Steel Fury não vai entrar para a lista de melhores jogos de tanque de 2017. Steel Fury também não vai estar à venda no Steam, nem no GOG. É bem provável que você nunca tenha ouvido falar dele. Em uma época onde War Thunder e World of Tanks movimentam milhões, é estranho ver como os simuladores de tanques caíram no esquecimento. No ano em que completa nove anos, o simulador da Greaviteam ainda é uma das melhores recriações da batalha ocorrida na região de Cracóvia durante a segunda guerra mundial.
Como de costume, não vou medir palavras em falar que Steel Fury é um jogo fácil de aprender. É da Gravitam, uma desenvolvedora ucraniana que tem ótimas ideias, mas nem sempre sabe aplica-las em uma interface condizente. Pilotar um tanque é ter a certeza de memorizar uns doze a vinte botões, dar de cara na porta trinta vezes e ainda tentar dar ordens para uma inteligência artificial que sofre de amnésia quando o assunto é “seguir uma linha reta”.
Passaram-se semanas desde que eu peguei a minha antiga cópia do Gamersgate até conseguir me acostumar com os controles depois de anos longe do game. Um botão para apontar alvos, outro para abrir o mapa, um terceiro para dar ordens apenas para os tanques nas adjacências. Calcular distância “no olho”, enxergar alvos do tamanho de um pixel. Me transformei em um polvo para conseguir dar conta de todas as tarefas.
Longe dos estabilizadores de mira, lasers ou visão noturna que agraciaram o sucessor espiritual Steel Armor: Blaze of War, Steel Fury quebra o paradigma de que o tanque é uma unidade perfeita para todo o tipo de confronto e o coloca como uma peça extremamente frágil de uma imensa máquina de guerra. Avançar frente a um inimigo armado com equipamentos antitanque, mesmo a mais de 500m, é certeza de receber um tiro que vai deixar marcas irreversíveis no restante da missão. Flancos viram cruciais, entender a angulação, que tipo de terreno se encontra, qual é a vantagem e desvantagem do inimigo vem naturalmente.
1942, pouco mais de 26 anos desde que o que conhecemos como um tanque moderno havia surgido no front. Uma peça de equipamento em constante evolução e pega em meio a um segundo conflito que em menos de meio século assolava a Europa. Metodologias de produção, padronização e nível de proteção ainda todos a serem definidos. Aberrações criadas no fronte com a constante troca de peças e o uso de tanques capturados — principalmente pela Alemanha entre 1941 e 1943 — minunciosamente representados pela Graviteam. Diferentes formas de fabricação do metal resultam em diferentes graus de proteção contra projéteis. Abrir um jogo da Graviteam, seja Steel Fury ou o mais recente Tank Warfare, é ter em mãos um imenso banco de dados sobre as limitações de cada veículo.
Para completamente apreciá-lo é preciso de tempo, investimento, calma. Falhar é necessário para compreender como os fatídicos 16 dias de batalha resultaram na destruição de mais de 1200 tanques. Pode não conseguir representar completamente pelo aspecto visual, amarrado ao já antigo DirectX9 e lutando para apresentar mais de vinte tanques na tela. Ainda assim é um impressionante trabalho quando se leva em conta a idade e a mudança de foco onde a quantidade de veículos deu lugar para fidelidade visual. O último suspiro de gigantes como IL-2 Sturmovik 1946, Battle of Britain II e Silent Hunter. A vastidão do leste europeu agora só pode ser compreendida por meio de jogos de estratégia ou quem se aventurar nos clássicos do passado. Ganhamos um conflito intimista, perdemos contexto histórico.
Batalhas como a segunda investida de Cracóvia agora se tornam mapas em World of Tanks, um playground para tanques de brinquedo se divertirem. Não venho aqui tirar sarro do esforço da Wargaming, a empresa tem o seu público e eu não faço parte dele. Aprendi a conviver com isto depois de me enfiar em comunidades de simuladores, a conviver do passado. É frustrante? Um pouco, mas nele ainda existem muitos jogos, e fãs, que lutam para se encaixar em um mercado de constante mudança onde seus gostos não são mais atendidos como antes.
Na linha de frente está o ucraniano “Lockie” e seu Steel Tank Add-On, um projeto iniciado em 2011 para Steel Fury que almeja capturar o mesmo detalhe da Graviteam e expandir o game para novos territórios, como o Japão, e incluir tanques fabricados pelos Estados Unidos e Reino Unido.
Navegar pelos fórums oficais é encontrar uma mistura de orgulho nacionalista pela desenvolvedora, tópicos em ucraniano misturado com o inglês mais básico possível, uma tonelada de materiais de referência de diversas fontes e uma equipe focada em dar o seu melhor.
A culminação dos trabalhos, a versão 3.1 do Steel Tank Add-on (ainda em beta) basicamente triplica a quantia de missões disponíveis, mapas e até inclui estações do tempo. Vejo em Lockie e sua equipe a mesma paixão que movimentou e manteve viva a comunidade de Silent Hunter III nestes doze anos desde o lançamento. A vontade de não deixar o gênero morrer ou se limitar a preços absurdos como os ofertados pela eSim Games e seus 125 dólares por Steel Beasts Pro. Para lembrar a muitos que, por mais que sejam pequenos, somos entusiastas.
Steel Fury: Kharkov 1942 ainda é o melhor jogo de tanque ambientado na segunda guerra. O gracioso exemplo de que controles confusos, interface bizarra são impedimentos, mas o design da Graviteam e a comunidade criada em torno de seus games, é atemporal.
Livros e links interessantes sobre o tema:
The Soviet Conduct of Tactical Maneuver: Spearhead of the Offensive por David Glantz – Um estudo sobre a teoria e aplicação das metodologias soviéticas durante e após a segunda guerra mundial.
Battle for the Ukraine: The Korsun’-Shevchenkovskii Operation por Harold S. Orenstein – Uma tradução do caso de estudo nº14 do exército Soviético sobre a batalha pela Ucrânia entre 1943 e 1944.
Armor Protection 1920-1980 por Military History Visualized – uma apresentação básica sobre a evolução das proteções de tanques e outros veículos motorizados de diferentes nações.