Sob certa lente, escrever a crítica de um jogo pode ser “fácil” quando ele é repleto de problemas e o meu intuito é esmurrar o desenvolvedor. “Olha como isso não funciona”, ou “as fases são curtas e sem graça”. Mas o meu propósito com o site – e com a minha própria escrita – não é esse. Se fosse, a minha matéria sobre Shadow Warrior 3 (Steam / PlayStation 4 / Xbox One ) teria saído mais perto do lançamento. Mas, quanto mais eu jogava e rejogava as fases, mais uma pergunta ressoava na minha mente: “O que aconteceu com esse jogo?”.
Ao menos no que tange ao design em si, Shadow Warrior 3 não carece de competência. Críticas que vieram muitos antes dessa matéria apontam como ele utiliza, em partes, o sistema de Doom Eternal como base para o seu combate: inimigos mais fracos dão munição e vida para Lo Wang, você tem um gancho como recurso extra de mobilidade, e as “Glory Kills” também estão aqui — com o “twist” de que elas garantem habilidades ou armamentos especiais. As mesmas críticas apontam como ele é terrivelmente linear e curto. Os três elementos, quando vistos em separado, não denunciam o problema de Shadow Warrior 3; é quando se juntam no jogo em si que o problema surge.
Ainda que, para alguns, o terceiro jogo da franquia – se levarmos em conta que o “primeiro jogo” é o reboot – possa aparentar em tese ser um retorno à forma, isso ocorre de uma maneira destrambelhada. Se isto equivale a um retorno à forma, significa que o primeiro Shadow Warrior é uma melodia de uma nota só, o que não é verdade.
Vejo essa atribuição como uma certa repulsa criada pelo sistema de Doom Eternal e como muitos jogadores ficaram decepcionados com a sequência da iD Software. As vozes mais vocais do grupo vão eventualmente achar conforto no estilo “simplório” de Shadow Warrior 3. É possível começar e terminar o jogo apenas usando a pistola.
Gosto de reforçar que shooters, e jogos em geral, não são criados dentro de um vácuo; muitos beberam da mesma fonte que Doom (2016) e Doom Eternal — de homenagens no Doom clássico (1993) a jogos como Necromunda: Hired Gun e Prodeus. O que cria uma gigante disparidade entre eles e a proposta de Shadow Warrior 3 vai além do armamento.
Prodeus pode ser muito bem um shooter de uma “nota só” no que diz respeito ao uso de armas, com fases que completei só usando uma metralhadora. Necromunda: Hired Gun – que por acaso, também oferece ao jogador um “gancho” para navegar pelos cenários – requer uma maior atenção no armamento devido à quantidade limitada de munição por mapa, mas, outra vez, há como dar preferência para um tipo de rifle ao invés de uma pistola.
Shadow Warrior 3, por outro lado, não estabelece esse contrato silencioso com o jogador. Há priorização de inimigos de acordo com o dano causado ao jogador, mas nunca ao ponto de criar tensão – nem mesmo nas dificuldades mais altas. O maior “poder” que Lo Wang — e, por consequência, o jogador — usa para criar a sua assinatura é a mobilidade que você tem nas arenas.
Mas, outra vez, a Flying Wild Hog se equivoca em entender o conceito de arena, de como a sua estrutura é importante para um shooter de maneira geral e de como ela serve de alicerce para pontuar a cadência de cada fase. Cada arena que visitei em Prodeus ou Necromunda: Hired Gun me contou uma mini-história; Shadow Warrior 3 não se esforça em criar isso. “Aqui está uma arena, complete-a para passar para próxima arena”.
A “repulsa” dos fãs de Shadow Warrior 2 — com suas áreas abertas e maior verticalidade — fala mais alto nessa parte. Quem sabe a Flying Wild Hog tenha lutado para encontrar um equilíbrio, ou tentar algo “novo”, mas de nada serviu. Pois, até mesmo se eu colocar Shadow Warrior 3 frente ao reboot, não existe nenhuma indicação de retorno à forma, e sim uma distância enorme.
Tanto o prólogo de Shadow Warrior (2013) quanto os seus dois primeiros capítulos exemplificam melhor o que quero dizer do que dois ou três parágrafos que eu escreva sobre eles. Se você tem tempo para jogá-lo, faça isso; se não, continue lendo. Em um período de 40 minutos você tem: exploração, segredos, diferentes tipos de armas e melhorias para o seu personagem, incentivo para alterar armas e eliminar os seus inimigos para ganhar mais pontos de “Karma”, que é usado para melhorias.
Os mapas são abertos mas indicam uma clara direção para o jogador seguir, há um senso de exploração – mesmo que limitado para 2013 – que sequer dá as caras em Shadow Warrior 3. Meu cérebro já ia: “Hmmm, será que eu peguei tudo nessa área?” antes de prosseguir para a próxima.
O prólogo de Shadow Warrior 1 também dá espaço para respirar e entender as interações entre Lo Wang e Hoji, que no Shadow Warrior 3 – tal como a maioria dos personagens da trama – são inseridos com pouco ou quase nenhum contexto. Gostaria de pensar que Shadow Warrior 3 foi produzido para os fãs mais ferrenhos da franquia, mas a comunidade de jogos tem uma memória de peixe e 2013 é quase que um passado distante para a maioria.
Se em 2013 a Flying Wild Hog já tinha demonstrado sua capacidade de criar arenas que incentivavam diferentes estilos de jogo, dando ao jogador o papel e o lápis para escrever sua assinatura, Shadow Warrior 3 arranca isto da mão dele e diz: “Quer saber, deixa que eu faço isso por você”. É um retrocesso.
Ao remover grande parte da agência do jogador, a Flying Wild Hog tenta “reintroduzir” algo similar com o uso de armadilhas que podem ser ativadas ou espinhos “estrategicamente” posicionados para empurrar os seus inimigos. Seria uma grande novidade… se não estivesse presente em Shadow Warrior 1, mesmo que em menor escala.
Cada batalha de Shadow Warrior (2013) tem uma “pontuação” que é obtida pela variedade de ataques e combos que você pode realizar. Quanto maior a sua variedade e maior noção do que está ao seu dispor pelo cenário, maior a pontuação e o “karma” obtido. Uma pincelada quase “arcade”. Onde foi parar esta pincelada no terceiro jogo? Essa é mais uma de tantas respostas que não tenho como dar. Uma coisa é certa: a Flying Wild Hog tentou ao máximo repaginar um conceito do primeiro jogo e vendê-lo como algo “novo”.
Revisitar as arenas dos dois primeiros jogos só aumentou a minha decepção com Shadow Warrior 3. Eu já sabia que, na metade do jogo, já tinha visto tudo o que o “pacote” tinha a oferecer; e a oferta não era nada atraente. A melodia de um tom só voltava, os inimigos aumentavam de número, mas a forma como eu os despachava para o outro mundo era a mesma. Falta de imaginação da minha parte? Talvez, mas depois de oito arenas formatadas pela mesma estrutura, é de se esperar que eu não tenha muito interesse em tentar algo “novo”.
Solto um grande suspiro de decepção ao me lembrar do sistema de desafios de Shadow Warrior 3 — triste de ver o quão “limitado” ele se tornou. É igualmente um sinal dos tempos modernos e de como a Flying Wild Hog luta para se encontrar diante deles. O incentivo de mudar o arsenal era completar desafios que me dariam melhorias para as armas; mas os desafios aqui não passam de uma lista de tarefas banais, proeminentes em jogos modernos. “Elimine ‘X’ inimigos de forma ‘Y”. Minha resposta? “E se eu não tentar isso pois, no fundo, não vai mudar nada o combate?”. Eu tentei, juro, mas toda vez que fazia isso, a melodia voltava na minha cabeça.
Reajustei a minha lente e tentei, como uma última tentativa, “apreciar” o design dos Yokai, mas o combate era tão desnecessariamente caótico que nem isso eu consegui direito. Shadow Warrior 3 quer te lembrar o quanto ele “melhorou” em relação aos seus antecessores – ou melhor, ao segundo jogo – e não poupa esforços para criar um carnaval de cores. Ele pende para o exagero sem justificá-lo.
Abro aspas aqui para apontar que não, eu não sou um expert no tópico de “Yokais” e as suas interpretações ao longo da história. Mas, Shadow Warrior 3 mais do que todos da franquia me passa uma sensação de uma construção estereotipada da cultura oriental, de “turismo com a cultura do outro” que não faz muito sentido. Os outros jogos da franquia flertaram com essa ideia até certo ponto, mas outra vez, a Flying Wild Hog parece redobrar os esforços tanto na estética das fases quanto no design dos seus inimigos. A maioria das vezes que eu via os inimigos, só pensava: “mas gente, por quê?”.
Antes que pense que a minha “birra” é com Shadow Warrior 3, vamos então abrir o tema para outros shooters publicados pela própria Devolver. Boomerang X (2021) é um fantástico exemplo de “menos é mais”. Uma única arma com três ou quatro tipos de ataques, mas que foi carregado pelas suas arenas e um posicionamento inteligente de inimigos. Cada uma das arenas de Boomerang X era um quebra cabeça pedindo para ser resolvido.
Se 2021 é “longe demais” para você, caro leitor, basta olhar para Serious Sam: Siberian Mayhem. Ele reinventou a fórmula de Serious Sam 4? Não, mas a equipe da Timelock Studios entendia o que faz Serious Sam funcionar e criou cenários inusitados, mapas vastos e muito bem interconectados, arenas que em tese não caberiam na proposta do shooter, e criaram uma excelente surpresa.
Nada, mas absolutamente nada do que eu descrevi — em Boomerang X, em Prodeus, em Shadow Warrior 1, Shadow Warrior 2 ou Siberian Mayhem — está presente em sua plenitude quando se diz respeito a Shadow Warrior 3. Há pinceladas, tentativas desastrosas, mas no fundo há um jogo que não tem “alma”, não tem “alicerce” para se segurar. Observa e absorve as tendências do mercado, mas não entende o que fazer com elas. Não reflete sobre o seu passado, tampouco tenta decifrar qual é o seu futuro.
Cria-se um vácuo, um jogo cujas suas sensibilidades são definidas pelo mercado. Um produto empacotado e pronto para consumo. O que foi levado em conta na hora de fechar a porta para Shadow Warrior 3 quando visto para o seu passado? O máximo que posso especular é que “é melhor deixar o passado para trás”, mesmo que isso prejudique – e muito – a versão final. Quem começar a jogar pelo terceiro não vai entender a trama, não vai entender a interação entre Lo Wang e Hoji ou Zilla, vai encontrar uma versão muito aquém do que foi Shadow Warrior.
Pode ser que a Flying Wild Hog até tenha olhado para o seu passado e falado “podemos fazer algo melhor!”, e bem, no que diz respeito a minúcias como impacto das armas e melhorias visuais, isso é claro. Essa é a marcha do tempo e ninguém pode pará-la. Mas o que perdemos com esta marcha? O que um novo jogador de Shadow Warrior vai encontrar no terceiro jogo? Quem sabe um shooter divertido e para ele vai ser “mais do que o suficiente”.
Como disse, e repito até cansar. Desenvolvimento de jogos é um processo complicado e muitas vezes “invisível” aos olhos do “consumidor final”. Eu estou longe de ter a resposta para o que causou a guinada de Shadow Warrior 3. Esta mudança pode ter vindo de uma pressão externa ou interna, ou talvez até uma decisão consciente da Flying Wild Hog em “tentar algo diferente”.
Quem não acompanha de perto o trabalho da empresa vai pensar que eles nunca tentaram isso antes. Pelo contrário, Hard Reset – o jogo que o colocou no mapa – foi um shooter inusitado em uma época onde a maioria deles ainda trilhava os passos de Call of Duty e afins. Space Punks, atualmente em desenvolvimento em parceria com a Jagex, mostra que a empresa não descartou o sistema de loot, mas o usou em um shooter isométrico.
São essas e tantas outras perguntas sem respostas que me consomem durante a noite. Que me consomem quando eu abro Shadow Warrior 3 e a melodia de um tom só toca na minha cabeça. Preciso de uma visão mais completa para respondê-las, e é provável que isso só apareça daqui a alguns anos. Isto se obtivermos respostas… e mais ainda, nem sei se teremos uma nova aventura de Lo Wang e sua trupe. Caso isso venha a acontecer, que a Flying Wild Hog tome o tempo necessário para refletir sobre o seu histórico como desenvolvedora e assim – quem sabe – consiga compreender melhor o que compõe Shadow Warrior. Te digo algo: sua composição vai muito além das tendências atuais do mercado.