O que você faz quando já viu “tudo” que um jogo tem a oferecer, mas ainda quer mais? Para onde você corre? Escuta a trilha sonora várias vezes? Tenta relembrar os momentos bons que teve ou como ele te ajudou a relaxar? Quando eu teoricamente terminei o modo campanha de “Phantom Spark” (Steam), a que funciona especificamente para o estilo de jogo de corrida que ele é: caçar o podium na tabela de lideranças.
O título da desenvolvedora Ghosts tem como fundação “e se nós fizéssemos um jogo apenas sobre ser o piloto mais veloz, mas sem toda a tensão de uma corrida”? O modo time trial, muitas vezes relegado para uma função secundária – ou hoje em dia, terciária – no mundo dos títulos de corrida vira o ator principal.
Desde o primeiro minuto que você o inicia e vê as suas paisagens que misturam arquitetura brutalista com utilitário (embora ambos os estilos são complementares), ele já te para que você seja “perfeito”, dê o seu melhor em cada pista. Eu imaginei que estava prestes a embarcar em uma jornada tão seca quanto os gigantescos monumentos feitos de pedra que embelezam a tela inicial. Menus, menus e mais menus. Estava errado.
A grande sacada da Ghosts é fazer com que esse desejo de ser o melhor em uma pista não venha sem contexto e, melhor, motivação. “Phantom Spark” é dividido em três “domínios”, cada um com o seu mentor para te acompanhar em cada corrida. É um jeito bem inteligente de usar “fantasmas” sem que eles apenas estejam lá para você vencer o recorde deles.
Cada um desses mentores tem um estilo bem peculiar. Fwinti, o que te apresenta as principais mecânicas de seu domínio e como controlar o seu veículo — se é que posso chamá-lo disso já que ele quebra todas as leis da física e só é uma bola com decorações, mas não importa dentro do contexto do título. O que importa é que as falas de Fwinti trazem uma leveza imensurável. Ele fala das belezas das pistas, de como ele poderia correr nelas para sempre, de como os detalhes importam e como é crucial não os esquecer. E, quer saber? Ele está certo.
Anos e mais anos de jogos de corrida e eu raramente paro para prestar atenção nos detalhes de uma pista a não ser que eles sejam úteis para mim. Em jogos de F1, olho para pontos de frenagem, nas centenas de corridas que fiz em iRacing eu estava mais atento nos indicadores de curva ou se minhas rodas estavam muito próximas de saírem da pista.
Sei bem que o intuito deles não é o mesmo do que “Phantom Spark”, mas em momento algum eu parei, desacelerei e olhei para o que as desenvolvedoras haviam adicionado, se as árvores balançavam com o vento ou se a arquibancada vibrava ao término de uma corrida. Ainda não sei a resposta ao certo, pois não voltei a eles ainda. Fwinti mencionava a beleza das pistas, mas como ele mesmo falou em uma delas, ele poderia correr nelas para sempre. E eu também.
“Phantom Spark” consegue um feito muito raro de relaxar e encorajar. As cores são vibrantes no ponto certo para não cansarem a sua vista, a trilha sonora composta majoritariamente de “Drum ‘n Bass” é vibrante, mas não ao ponto de te deixar cansado de ouvir corrida após corrida. Eu selecionava uma pista, via o tempo recorde que tinha atingido nela e já me preparava para vencê-lo. O ato de vencer, no entanto, poderia vir em um minuto, dois, ou em horas. Cada pista tem três níveis de medalhas. Quanto menor o tempo, mais medalhas.
Chegar ao terceiro nível muitas vezes requer um comprometimento e atenção enorme para encontrar a linha perfeita, o ponto de frenagem que vai fazer com que você diminua 150 milésimos de segundo e saia do segundo para o terceiro nível. Sim, esse é o grau de “precisão” que “Phantom Spark” pede do jogador e eu não me contentaria com menos. Basta uma batida de leve em uma parede, uma desacelerada e é hora de recomeçar do zero.
Mas, como falei antes, os mentores estão lá para te dar aquele apoio que tantos jogos de corrida optam por não oferecer. Até o mais “ranzinza” deles, “Zyn” – cuja personalidade é ser sempre o melhor de todos – fica impressionado e feliz que você conseguiu vencê-lo. A escrita aplicada pela Ghosts é genuína, foge muito daquela festa toda que jogos como “Forza Horizon” onde cruzar a linha de chegada já é motivo de celebrar por qualquer coisa.
Ao invés de chover prêmios para mim, “Phantom Spark” toma uma via mais conservadora. Ele nunca deixa de reconhecer que você melhorou o seu tempo e te dá pequenos incentivos como novas cores e níveis para você desbloquear modelos para o seu veículo. É mais do que o suficiente para mim. Na verdade, eu nem me importaria dele não me oferecer nada além das próprias pistas.
Eu não falei de brincadeira que eu poderia – e gastei – horas em uma pista. Cada domínio tem a sua mecânica “única” como rios que aceleram a sua nave, grama que pode desacelerá-lo, mas também pode ser usada para cortar caminho ou caminhos de terra que devem ser tratados com um gigantesco respeito e antecipar a curva para não perder velocidade.
Cada pista era um gigantesco quebra cabeça que precisava ser resolvido. “Phantom Spark” não se adequa às regras tradicionais de um jogo de corrida. Ele não vai te indicar o melhor ponto de frenagem, não há indicadores de como fazer uma curva melhor e cada pista tem a sua peculiaridade – seja nas curvas sinuosas – seja nos momentos em que você salta perto de um precipício e cruza os dedos para que não perca velocidade ao aterrissar. Para alguém que já está cansado de ver as mesmas “táticas” para desenvolver uma pista envolvente, a quebra do tradicional era como se soltar das amarras da terrível indústria “AAA” para algo mais autoral.
Aliadas a uma incrível sensação de velocidade, eu estava no paraíso. Dava partida no meu veículo, tentava bater o meu recorde, falhava, recomeçava e repetia o processo até o meu corpo ceder ao cansaço. Fechava “Phantom Spark” com um sorrisão na cara, foram pouquíssimos jogos que conseguiram evocar esse sentimento em mim.
O parágrafo acima me lembrou do período beta do primeiro “Project Cars”, quando a comunidade ainda estava se formando e todos estavam ainda maravilhados com o que a Slightly Mad Studios tinha criado. Antes de toda a toxicidade tomar conta e discussões sobre qual o melhor veículo ou qual o melhor tipo de pneu e se a simulação do mesmo estava fiel a realidade.
Eu corria em Silverstone por horas, e mais horas, e mais horas. Cheguei a ficar bem perto da liderança com meu mísero volante G27. Era dirigir pelo simples ato de dirigir, e quase uma década depois os jogos desse estilo estão cada vez mais escassos. Todos estão voltados cada vez mais para um mundo aberto, para melhorias artificiais e prêmios para garantir que o jogador fique investido ou gaste dinheiro em pacotes de DLC que aparentam não ter fim.
“Phantom Spark” não compromete a sua visão e é um jogo muito melhor por isso. Seu objetivo é um “simples”: oferecer pistas de time trial desafiadoras e não sobrecarregar o jogador de “obrigações” ou desmotivá-lo. Ele entra na raríssima categoria de jogos que eu vou carregar comigo por muitos anos. Um daqueles que eu vou retornar pelo mais puro prazer de correr. Uma lista minúscula que, até então, era composta apenas por “Absolute Drift”, “art of rally” e “BallisticNG”.
Há em mim uma esperança de que, em meio a um ano tão turbulento de lançamentos – de gigantes da indústria a indies de sucesso, mais pessoas deem uma chance a “Phantom Spark”. Para alguns vai ser só mais um jogo de time trial, para outros, vai abrir os olhos de como nós nos confortamos em esperar o mínimo das empresas e quanto mais nós podemos explorar no que tange o conceito “corrida” além de carros e localidades “reais”.
Eu quero muito que a indústria se foque em explorar esses cenários alternativos, que me entregue jogos de corrida – das mais diferentes modalidades – com novos meios de criar um vínculo com o piloto e o cenário, com a pista, com o simples prazer de correr. Torço muito para que “Phantom Spark” se torne um exímio exemplo de como aplicar esta metodologia sem que tudo vire punição e “dor”.
Pode ser que ele não acabe na lista de favoritos de muitos de 2024, ou até passe batido para a maioria dos jogadores. Para mim? Como já disse, ele vai ter um gigantesco espaço no meu coração. E a minha jornada nele certamente ainda não terminou.
Phantom Spark
Total - 10
10
Um fantástico jogo de time trial que pede uma tremenda precisão do jogador, mas o incentiva de diferentes formas – seja por narrativa ou pela incrível ambientação que te prende desde a primeira corrida – a ser o melhor. Ele não compromete a sua visão. Não espere uma chuva de prêmios, muito menos festa ao atingir um novo recorde. Mas uma coisa eu te garanto: você vai terminar cada partida com um sorrisão e um alívio na cara, coisa que poucos jogos de corrida são capazes de me proporcionar em 2024.