Eu sei que, por mais impossível que seja, tenho que parar com essa coisa de criar expectativas. Vejo o anúncio de um jogo novo, espero que pelo menos parte dele seja como como eu imagino, aguardo por meses e assim que ele sai no Steam Early Access, tudo vai por água abaixo. E ainda assim sou teimoso o suficiente para jogar horas e mais horas na esperança de que algo mude. Este é o sumário da minha amarga experiência com o shooter em primeira pessoa Deep Rock Galactic (Steam / Xbox One) da Ghost Ship Games.
Eu acreditava que Deep Rock Galactic seria sobre a busca dentro do desconhecido. Um grupo de anões com quatro classes distintas – um scout armado com uma flare gun, um gunner e sua minigun, um engenheiro capaz de estabelecer torres de defesa, e um driller que pode destruir paredes e obter minério mais rápido do que qualquer outro membro da equipe – era a culminação de um sonho de ter um “tropas estelares” misturado com perigosas aventuras. Me imaginava dentro de uma caverna com pouca ou nenhuma iluminação, tendo de depender de flares ou outras artimanhas para iluminá-las e encontrar veias de minério. Esperava todo um ar de tensão, aquele receio de não saber o que vinha na próxima esquina, se estava preparado ou não. Agora que escrevo isso, percebo o quão errado estava.
A versão testada para esse preview (Alpha – atualização 9) mostra um jogo separado em duas partes muito distintas: a coleta de materiais e a luta por sobrevivência. Quando eu não estava coletando minerais eu estava me defendendo de hordas de inimigos, quando eu não estava me defendendo, estava coletando minerais. Repita o processo ad infinitum. Não que seja um conceito ruim, muito pelo contrário; o problema aqui é o loop de gameplay das fases, que as deixa previsíveis demais.
Com objetivos que podem ser resumidos em “colete X tipos de minério” ou “extraia Y tipos de plantas”, eu e minha equipe éramos enviados para uma caverna, abríamos o mapa (aliás, deixo aqui o meu imenso elogio para a equipe da Ghost Ship Games por conseguir criar sistemas de cavernas complexos de se navegar e ainda relativamente simples de se localizar), calculávamos uma rota, e sabíamos que por volta da metade dela uma horda ia aparecer. Dito e feito: os monstros apareciam como quem tem hora marcada no médico, eu e minha equipe dávamos cabo deles, e seguíamos em frente com as nossas tarefas. Repetir, repetir, repetir. Mais uma missão completa, de volta para a base com os minerais coletados.
“Hora de ver o que posso fazer com eles!” Tendo em vista a longevidade que o título prometia, esperava que algum desses sistemas já estivesse presente. Bem… eu posso comprar míseras melhorias para meu armamento e equipamento, ou itens cosméticos. Com certeza eu vou me importar muito se a barba do meu personagem é mais longa, mais curta, loira, ruiva ou grisalha quando eu estiver morrendo de tédio no ritmo tão sistemático de Deep Rock Galactic. E convenhamos, barbas são mais preciosas do que ter missões mais interessantes e variadas, concorda?
Mesmo que jogos cooperativos estejam longe do topo da minha lista de “favoritos”, aqueles que me marcaram sempre tiveram uma característica em comum: situações emergenciais inesperadas. Pegue Left 4 Dead, por exemplo — cada mapa segue uma estrutura fixa em termos de como o jogador avança pela área, com checkpoints e áreas para “descansar”. Em outros momentos é preciso completar objetivos, como abaixar uma ponte, abrir um portão, etc. Nessas situações, tipicamente, uma horda de zumbis partirá para o ataque e muitos jogadores já estarão preparados para isso. Mas isso muda quando não se sabe se surgirá um Tank para atacar, ou se alguém vai ser agarrado por um Hunter, um Smoker, ou se uma horda aparecer quando não se espera. São esses momentos que ficam na memória, o desespero de sobreviver quando todas as chances estão contra você. Situações, ou mecânicas que promovam isso, é do que mais sinto falta em Deep Rock Galactic.
Imagine você estar 300m abaixo da superfície em uma caverna relativamente escura, e do nada você sente uma atividade sísmica. Seriam os alienígenas, ou a região que você está é instável? Deveria tomar cuidado ao adentrar a próxima caverna? São pequenos toques que poderiam estar presentes no game. Ao invés disso eu recebo um típico alerta de que uma horda está a caminho, a caverna raramente está escura – o que anteriormente era um dos pontos mais interessantes do jogo para mim – por conta da facilidade de iluminá-la com flares ou outros artefatos luminosos. Lembro-me especialmente de uma das missões em uma caverna de lava, na qual minha equipe jogou tantos flares em um espaço pequeno que, junto com as pequenas erupções de magma, parecia uma simpática — e um pouco perturbadora — árvore de natal. E tudo isso para o que? Materiais? Para que eu não tenha o que fazer com eles? Gastar em equipamentos que se destilam em lança-chamas, metralhadoras, isso ou aquilo? Onde estão os meus equipamentos mirabolantes de expedição? Até então só vi a arma-tirolesa, usada para navegar por possíveis abismos. Quero mais disso, não outro aparelho que posso encontrar em tantos outros jogos.
Eu sei, eu sei. Alpha, etc; o conteúdo não está completo, mas a minha questão não é essa. Ela vai mais a fundo, vai em relação ao design do jogo. Como alguém vai se interessar em tentar novas dificuldades, áreas, se o loop é o mesmo? Se as armas não são criativas? Se não surgem situações onde eu realmente possa sentir que faço diferença ou que coletar materiais é uma tarefa importante? Ainda mais em um mercado saturado de shooters cooperativos?
E olha que ainda nem cheguei no design dos “inimigos”, nome engraçado para esponjas absorvedoras de dano gigantes. Levando em conta a facilidade de iluminação das áreas, os monstros são no momento uma gigantesca piada de mau gosto. Mesmo se Deep Rock Galactic possuísse a mesma capacidade de criar situações emergenciais que vemos em Left 4 Dead, as mesmas seriam auto sabotadas pela carência de uma variedade de monstros que não passam de “uma formiga, só que maior”. Nada mais desmotivador do que lutar contra um inimigo que avança na sua direção sem o menor valor à sua vida. Atira, atira, atira e parece que ele nem sente. E eu não sinto a menor vontade de continuar.
Outro exemplo que posso muito bem citar aqui é o de PayDay 2, que nem sempre continha em suas fases elementos surpresa, mas compensava isso por meio do posicionamento de inimigos. Dificuldades maiores incluem inimigos que não são necessariamente fortes, mas usam táticas diferenciadas para fazer o jogador se reposicionar, usar novas ferramentas e por aí vai. A equipe da Ghost Ship Games já comentou que sim, novos inimigos estão nos planos, mas no momento só em formatos ainda maiores (e mais chatos de matar) do que os atuais.
Seja em Left 4 Dead, PayDay 2 e tantos outros exemplos de shooters cooperativos que poderia citar aqui, o fato é que todos esses jogos possuem uma característica de que Deep Rock Galactic ainda carece: diálogo entre o jogador e o cenário, entre as mecânicas, algo capaz de criar sensações a partir de um conjunto de ações ou comandos, mesmo que esses sejam muitas vezes considerados “insignificantes”. Ele precisa sair desse ambiente de incubação in vitro, sem a menor preocupação em relação ao que o jogador pensa sobre ele, e trazer impacto. Se eu tenho que minerar um minério específico, eu quero saber o porquê. Quero ter a vontade de investir vinte, trinta, cinquenta minutos em uma missão e não só pelo “loot” ou por uma melhoria em uma arma — quero me sentir parte daquele ambiente.
Suponho que a resposta para os meus anseios vai vir nos próximos meses, onde o game receberá novos tipos de missões, biomas, equipamentos, uma possível quinta classe e modos de jogo. Cabeça-dura como sempre, aposto a minha ficha nos tais novos “modos de jogo” — até então nada mais do que uma ideia no papel. Teria eu acesso a cavernas mais complexas? Redução de visibilidade? Novos objetivos? Nem o “roadmap” do game os explica detalhadamente. Ah, droga, cá estou eu criando expectativa de novo… eu não aprendo mesmo.
“Futuras expedições aos confins do planeta estão interrompidas até segunda ordem”, diz a minha placa imaginária. E assim ela permanecerá até que Deep Rock Galactic ganhe mais forma, tenha mais conteúdo e me dê bons motivos para coletar centenas de materiais. E que não me venham com mais barbas.