Era dezembro. O trânsito estava mais uma vez caótico no Rio de Janeiro. Da janela do carro eu observava a famosa “Árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas”, sumida por alguns anos, e aparentemente prometendo voltar em grande estilo. “Já é quase natal”, pensei. Isso significava que o mês ia passar rápido, e que eventualmente eu escreveria uma lista com os meus jogos favoritos. Eu odeio isso.
Já devo ter escrito dezenas de vezes que odeio listas e provavelmente escreverei outras cem vezes. Vejo-as como um processo de filtragem medíocre, particularmente quando se trata de jogos. Tirar um jogo da lista em favor de outro não significa que o jogo “A” foi melhor em todos os aspectos que o “B”; pode até ter sido pior, mas causou um impacto maior em mim. E muito disto fica longe do leitor, turvo a não ser que você me conheça pessoalmente e extremamente bem.
Na retrospectiva de 2017 preferi, portanto, focar em discutir sobre a nossa indústria de jogos – suas falhas, onde tínhamos de melhorar, os avanços que tivemos, os deslizes, as decisões que ainda me embasbacavam. Microtransações, sistema de lootboxes, modelos de monetização demasiadamente predatórios. Poderia ter copiado e colado o texto e muito dos problemas continuariam válidos.
Ainda temos uma indústria que não valoriza seus funcionários, que glorifica o abuso de horas de trabalho para atender demandas cada vez mais absurdas de um público que nem sempre consegue compreender a complexidade de se produzir algo. Vi desenvolvedores independentes terem suas vozes cada vez mais silenciadas enquanto três “gigantes” (Steam, Discord e Epic) tentam decidir quem oferece uma maior percentagem das vendas, ignorando que não é porque você tem um jogo ou uma plataforma utilizada por muitos que é só enfiar uma loja lá e tudo vai ficar “ok”.
E sinto que cada vez mais os temas tratados acima ficam mais difíceis de serem “ignorados” na hora de jogar algo. Sinto que cada vez mais eu preciso me posicionar mais sobre, mas ao mesmo tempo estou ciente de que mudança leva tempo, muito tempo. E que nem sempre ela está visível, e que ela ocorre gradativamente – de pouquinho em pouquinho.
Mas existe outro motivo pelo qual eu não quero tratar tanto desses assuntos, ao menos não nesse texto, tampouco nos próximos meses: eu estou cansado.
Calma, o Hu3Br não vai sumir do mapa; eu não deixaria isso acontecer. Entretanto, quando eu publiquei o último texto do ano, minha análise sobre Book of Demons, e finalmente baixei os ombros quase como que uma imensa carga tivesse sido erguida das minhas costas, notei que eu não tenho mais o mesmo pique que tinha há cinco anos. Que eu não sou a mesma pessoa de cinco anos atrás, para o bem ou para o mal.
Esse meu cansaço influenciou muito quando sentei para ponderar os jogos que mais me marcaram em 2018. Notei que eu troquei as zonas de batalha caóticas de Battlefield V – um jogo que eu esperava estar mais presente na minha rotatividade semanal de jogos – para prestar atenção em histórias mais singelas, pessoais. Encontrei acolhimento na multiplicidade étnica e cultural do fantástico Unavowed, The Red Strings Club, Return of the Obra Dinn e Mutant Year Zero: Road to Eden.
Imaginei que Ancestors Legacy da Creative Destructions seria outro que marcaria meu ano; afinal, eu ainda respiro jogos de estratégia. Na realidade, foram os turnos de BattleTech e as batalhas intensas de Armored Brigade que dominaram as minhas madrugadas. Neles eu podia ditar o ritmo, parar quando eu quisesse – quando eu me sentisse cansado.
O mesmo aconteceu com Celeste, que muitos dizem ser maravilhoso. Acabei preferindo apostar na fluidez e mecânicas de Dandara e acompanhar a jornada da heroína inspirada pela guerreira de mesmo nome da história do Brasil. E foi com muita surpresa que vi que o jogo teve o mesmo fim de Dandara: o esquecimento geral.
Por muitos meses lamentei estar distante dos meus amigos de longa data. Estávamos em páginas diferentes da vida – eles queriam mais uma partida de Destiny 2 enquanto eu queria me deliciar com a maravilhosa história de Pillars of Eternity 2: Deadfire. Dessa distância surgiu um imenso desejo de recriar a minha própria história – de “viver” aventuras – onde os imensos sandboxes StarSector e X4: Foundations – jogos sobre os quais quero escrever mais este ano – deram asas a minha imaginação.
Diante de todo esse cansaço, físico e emocional, percebi que cometi muitos equívocos ao longo do ano. Mais uma vez caí na falácia de imaginar que trabalhar muito é trabalhar de maneira inteligente; adentrei madrugadas finalizando textos com a expectativa de que “valeria a pena”, de que algo na minha vida ia mudar se um dia fosse passar ou não.
Me equivoquei em lamentar dos meus amigos, pois em 2018 fiz mais novas amizades do que jamais pensei, e muitas delas foram os principais motivadores para continuar a escrever, para fechar o ano melhor do que eu comecei.
Me equivoquei em achar que a única verdade que existia era aquela que eu criei em minha mente – uma “verdade” distorcida e muitas vezes cruel comigo mesmo. Isso resultou em um longo processo de aceitação, e que não poderia ter sido mais bem exemplificado do que em GRIS.
Descobri que a minha força para escrever não vêm só da minha pura fúria, da minha indignação com o mundo, mas também do carinho e da atenção do que eu posso compartilhar com cada um de vocês. Eu sei, soa clichê, mas cada comentário, cada discussão – até mesmo aqueles que expuseram seus pontos divergentes de maneira respeitosa – aquece meu coração.
No fatídico dia que lembrei que tinha de escrever este texto, cheguei em casa correndo, liguei o computador e encarei a tela em branco do editor de texto por horas. Por horas nenhuma palavra surgiu na tela, toda a pressa “desapareceu”. Eu percebi que eu não estava correndo para escrever porque “precisava”, ou amedrontado da possibilidade de não o escrever. Eu estava correndo de mim mesmo, da noção de que só publicando esse texto eu estaria completo. Pelo contrário, a grande descoberta é que eu já sou.
Não sou desses de celebrar virada de ano com tanto entusiasmo quanto as outras pessoas, e 2019 tem tudo para ser um ano turvo mundo afora. Por isso, quero propor a mesma coisa do ano passado. Permita a si mesmo começar o ano refletindo sobre como você pode se redescobrir. Perceba que se equivocou, que criou mundos ou situações exageradas na sua mente, e que está tudo bem ser assim. Perceba que você também tem um limite, que você cansa, que você tem o direito de relaxar. Enfrente a sua realidade, desafie-a – não acredite nem por um segundo que ela é definitiva.
Os jogos abaixo, separados na mesma categorias que propus em 2017, não vão necessariamente te guiar neste caminho – isto só você é capaz de fazer – mas se eles te derem um alento, te mostrarem novas realidades e verdades, se te forçarem a questionar o seu eu interior — seus gostos, seus objetivos e como você pode alcançá-los – eu ficarei contente.
E obrigado por me acompanhar até hoje, sou eternamente grato.
“Para dias chuvosos”
Jogos que merecem ser jogados em dias chuvosos, seja para passar o tempo, apreciar o cenário, ou aproveitar uma boa música, ou uma história inesperada.
“Tem dias que não dá para enfrentar o mundo”
Para os dias em que você não está se sentindo bem, e nessas horas às vezes é melhor se imergir em um mundo diferente. Quem sabe ele não reserva algumas surpresas?
“Tenho muito tempo livre, o que você tem para mim?”
A curva de aprendizado desses jogos é relativamente alta e longa, o que os fazem excelentes companhias por boa parte do ano. Manuais e tutoriais não são opcionais.
“Me dê personagens intrigantes”
Podem ou não ser a “epítome” da narrativa de 2018, mas a interação com os personagens – falhos ou não – são o ponto marcante desses jogos para mim.
“Contando os minutos”
Para escapulidas rápidas na hora do almoço, momentos onde você aguarda o café ficar pronto, ou uma desculpa para procrastinar -seja pelas fases rápidas ou pela ênfase em pontuação. (Procrastine com moderação).