Não estava no meu bingo de “Coisas que eu ia fazer em 2023” finalmente achar um “Extraction Shooter” que não só respeitasse o meu tempo, mas também fosse incrivelmente prazeroso de se jogar. O que faltava na equação era um simples elemento: remover o componente multiplayer, e é justamente isso o que “Witchfire” (Epic Games Store) faz.
Eu venho acompanhando o título da “The Astronauts” desde o seu anúncio em meados de 2018, quando ainda era um “sucessor espiritual” de Painkiller com níveis lineares, sem sistema de progressão ou qualquer elemento que o definisse como um “shooter moderno”. Foi com muita hesitação que eu decidi testar a nova “interpretação” de “Witchfire”, tanta que eu demorei pelo menos uma hora até aceitar que não era o jogo que eu esperava.
Expectativas são curiosas, não é mesmo? Mesmo sabendo que a desenvolvedora tinha mudado completamente a direção, eu ainda me agarrava à possibilidade de “E se sobrou algum resquício do design original” ou “Quem sabe eles me surpreendem com um mapa linear!”. Nenhuma delas foi atendida. Por outro lado, o que eu recebi em retorno é muito mais do que eu poderia pedir.
Sim, Witchfire é um “Extraction Shooter”. O que isso significa? Para quem não conhece o gênero que cada vez mais tem ganhado popularidade, basicamente você é enviado para um mapa que está em constante mudança – seja os objetivos ou itens – deve realizar certas ações e ainda sair com vida.
A história de Witchfire, embora “bem elaborada” para um extraction shooter, é superficial. Você é um inquisidor da Igreja que deve expurgar bruxas e as suas hordas de inimigos. A “The Astronauts” se esforça na descrição dos itens e em sedimentar o mundo em algo “crível” dentro de um universo “grimdark” pela ausência de uma palavra melhor, mas tudo isso é um baita pano de fundo para o principal atrativo do jogo: derrotar inimigos, com sorte, sair com vida.
Ao contrário de outros extraction shooters como “Escape from Tarkov”, “Witchfire” remove em partes o processo tedioso de vasculhar por equipamentos pelo mapa só para perdê-los em uma próxima run. A desenvolvedora emprega um sistema de metaprogressão onde você sobe de nível a medida em que coleta “Witchfire” – nome também dado as “almas” que são arrancadas dos monstros e dos minions da bruxa.
Para aqueles que já abriram um sorrisinho e pensaram “Ótimo, vou farmar Witchfire até cansar e deixar meu personagem superpoderoso”, a “The Astronauts” tem uma ótima resposta para isso: Quanto mais poderoso você fica, mais difícil fica explorar o mapa. É uma solução geniosa, pois eu comecei as minhas runs em “Witchfire” justamente com essa ideia em mente.
Fiz o tutorial, adentrei a primeira região (Scarlet Coast) e abri o mapa. Nele estavam dispostos vários ícones – inimigos, possíveis tesouros, inimigos letais. Mas saber como é o mapa é só metade do caminho, você precisa decorá-lo para sobreviver.
Neste ponto a “The Astronauts” faz outro trabalho incrível cravar uma identidade bastante específica para cada canto do mapa. De início eu me senti “perdido”, tendo que consultar o mapa a cada 30 segundos para garantir que eu estava na direção certa. Depois de algumas horas de jogo, “Scarlet Coast” havia se transformado na minha segunda casa. Uma casa que me odeia e me quer ver morto, mas ainda assim, uma segunda casa.
Por mais que eu tenha investido dezenas de horas em “Witchfire”, a sua curva de dificuldade continua tão brutal quanto eu comecei. Seus inimigos não estão mais fortes ou com mais vida (ainda bem), mas o seu posicionamento no mapa muda constantemente. Cada run é uma nova surpresa, cada run pode se tornar uma grande vitória ou uma derrota tão amarga que fechar o jogo é uma opção que eu considerei várias vezes.
Um dos métodos de progressão mais interessante implementados pela “The Astronauts” é o “Workshop”. Nele você pode adquirir e gerenciar “projetos” para obter novas armas, magias ou itens especiais para o seu personagem. Mas, como disse acima, “Witchfire” foge dos “estereótipos” do gênero. Quer uma nova arma? Então passe tempo suficiente em uma nova região – interaja com ela, elimine inimigos. Não fique parado em momento algum.
“Witchfire” não tem medo de criar um cabo de guerra com o jogador. “Quer subir de nível, quer aquela relíquia rara? Então vem pegar, tenta a sorte, vamos ver como você se sai”. Quanto mais eu melhorava o meu personagem e mais tempo eu tinha que ficar em “Scarlet Coast” para acumular pontos, evoluir ou até mesmo tentar derrotar os inimigos mais difíceis, mas a minha ansiedade aumentava. Se fosse outro jogo, eu diria que era um reflexo inesperado, mas aqui é uma decisão muito bem clara da “The Astronauts”.
Houve um momento que a pessoa que me assistia jogar perguntou “Lucas, você está bem?”, e eu respondi com uma voz meio afagada que sim, mas eu estava tão compenetrado na ação frenética de “Witchfire” que eu havia me esquecido de respirar. Também, o que eu esperava? Estava rodeado de inimigos, recebendo tiros e flechas de tudo quanto era lado, respirar quase virou uma ação secundária.
Até me impressiono do quanto que eu consegui aguentar sendo que eu fujo desse tipo de jogo. Grande parte do triunfo vem da própria “The Astronauts”, sempre me dando um incentivo para fazer “só mais uma run” – a frase definitiva que acaba com manhãs, tardes ou noites daqueles que são fisgados pelo potencial tesouro ou melhoria mesmo que isso resulte em olheiras ou, como já disse, uma derrota amarga.
Há muito o que amar em “Witchfire”, mas sendo um título em acesso antecipado, também há muito a ser feito – o que é mais do que o esperado.
A primeira questão a ser resolvida é a de visibilidade dos inimigos. É muito fácil você “perder” noção de onde estão vindo os disparos ou até mesmo qual a posição deles pela facilidade deles se “mesclam” com o ambiente. Ainda não sei se essa é uma decisão de design ou uma pequena “falha” que cedo ou tarde irá ser resolvida durante o período de acesso antecipado. Sei que eu morri mais vezes do que eu gostaria para um mosqueteiro que estava no meio de arbustos.
“Witchfire” até ameniza o problema com indicadores de ataque dependendo da distância e um radar no canto inferior esquerdo da tela, mas isso acaba destoando com o principal ponto de foco do jogador – que deveria ser o centro da tela.
Outro ponto que também vai ser resolvido com o tempo é, bem, a carência de conteúdo. No momento só duas áreas estão disponíveis, e por mais que elas tenham uma impressionante variedade de inimigos, não tarda para que o “marasmo” de fazer as mesmas “runs” comece a aparecer. Mas parte do próprio inventário do jogador – como magias avançadas – não estão disponíveis na versão que foi usada para preview.
Eu não vou nem hesitar em dizer que “Witchfire” tem potencial. O potencial dele já pode ser visto claramente na versão de acesso antecipado, tudo o que a “The Astronauts” tem que fazer agora é expandi-lo e manter as suas fundações de design. Se o mundo estiver caminhando para mais “extraction shooters” single-player, que “Witchfire” dê o pontapé inicial para uma nova era de shooters.