmo “não consigo pensar em outro jogo que vai atingir o grau de complexidade e acessibilidade que este atingiu”. Dito e feito.
Outra vez a VR Designs se sobressai representando o teatro de guerra da Europa durante a Segunda Guerra Mundial; com seu escopo diminuído e a ênfase em logística – o que eu amo – Ardennes Offensive demonstra que você não necessariamente precisa de um manual de 500+ páginas para fazer um wargame que evoca momentos intensos de combate e incerteza. Mais um que ainda vai passar um bom tempo na minha biblioteca.
ConnecTank

Ainda não acredito que tão poucas pessoas escreveram sobre ConnecTank em 2021. Aliás, eu não aceito que o misto de estratégia / logística / roguelite da YummyYummyTummy não recebeu a atenção devida. Deveria, pois é um dos poucos jogos capaz de fazer uma sátira competente sobre a “gig economy” que vimos explodir nos últimos anos tanto pela sua narrativa quanto por suas mecânicas.
Controle um tanque, jogue sozinho ou com outras pessoas em partidas cooperativas. Batalhe por migalhas. Coopere e ao mesmo tempo compita para mantê-lo funcional. Destrua o “inimigo” que está na mesma situação que você. Minhas risadas foram de nervoso pelos às vezes óbvios paralelos com a realidade, mas nem sempre podemos fugir dela. Equilíbrio é tudo nessa vida; prometo a mim mesmo ter mais esse ano.
Fallow

Não sei se um dia conseguirei interpretar as múltiplas mensagens que Fallow tenta passar ao longo das suas cinco horas de duração. Entretanto, as que eu consegui ressoaram comigo e com o que eu passei em 2021 como poucos jogos foram capazes. Se por um lado houve momentos de alegria, eu me aprofundei nos meus problemas de depressão, da minha ansiedade, da minha necessidade de “provar” que eu era melhor para mim mesmo. Cenas representadas de formas diferentes, mas ainda assim, ecoadas de formas incríveis dentro da minha mente. Precisei de estômago para chegar até o seu final, mas valeu cada minuto.