Mais uma perseguição contra a polícia iluminava a minha tela, mais um jogo de mundo aberto sendo apresentado. Suas ruas bem iluminadas e excêntricas, pedestres desviando dos carros da polícia, árvores caindo para lá e para cá. A diferença? O protagonista estava deitado no teto do carro como se fosse um passeio. “É, não tem como ser mais Saints Row do que isto”.
Desde que deu as caras durante a Gamescom 2021, o reboot de Saints Row tem sido recebido pela comunidade com bastante ceticismo. Uns falam que o jogo perdeu a sua “essência”, que não é engraçado o suficiente, que falta o charme dos antigos personagens, que aparenta ser genérico. Em uma segunda apresentação a portas fechadas, a equipe da Volition tentou ao máximo mostrar, de novo, que não é o caso.
Na primeira vez que o vi em ação, a desenvolvedora se focou na região de Santo Ileso e nas diferentes adições que o reboot trará para a franquia. Uma melhor integração entre atividades “mundanas” e suas ações no mundo aberto, bem como uma progressão mais nas mãos do jogador com o novo sistema de “invasão” territorial que libera missões de acordo com as áreas que estão sob seu controle. Agora ela parte para revelar as partes mais “tradicionais” do jogo.
A apresentação começou com a sua típica missão de Saints Row. Um pequeno roubo que evolui para uma perseguição pelas ruas de Santo Ileso, que é interrompida por um tiroteio com uma gangue rival e fecha com o personagem que você criou sendo emboscado pela polícia. Um final inesperado, mas não fora do comum para Saints Row.
As próximas missões apresentadas pela Volition seguiam uma estrutura já habitual em jogos de mundo aberto. Vá até um local, faça uma tarefa, dirija até outro local. A desenvolvedora se esforçou em dar foco que tudo o que estava sendo apresentado tem um “toque” de identidade pessoal do jogador. Seja por meio das roupas, de como você elimina os seus inimigos ou das armas usadas. Mas para mim eram diferentes paletas de cores usadas para a mesma pintura.
Em uma delas o protagonista aparece pilotando um helicóptero, coisa que eu já devo ter feito em Saints Row dezenas de vezes, para invadir a forja da gangue “Los Panteros”. O resto da missão voltou para o estilo “elimine todos os inimigos do mapa e espere um objetivo secundário ser completado”. No caso, sobreviver até que Neenah – um dos novos membros dos Saints – destruísse a fábrica.
A apresentação fechou com a mais “ambiciosa” missão de todas. Kevin, um dos membros dos Saints, é capturado pelos Idols, e você faz uma peregrinação, destruindo tudo e todos, até encontrar o paradeiro do seu amigo.
Em todas elas há um grau de absurdo que já é esperado da franquia, mas que não chega aos limites de Saints Row 4. A equipe da Volition se sente muito bem em manter o reboot em um meio termo entre Saints Row 2 e Saints Row 3, o que em teoria é ótimo. Mas a forma que as missões foram apresentadas não me deixou entusiasmado.
Jeremy Bernstein, escritor-chefe das missões, comenta que, embora as missões contenham esses elementos absurdos, o que ele – e ao que dá a entender, o reboot de Saints Row também – almeja é manter esse grau de absurdo adicionando uma pitada de “realismo”, com a ideia de que você assim vá se importar com os personagens, que a vontade de salvar Kevin vai partir do jogador. Tais elementos são muito difíceis, para não dizer impossíveis, de medir a partir de uma mera apresentação.
O comentário ficou na minha cabeça dias depois da apresentação. E cada vez que eu pensava nele, mais eu sentia que a Volition quer encontrar duas eras distintas da desenvolvedora – e da progressão dos jogos de mundo aberto no geral – e extrair pontos em comum deles.
Saints Row não foi só sempre sobre humor, e tinha um lado mais “sério”, como as missões que envolviam tráfico humano em Saints Row 3. Esses elementos, para bem ou para mal, parecem ter sido removidos em prol de um jogo onde você está no controle de tudo, onde tudo carrega um humor inofensivo e quer agradar a todos. Não que eu espere que Saints Row vire uma plataforma para se discutir questões políticas (ainda que, quando vistos sob lentes específicas, muitos jogos carregam consigo convicções ou alinhamentos políticos).
Mas, se você está no controle de tudo – da personalização do seu personagem até o quartel general da sua gangue e como expandi-la – onde haverá espaço para esse “desenvolvimento” de personagem? Entre as piadas? Esta é uma das tantas questões que eu tenho acerca do reboot.
Atividades secundárias e o conceito de que o mundo vai reagir a suas ações continua a aparentar ser o motor principal por trás do reboot de Saints Row. Gangues agora estarão mais ativas quando você tomar o território delas, e irão realizar incursões para tentar tomar as areas de volta. A polícia está mais “esperta” e vai te atacar com mais ferocidade quando você decidir destruir metade de Santo Ileso por estar entediado. E, é claro que as atividades favoritas dos fãs – como o esquema de fraude e causar o máximo de caos possível em um curto espaço de tempo – estão de volta com um tom ainda mais exagerado.
Eu observo tais elementos funcionarem muito bem com um jogo cuja estrutura foi construída em torno de uma jogabilidade “emergente”, por assim dizer. Garantir que toda ação tenha uma reação pode criar um dinamismo sem igual, mas tais jogos são raros e dificilmente são um sucesso de público. O que foi mostrado até então me indica que esses sistemas, por mais criativos que eles possam ser – por mais “identidade” que eles possam oferecer ao jogador – vão acabar rasos.
Ainda que todas as apresentações tenham me revelado um Saints Row que ao menos aparenta estar mais prazeroso de se jogar, eu não nego que o meu interesse no reboot diminuiu bastante. Sei que muitos vão adorar a personalização dos veículos, dos personagens e de sua gangue, vão adorar a ideia de causar caos, mas tudo isso para mim soa um tanto… mais do mesmo.
Como eu mencionei no primeiro texto, eu estou contente que Santo Ileso tem mais verticalidade que Steelport, que cada região é mais diferenciada, e que a equipe trabalha duro para oferecer ferramentas para o jogador se expressar. Mas, para mim, pouco me interessa se você tem 30 novas armas se todas elas servem para completar o mesmo objetivo. Não tenho preferência por veículos desde que eles me levem até o local desejado. Para isto eu tenho outros jogos, de preferência voltados para corrida.
Posso estar me precipitando, já que ainda não pude pôr as mãos no jogo e experimentar todas as situações que podem surgir com as minhas ações — vai saber o que a Volition ainda não revelou para nós — mas será que eu posso sonhar em uma cidade mais reativa do que temos nos jogos de mundo aberto atualmente? Ou, quem sabe, pode ser que ele venha a ser um ótimo jogo para se divertir em modo coop, um dos poucos modos de jogo de que fiz pouco uso. Aliás, o mesmo foi pouco citado durante a apresentação, com uma breve menção de que todo o progresso será compartilhado.
“Não tem como ser mais Saints Row que isto” é uma sentença que me deu gosto de falar em voz alta, mas também uma que me dá receio. Agosto está chegando e quanto mais eu vejo do reboot, mais me questiono se caos, destruição e uma bela dose de personalização foram os únicos pontos em comum que a Volition conseguiu encontrar entre eras distintas. Sei que não tem nada que chegue perto de Saints Row em termos de “absurdo”, mas temo que essa nova iteração acabe sendo uma jogada segura demais para a desenvolvedora.