Querendo ou não, escrever sobre a sequência de um jogo de estratégia tão pessoalmente impactante como foi Steel Division: Normandy ’44 é carregada de expectativas. Será que Steel Division 2 (Steam) vai ser capaz de inovar mais uma vez? Como a desenvolvedora Eugen Systems vai representar a União Soviética e a operação Bagration? Nas primeiras horas que passei com o beta, senti que a maioria dessas perguntas obtiveram uma resposta: era um jogo que eu não exatamente reconhecia.
Parte do que fazia Normandy ’44 funcionar tão bem era a sua ambientação; a invasão da Normandia, além de ser uma das mais icônicas empreitadas da Segunda Guerra Mundial, foi repleta de desafios específicos que se traduzem excepcionalmente bem para um jogo de estratégia. A região da França tem suas fazendas separadas por cercas vivas — uma característica que se estende até a atualidade. Para um jogo de estratégia, isso oferece a receita perfeita para criar uma noção de tensão e limitar o campo de visão do jogador. Foram incontáveis batalhas perdidas por ter apostado mais nos meus instintos do que enviado uma equipe de reconhecimento, ou por ter achado que certas unidades não podiam atravessar a cerca viva, até ver um Panzer IV ou um equivalente eliminar cinco ou seis tropas minhas graças à (minha) falta de uma defesa anti tanque. Em contraste, Steel Division 2 não oferece cercas vivas, os mapas disponíveis no beta são amplos, abertos – com direito a você ter a chance de atingir um tanque a 300m de distância ou mais. E, ainda assim, são tão perigosos quanto os da Normandia.
A operação Bagration, deflagrada em 22 de junho de 1944 e tema tanto da campanha como dos mapas do beta – representados por Osha North, a floresta de Tsel e Lyachavinsky — é uma das batalhas pouco retratadas em jogos de estratégia, já que seu foco não gira em torno da ideia de uma União Soviética que ainda sofre das perdas catastróficas da Blitzkrieg de 1941 e do cerco a Stalingrado. Nesse período, o país já tinha parcialmente se “curado” das feridas, e agora dispunha de um exército bem equipado. Tanques ainda eram um luxo, mas eles estavam mais presentes do que nunca em campo. Por outro lado, o escopo da operação envolvia marchar de cidades como Vitebsk e Orsha até Minsk, Brest e possivelmente Varsóvia. Isso significa passar por regiões de planície, florestas e ocasionais montanhas; regiões onde tanques eram alvos fáceis, dado quão amplo e sem proteção era o terreno. Para encontrar o equilíbrio entre as duas forças vitais desse conflito sem fazer com que Steel Division 2 perdesse totalmente a sua identidade, a Eugen tomou uma das mais ousadas decisões de uma sequência: transformar a linha de atrito em um elemento secundário e adicionar pontos de captura.
Se você nunca jogou Steel Division, o game da Eugen traz dois diferenciais em relação a jogos de estratégia de grande escala: a sua linha de atrito e o conceito de fases de confronto separadas em A (fraca), B (médio) e C (intenso). Previamente, essa linha servia como um indicador de quem sairia vitorioso na partida assim que o relógio marcasse 50 minutos ou um dos lados desistisse. Essa mecânica funcionou muito bem no conjunto de mapas iniciais de Normandy ’44, mas começou a demonstrar sérios problemas com mapas voltados para cidades – os últimos mapas lançados para o game. Era muito fácil para um oponente ficar entrincheirado em uma cidade, e em partidas 2vs2 / 4vs4, uma equipe inteira “travar” o avanço. Era monótono de se jogar, e um dos principais motivos pelo qual a comunidade de Wargame, o outro game da Eugen, nunca gostou muito do sistema. Com o novo sistema de pontos de captura, no entanto, tais eventos devem ocorrer com menor – para não dizer baixíssima – frequência, ao mesmo tempo em que Steel Division 2 provê novos desafios para novatos ou veteranos.
Como alguém que se sente confiante o suficiente para se encaixar na categoria “veteranos”, as trinta e tantas horas do foram menos “olha só, uma nova unidade, como ela se compara com a do oponente?” e mais a sensação de abrir um fichário escrito “Steel Division” e arrancar violentamente as páginas na base do “você vai, você fica”. Eu me acostumei a ser dependente das cercas vivas da Normandia; eram pra mim uma maravilhosa tática para garantir que meus flancos estavam seguros. Agora me via preso entre duas cidades com um dos pontos de captura situados em um campo aberto; colocar um tanque na área seria suicídio. Ver alguém que não é conhecedor da franquia desistir nessa altura não seria uma novidade para mim.
A cada página rasgada, amassada e jogada fora, eu me sentia revigorado ao ver que a próxima página a ser adicionada era uma nova tática que eu aprendi no beta. Começava a depender menos de tanques — um costume reforçado em jogos como Blitzkrieg e seu foco exagerado em tanques, mas contrabalançado pelo fantástico trabalho da Graviteam em quebrar esse misticismo com Graviteam Tactics: Mius-Front — e alternava entre utilizar com eficácia comboios de artilharia e equipes de lança-chamas (nos quais, por acaso, os soviéticos são excelentes).
Me arrependo de mais uma vez não ter ativado a gravação de vídeo para demonstrar a intensidade de algumas das batalhas de Steel Division 2. O mapa de Orsha North ficou especificamente marcado na minha memória. Com um escopo maior do que qualquer mapa de Normandy ‘44, ele esconde inúmeras irregularidades no terreno que servem tanto como uma oportunidade tática como uma terrível armadilha.
A partida de 4vs4 já tinha atingido a marca de 35 minutos. Estávamos em um pequeno impasse: poderíamos tentar flanquear as tropas do Eixo pela esquerda do mapa, ou tentar mais uma investida na área central. A superioridade dos oponentes vinha do seu imenso arsenal antiaéreo, que destroçava qualquer avião de reconhecimento que enviávamos. Nessa hora eu notei uma pequena irregularidade no terreno entre duas florestas. Comentei com um companheiro da minha equipe e movemos dois tanques munidos com lança-chamas para o mapa. Uma análise rápida da situação e você poderia pensar que os dois tanques seriam destruídos em instantes; só que aquela pequena irregularidade no terreno era efetivamente um “ponto cego” no campo de visão das tropas do Eixo.
Eles, também cientes de que a área aberta não seria um excelente local para posicionamento dos tanques, decidiram então enviar unidades de infantaria leve para conquistar o ponto de captura próximo aos nossos tanques. A grande falha deles nesse momento foi retirar essas tropas especificamente da cidade que compunha a área central do mapa. Ainda tentaram recuar assim que viram nossos tanques, mas era tarde demais para a infantaria.
Vimos o erro como a incrível oportunidade que era, e começamos a bombardear incansavelmente a cidade até que as tropas se rendessem ou recuassem. Eu e o outro jogador tomamos a cidade, enquanto os outros dois jogadores tentavam manobras de flanco para cortar o suprimento – e assim aumentar as chances das tropas inimigas se renderem. Foram minutos de roer as unhas de ansiedade. Acompanhava a linha de atrito de segundo em segundo, via os pontos de captura saírem do vermelho e virarem azuis. A vitória foi garantida naquele dia, com muito suor, e com pouquíssimos minutos faltando no relógio. Não preciso dizer que o oponente não ficou nada contente, não é mesmo?
Entretanto, por tudo que vem de bom – como o retorno do sistema de fases, as mudanças na linha de atrito e os pequenos detalhes que os mapas oferecem em posicionamento tático – Steel Division 2 ainda não me conquistou completamente devido a um problema que pode virar uma bola de neve: o seu escopo.
Steel Division: Normandy ’44 já era um jogo absurdo de grande – múltiplas unidades na tela, centenas de combinações de unidades, e uma curva de aprendizado dificílima. Steel Division 2 aparenta dobrar o número, ao ponto de eu ter de sentar e comparar partidas 4vs4 com as de Normandy ‘44 e ver que as minhas decisões eram muito menos focadas no microgerenciamento e mais em avançar a linha de frente.
O que me leva à minha principal preocupação em relação a variedade de unidades e como gerenciá-los em partidas 1vs1: até que ponto esse microgerenciamento é engajante? Steel Division era a alternativa perfeita para eu não ter de lidar com o constante micro de Starcraft 2, Company of Heroes 2 e afins. Essa mudança, por mais que seja necessária para representar o que realmente foi o confronto do Leste Europeu, entra em conflito com a própria essência do que é Steel Division e o seu posicionamento dentro da esfera de estratégia. Ele pede minuciosidade e grandiosidade nas mesmas medidas, e isso requer mais esforço, e mais desgaste.
Lembro-me de me recostar na cadeira durante um 4vs4 em na floresta de Tsel, já nas horas finais da segunda fase do beta, e pensar “eu não vou conseguir acompanhar esse ritmo, é muita coisa na tela ao mesmo tempo”. É um clica aqui, acolá, verifica campo de visão de cada unidade, para um jogo que ainda não tem ferramentas – sejam elas doutrinas ou uma metodologia de encapsular esse processo de microgerenciamento para algo mais tangível – para permitir ao jogador se focar em entender o panorama geral da batalha.
A volatilidade do beta de Steel Division 2 demonstra apenas que é um jogo ainda em busca de uma identidade um pouco mais forte, um “gancho” que o faça se afastar ainda mais das praias e cidades da França. E acredito que o caos e o escopo oferecidos pelos mapas não seja a melhor resposta para isso. Quem sabe a desenvolvedora faça como a União Soviética no período, virando o barco na direção certa e nos dando mais um sucesso em mãos?