Um jogo chamado “World War 3”, o conflito entre o “Leste” e o “Oeste”. Voltei no tempo ou seria apenas uma reflexão dos nossos anseios em 2018? Seja lá qual for a razão, o game Farm 51 é o candidato perfeito para o Steam Early Access. Diria até que é um dos melhores exemplos de jogos que deveriam estar na categoria desde que ela apareceu em 2013. É uma confluência de ideias, de conceitos, de sistemas que não conversam entre si — mas que em algum ponto vão fazer sentido. Ou assim eu espero.
Antes de você querer conhecer tais sistemas precisa primeiro passar pelo mesmo teste de paciência que passei: fazer o jogo rodar. Não sou de reclamar de tecnicalidades, muito menos quando se trata de um jogo em Early Access, mas a simples tarefa de iniciar World War 3 é na base de muita tentativa e erro. Uma hora ele vai se conectar nos servidores, outra hora ele não vai. Conectou? Agora veja o game consumir quase toda a sua memória RAM e VRAM, ao ponto de usar 14GB de memória RAM (Google Chrome que se cuide!). É possível que, quando o mapa carregar, você esteja invisível, ou atravesse o mapa, ou não tenha acesso as armas.
Quando tudo se encaixa eu tenho na minha frente um shooter que lembra um tanto Battlefield 3. Nostalgia para um shooter de 2013? Pois bem, as coisas mudaram bastante nos últimos anos — especialmente se você acompanha a franquia da DICE de perto. Battlefield sempre teve um viés “arcade”, porém a partir de Battlefield 4 ele ficou ainda mais caótico sem um impacto real nas decisões que você era capaz de tomar em uma partida, direção que foi mantida – e até diria que amplificada – em Battlefield 1.
A Farm 51 tenta resgatar um pouco do ritmo metódico e planejador enquanto introduz na mistura um tiquinho de Squad, um pouco de Insurgency e influências de outros tais “shooters militares modernos e realistas”. A base permanece bem similar: mapas grandes, enfoque em veículos e conquista de pontos. Ao mesmo tempo, World War 3 se distancia ao oferecer uma personalização impressionante, maior “realismo” ao aumentar o coice das armas (não espere disparar rajadas e conseguir mirar no mesmo local sem antes ajustar a mira) e um Time to Kill (TTK) bem reduzido em relação a “concorrência”; duas saraivadas bem dadas e o inimigo é eliminado.
A questão da personalização é um dos principais pontos que coloca World War 3 à frente do restante dessa nova leva de shooters militares, pois é praticamente a realização de um sonho para qualquer entusiasta por armas; o coldre, a munição, tipo de cano, mira óptica, etc. Tudo pode ser modificado. Devo ter passado tanto tempo personalizado as armas quanto jogando as partidas em si.
Por estar ainda em desenvolvimento, a personalização ainda não se casa tão bem com o ato de jogar uma partida em si. Certas partes das armas oferecem pouquíssimo – se não minúscula influência no manuseio de uma arma – e outras se traduzem em deixar uma partida completamente desequilibrada. Os principais malfeitores são o sistema de proteção balística e o uso de RPGs.
A proteção balística se divide em quatro tipos para o colete e três para o capacete – quanto maior o número, mais pesada e maior a proteção. Creio não ter encontrado nenhum jogador que não usava a proteção balística máxima, pois em teoria World War 3 deveria reduzir a sua velocidade pela quantidade de equipamento que carregas, mas isso ainda não aparenta funcionar corretamente. E mesmo se funcionasse o jogo não explica direito em que parte do corpo a proteção balística é usada. Seria somente na parte frontal ou as pernas do soldado também possuem algum tipo de kevlar? Acabava que as minhas eliminações mais aparentavam ter um elemento de aleatoriedade do que habilidade em si. Disparava uma rajada e nada do meu oponente ser morto. Em outros momentos bastava um tiro e ele estava morto.
Já os RPGs (rocket-propelled Grenades) são um grande problema por conta da não-existência de classes fixas no sentido tradicional da coisa (Médico, engenheiro, etc). Junte isso à suposta falta de penalidade de peso e você tem uma batalha de mísseis voando a cada lado do mapa. Que um sistema que limite a quantidade desse equipamento por time apareça o quanto antes.
O sistema de captura de pontos, que recebe grandes influências de mecânicas comumente vistas nos jogos da Tripwire Interactive (Red Orchestra / Red Orchestra 2 / Rising Storm / Rising Storm 2), também entra na categoria de “elementos que não conversam entre si”. Cada ponto de controle é divido em duas partes (A1/A2, B1/B2), e só quando a equipe captura os dois pontos que ela consegue receber a pontuação máxima. O que, novamente, funcionaria perfeitamente se o jogo — que tem a promessa de teamplay em primeiro lugar — realmente tivesse uma comunidade assim.
Tudo bem que World War 3 ainda está engatinha, mas as ferramentas de designação de objetivos ou pontos de interesse é quase inexistente. Você pode indicar quais objetivos a serem atacados caso seja um líder de esquadrão, ou pedir indicações do que fazer para o seu líder de equipe. Apontar inimigos no mapa requer drones ou, mirar no inimigo e apertar a tecla X em uma distância que não é bem explicada, e alertas de inimigos dados pelo seu esquadrão sequer aparecem na bússola localizada na parte superior da tela. Chat de voz? Nem sonha.
Entendo o desejo de ser “realista”, mas a Farm 51 tem de fazer certas concessões, se não o resultado final vai ser o equivalente das partidas atuais: Um vai para lá, outro esquadrão vai para o outro, outro fica no canto do mapa fazendo sei lá o quê. Preparando um café, eu acho. E ninguém captura um objetivo. Aposto as minhas fichas na esperança de que que a desenvolvedora permita o ajuste desse “grau de realismo” de acordo com o servidor (quando eles forem disponibilizados, pois só há matchmaking no momento), assim facilitando que tipo de “experiência” você quer ter com o jogo.
Quando eu dei a sorte de cair em um esquadrão que realmente entende a granularidade dos mapas, que é aprecia trabalho em equipe foi quando vi o potencial de World War 3 em sua plenitude. A ausência de um mapa requer que eu decore pontos de interesse do mapa, quase não há chokepoints – uma terrível “mania” dos designs modernos de mapas que instigam a ação e o atrito constante nos shooters modernos para prender a sua atenção – o que permite uma aproximação variada para a captura de um ponto. Uma hora você pode estar atacando um ponto de uma extremidade, e ainda existir a opção de flanquear e pegar o inimigo desprevenido.
Meu momento preferido foi ter tomado um ponto em Varsóvia com a ajuda de um esquadrão munido de um APC que, após ser alvejado por mísseis, teve seu sensor óptico danificado e me pediu ajuda. Joguei uma granada de fumaça — que aliás não é só essencial, é uma das raras ocasiões que elas realmente servem para algo em um shooter — corri em meio a um intenso tiroteio para consertar o veículo, depois ativei o UAV e fiquei escondido em uma mini trincheira, joguei outra granada de fumaça, disparei contra a área que possivelmente estavam os inimigos e recuei.
O ponto foi mantido por quase a partida inteira — trabalhávamos para garantir que todas as entradas e saídas estivessem protegidas com explosivos, ou tivesse ao menos algum dos nossos soldados em prontidão. Por estar em uma parte central do mapa, serviu como base de operações provisória para que outros esquadrões se dispersassem e lentamente tomassem controle de outros pontos de captura. Esse é o tipo de situação que me faz ter jogos como Rising Storm 2 – ainda um dos meus favoritos de 2017 – instalado. Poucos são capazes de trazer tamanho momento de tensão, pavor e euforia compactados em segmentos de 30s a um minuto.
World War 3 será ótimo a partir do momento que as experiências citadas acima se tornem a regra ao invés da exceção. Por isso é o título perfeito a entrar em Early Access, ainda há um longo caminho a ser percorrido, muitas mecânicas a serem refinadas e especialmente problemas técnicos a serem resolvidos. Mas a base está lá, e essa base é assustadoramente sólida, muito mais do que a média que vejo aparecer no Steam; essa convergência de gêneros e ideias trazidas de outros shooters, com uma mãozinha da comunidade, vai ficar excelente. É um que certamente não só vou ficar de olho, como vou jogar muitas partidas no futuro.