Digam-me, por quantos anos eu venho falando sobre os diversos problemas de Stellaris? Quatro, cinco? Não me recordo, mas um fator estava sempre presente em vários dos meus textos: Como a Paradox iria equilibrar narrativa com mecânicas interessantes? Houve momentos em que ela acertou de um lado e errou de outro, outros em que ela perdeu a mão. Stellaris: Nemesis (Steam / GOG) pode ser a primeira grande expansão para o Grand Strategy que traça uma linha na areia e diz “Ok, já chega, entendemos o que queremos fazer”.
O principal atrativo de Nemesis pode ser as novas crises endgame, ou melhor, a possibilidade do jogador se tornar uma crise endgame. As mecânicas, tão bem pontuadas pela Paradox ao longo de múltiplos diários de desenvolvimento, decerto são interessantes. Todavia, não é o endgame de Stellaris que precisava de mais conteúdo; era o early game.
Começar uma partida de Stellaris significa refazer as mesmas ações desde o seu lançamento em 2016. Construa minas, construa estações de pesquisa, avance suas bordas, colonize novos planetas, blá. O conteúdo narrativo adicional como escavações e outros pormenores sem dúvidas ajudaram um tanto a quebrar este ar de monotonia, mas eles não eram mais nada do que “minigames” que, cedo ou tarde, te dariam as mesmas escolhas ou cenários ligeiramente diferentes.
Jogos de estratégia 4X mais tradicionais não precisam lidar tanto com isto; afinal, a sua fonte de inspiração vem muito dos jogos de tabuleiro. Neles as narrativas surgem primariamente por ações feitas pelo jogador durante os múltiplos turnos. Claro que Stellaris, um jogo tão focado em narrativa, permite isso, mas parte dessa narrativa está ligada ao próprio conteúdo oferecido pela Paradox.
Foi um imenso alívio encontrar uma nova civilização e “pera, eu não tenho todas as informações sobre eles. Quais planetas eles possuem, qual o tamanho da sua frota? O quão poderosos eles são em relação a mim?”. Esse tempero especial, esse elemento tão proeminente em jogos 4X tradicionais dá uma imensa reviravolta no early game de Stellaris. Tal mudança faz parte da atualização gratuita (3.0, ou “Dick”, e sem risadinhas por favor), mas é ampliada graças ao novo sistema de inteligência e espionagem de Nemesis.
O sistema de espionagem em si é muito próximo do que é visto em La Résistance para Hearts of Iron IV, e menos com os de Europa Universalis IV e Crusader Kings 3. Embora eu tenha criticado — e muito — como ele foi implementado no jogo da Segunda Guerra da Paradox, o sistema se encaixa muito bem na proposta de Stellaris. Primeiro por ser um jogo com uma “linha do tempo” muito mais longa, por assim dizer; segundo, por não sobrecarregar o jogador de informações — e convenhamos, desde Man the Guns Hearts of Iron IV virou um tremendo jogo de logística e força bruta ao invés de se focar em elementos menores como espionagem.
A equipe que trabalhou em Stellaris: Nemesis tomou o cuidado necessário para fazer com que as operações — nome dado às ações que podem ser realizadas assim que uma rede de espionagem é estabelecida — funcionem com múltiplos tipos de civilizações.
Escolhi uma mega corporação para a minha primeira partida e, agora que não sabia muito sobre os meus “vizinhos” — que cedo ou tarde seriam assimilados ou teriam filiais em seus planetas — avançava como alguém que estava pisando em ovos para garantir que a minha rede de espionagem fosse bem-sucedida. Assim que ela atingiu um nível competente, entrei de cabeça em operações como obter mais informações sobre possíveis alvos e roubar tecnologias.
Claro que nem todos esses esforços foram bem sucedidos. Alguns de meus agentes foram descobertos, o que não é nada bom para a sua reputação; outros só tiveram sucesso parcial e me deram bônus de pesquisa. Não importava; agora, com as informações necessárias, eu sabia o caminho que deveria levar a minha civilização para obter recursos com filiais e “brincar” no mercado intergaláctico para expandir minha frota sem ter que me desdobrar com indústrias nos meus planetas.
Não tardou para atingir o midgame e ver que minha reputação não era das melhores, mas eu tinha controle sobre múltiplos sistemas e uma frota de dar inveja. Agora começava a parte ainda mais “divertida” de Nemesis: me tornar a própria crise de endgame.
O novo sistema é liberado assim que você escolhe a Ascension Perk “Become the Crisis”, te levando para uma nova interface onde feitos maléficos te fazem progredir e ser uma ameaça ainda maior para toda a vida na galáxia. Por ser uma mega corporação, metade do palco já estava montado para mim. Eu tinha a frota, eu tinha os recursos, eu tinha tudo “pronto” para destruir tudo que visse pela frente. Ou ao menos eu achava que tinha.
As federações de Stellaris, um sistema que até então eu julgava “mediano”, florescem de maneira incrível com Nemesis. A IA realmente tenta te impedir de destruir suas frotas, o combate flui de maneira mais natural e eles finalmente aprenderam a recuar caso seus números estejam baixos. Mas ainda era a questão da guerra ser eu vs a galáxia inteira — um pouco injusto, eu diria, mas este é o preço que se paga por tentar acabar com toda a existência.
Nessas horas eu recomendo não hesitar em diminuir a velocidade do jogo, repensar as suas táticas, e usar — e muito — a sua rede de espiões para sabotar instalações inimigas. Faça tudo o que puder para impedir o avanço dos seus inimigos, pois avançar nos “níveis” de ameaça não é nada fácil.
O último nível — Existential Crisis — requer que você construa Star-Eaters que são literalmente mecanismos para consumir estrelas e obter matéria escura. O tempo de construção e a quantidade de matéria escura é absurdo, mas felizmente, se você chegou nessa etapa, ao menos tem novas naves para subjugar impérios.
Depois de muita suadeira, equilibrando pratos para que minha economia não sucumbisse e lidando com tantas frentes de batalha, eu consegui construir a arma para destruir todos os mundos. A galáxia e meus inimigos deixaram de existir. Eu saí vitorioso. Líder de uma galáxia onde não havia ninguém para governar. Destruidor de mundos, porém mais solitário do que nunca. Um tanto triste quando coloco nessa perspectiva.
Sei que muitos não terão tanto interesse em destruir a galáxia, ou ao menos espero que seja assim, seu bando de sádicos. Aqui entra então o outro lado da moeda, e o lado mais “fraco” de Stellaris: Nemesis — ser o defensor da galáxia.
O sistema está diretamente ligado às comunidades e federações que são criadas ao longo da partida e, ao menos na versão de review que nos foi enviada pela Paradox, elas ainda estão um pouco desbalanceadas. Até tentei criar uma civilização mais “amigável” a outras civilizações, mas mesmo assim aliar-se a elas é muito mais uma questão de tentativa e erro do que algo elaborado como destruir uma galáxia inteira. O que para mim soa absurdo. Houve momentos que minha vontade era gritar “está vendo fulano? Ele quer destruir todos nós, por que você não se une a nós?”. Mas, bem, vendo o que aconteceu entre 2020 e 2021, talvez haja até um fundo de verdade nisso.
Se você for sortudo de conseguir unir a maioria das civilizações e ter o apoio delas na federação, é possível criar o “Galactic Imperium”. Uma série de novas decisões são desbloqueadas e muitas delas serão essenciais para derrotar a ameaça da galáxia.
Perdi a conta de quantas vezes tive que pedir reforços para outras civilizações — sejam eles de materiais ou de espaçonaves — para conseguir frear o avanço do maior oponente de todos. Alguns decidiam não me apoiar, outros diziam que eu era muito “autoritário”. Criticaria, mas gosto desse novo tipo de nuance em Stellaris; ao menos me poupa de ler eventos que já vi pela trigésima vez.
Mas, assim como dominar a galáxia, unir também é um gigantesco equilíbrio de pratos. Segurei algumas rebeliões que quase desfizeram o meu império, apaziguei relações entre duas ou mais civilizações e tentei ao máximo ter o apoio de todos. Se for para colocar na ponta do lápis, diria que ser um “salvador da galáxia” é muito mais estressante do que destruí-la por inteiro.
Após longas horas de negociações entre eu e meus aliados, incontáveis batalhas, e a sorte de ter comandantes experientes na linha de frente, o mal foi derrotado. “Vitória!”, pensei. Até ser apunhalado nas costas por mais uma rebelião e notar que todo o meu poderio militar veio das outras civilizações e eu não tinha prestado atenção nas minhas próprias fábricas, na minha população e até mesmo no meu saldo de energia / minério / produtos.
O império galáctico foi debandado e o que me restou era uma civilização enfraquecida, cansada, com sérios problemas internos e um alvo perfeito para alguém com ambições maiores do que as minhas. Sucumbi ao ser assimilado por outra civilização, mas ao menos o meu trabalho de salvar a galáxia tinha sido feito. A próxima ameaça? Bem, não era mais problema meu.
Ainda que acredite que muitos jogadores veteranos de Stellaris achem lacunas, loops para facilitar a dominação da galáxia dentre outros pormenores em Nemesis, esta é definitivamente a expansão “amarra tudo” que eu tanto esperava. Tanto ela quanto a atualização 3.0 consertam defeitos que por anos limitavam o potencial do jogo. Ela impacta aqueles que jogam com mega corporações, civilizações tradicionais, robôs, hiveminds, impérios xenofóbicos, impérios pacíficos. Não há nenhuma gigantesca reviravolta na interface como feito em Imperator: Rome 2.0, mas as melhorias pontuais reverberam por toda a partida.
Estava mais do que na hora da Paradox traçar essa linha na areia, e eu fico feliz que ela tenha feito isso. Agora, quem sabe a partir de Nemesis, Stellaris tenha uma direção mais concreta.
Stellaris: Nemesis
Total - 9
9
Independente de que tipo de jogador você é, Stellaris: Nemesis e sua atualização 3.0 irão te impactar de uma maneira significativa. O aspecto “narrativo” não foi o foco da expansão, mas isso não importa quando você tem a chance de ver um early e um late game tão recheado de decisões interessantes e reviravoltas inesperadas. A melhor hora de voltar a jogar Stellaris é agora.