Eu adoro acompanhar a evolução de certos subgêneros, ainda mais os roguelites. O termo, que ganhou tração 10 anos atrás para definir jogos que abraçavam geração procedural e metaprogressão, abrange hoje em dia as mais diferentes formas, estilos e perspectivas de jogos com essas características básicas. Todavia, há dois jogos que eu vejo quase como “pilares” do nascimento e evolução do subgênero: “Rogue Legacy” e “Dead Cells”. O primeiro por estabelecer a ênfase na metaprogressão acima de tudo, e o segundo por conseguir mantê-la interessante e integrar um combate frenético. “Windblown” (Steam), em acesso antecipado, está tentando equilibrar esses sistemas de uma forma ainda mais agradável e – talvez até mais importante – acessível.
Uma das minhas maiores críticas a “Dead Cells” é que é um jogo que começou muitíssimo bem, mas atingiu um grau de complexidade muito alto e muito rápido. A “Motion Twin” tinha encontrado uma excelente maneira de unir risco vs recompensa em uma época em que muitos roguelites ainda estavam “engatinhando”. Elimine “X” inimigos ou passe de uma área em um tempo “Y” e você será recompensado. Era eletrizante tentar encontrar a melhor rota por um castelo, descobrir novos equipamentos, entender como a sinergia deles funcionava, e qual delas priorizar.
Não tardou para que muitas atualizações começassem a adicionar mais e mais conteúdo, requerendo balanceamento e rebalanceamento desses sistemas. Começar uma partida em “Dead Cells” em 2024 é equivalente a fazer uma prova de 2 horas onde você teve 2 minutos para se preparar. “Windblown” não só é o contrário disso, mas abraça uma forma muito mais amigável em termos de aprendizado.
Ainda que esteja nos estágios “iniciais” de acesso antecipado, a “Motion Twin” estabeleceu um ritmo de jogo que ao mesmo tempo remete a “Dead Cells” e consegue ter a sua própria identidade. Os “gigantescos” — e às vezes confusos — mapas dão lugar para certa linearidade e um sistema de combate mais focado em arenas. O estilo “side scrolling” é trocado por uma câmera isométrica e ambientes vibrantes, e plataformas voadoras e cenários cheios de pequenos detalhes mostram o quanto a desenvolvedora quer tentar se reinventar.
Diferentes atributos como vida, defesa e tática – a marca registrada de “Dead Cells” – deramu lugar a um sistema de habilidade passivas; o sistema de sinergia entre as armas é mais palpável e fácil de entender graças à remoção de dezenas de variantes ou números que muitas vezes mais atrapalhavam do que ajudavam.
Creio que a esta altura você já deve estar pensando “Então ‘Windblown’ é ‘Dead Cells’, mas mais simples?”. Não! A complexidade ainda está presente; só não se encontra mais escondida dentro de dezenas de menus ou escolhas paralisantes. Os conceitos base são muito mais fáceis de aprender, mas ainda há um grande espaço para jogadores mais habilidosos encontrarem desafio.
O modus operandi da “Motion Twin” em “Winblown” é: se a arma causa algum efeito específico, então é facílimo de notá-lo na tela. Cada batalha é uma explosão de cores e partículas que poderiam muito bem ser exaustivas ou confusas, mas a desenvolvedora já estabeleceu certos padrões para que ataques específicos tenham uma coloração mais ou menos intensa, algo que demorou muito a acontecer em “Dead Cells”.
É especialmente importante pontuar o parágrafo acima pela decisão da “Motion Twin” em usar uma câmera isométrica para “Windblown”. Jogos isométricos, ainda mais roguelites, não tendem a sobrecarregar a tela de detalhes para não atrapalhar a visualização dos inimigos ou ataques. Porém, a coloração usada pela desenvolvedora é tão intuitiva que até em meio a uma tempestade – um dos últimos biomas que você desbloqueia na versão atual – é possível entender o que os inimigos planejam fazer.
Cada run era revigorante. O equilíbrio entre avançar um pouco nos biomas, encontrar algo novo e descobrir sinergias mais eficazes era quase perfeito. O último ponto, quiçá, é o maior feito da desenvolvedora com o seu novo título.
Um traço de “Dead Cells” que nem sempre me agradou era o uso quase único de uma arma; ainda que o jogo oferecesse dois slots para armas, a segunda quase sempre acabava virando uma de uso situacional. No meu caso, dava prioridade para armas que pudessem causar algum tipo de dano temporário (envenenamento, fogo) para chefões. “Windblown” te incentiva muito mais a utilizar as duas armas com o sistema de “Alternattack”: cada arma tem um combo que pode variar de 2, 3 ou 4 ataques e assim que você soltar o último golpe, trocar imediatamente para outra arma faz com que uma habilidade secundária dela seja ativada.
Eu adorei o quão intuitivo é o sistema e o quanto a “Motion Twin” te solta para tentar encontrar combos interessantes e aniquilar os inimigos o mais rápido possível. A minha combinação favorita era a de uma kunai com uma besta. A kunai causava dano de “maldição” e a besta um altíssimo dano crítico com o seu “Alternattack”. Eu estava constantemente em movimento, amaldiçoando meus inimigos e alternando entre “explodir” a maldição com o “Alternattack” da kunai, ou, quando não era possível, causar dano crítico com a minha besta. Ambas as armas foram úteis até próximo do penúltimo bioma e eu sequer as melhorei com variantes ou as subi de nível. Fazer isso em “Dead Cells” seria impossível.
O “Alternattack” também mostra o quanto a “Motion Twin” está interessada em fazer o jogador tomar decisões incrivelmente arriscadas. Não encontrei um inimigo em “Windblown” que não fosse extremamente agressivo. Ficar parado é uma sentença de morte, e não é à toa que o jogo dá uma ligeira preferência a arenas de combate do que a colocar inimigos em um corredor ou áreas estreitas. Só de pensar na ideia de desviar de alguns ataques que vi na versão de acesso antecipado me faz rir de nervoso.
E não é só nisso que a desenvolvedora se arrisca, mas em oferecer bem menos itens de “defesa” para o jogador. Não quer perder pontos de vida? Não seja atingido, “simples” assim! Até na dificuldade base você tem muito poucas chances de encher o seu frasco que recupera pontos de vida, e as chances são sempre uma troca arriscada. A mais comum que vi foi: você quer comprar um novo frasco ou uma arma mais potente e que faz o inimigo sangrar?
Não há uma resposta correta para a pergunta acima, só aquela que vai te fazer sofrer “menos”. Uma hora a run vai acabar, seja com você sendo vitorioso e finalizando todo o conteúdo de acesso antecipado – três biomas e cinco chefões – ou morrendo miseravelmente ao tentar desviar de um golpe e cair em uma poça de fogo (a morte mais patética que eu tive, e que me fez perder dezenas de engrenagens, a moeda usada para desbloquear novos itens).
A mudança no uso de frascos é uma decisão ousada da “Motion Twin”, e não sei se ela vai permanecer na versão final do jogo. A própria comunidade está dividida acerca dela, mas para mim ela se encaixa muito bem com a proposta do jogo.
Afinal, o loop de gameplay de começar uma run, morrer, aprender — ao invés de apenas desbloquear itens ou se agarrar a uma frasco de vida ao invés de, de fato, aprender — é muito mais satisfatório para mim do que o modelo que “Dead Cells” abraçou tanto. A ausência de atributos é um passo incrível adiante para não me sobrecarregar mentalmente e, por conta disso, eu não tenho que ficar fazendo “cálculos” na cabeça. Em nenhuma run eu simplesmente “desisti” e decidi guardar as engrenagens que eu havia conseguido. Não, o esquema era ver até onde eu conseguia chegar, aprender o padrão de ataque dos inimigos.
É este tipo de acessibilidade que mais desenvolvedores precisam entender quando o tema é “roguelites” voltados para a ação. Não adianta um jogo colocar um item que dá +20% de dano ou aumenta o ataque em +5% quando esses números só servem para atrapalhar. A diferença de uma bomba nível 2 e nível 3 em “Windblown”, por exemplo, é que demora 2s a menos para recarregar.
Em certos momentos, “Windblown” me lembrou um queridinho meu, “Risk of Rain 2”. A imponência de alguns chefões, como os inimigos são frenéticos e você que tem que se habituar com o ritmo dele ao invés de ele se habituar ao seu, e a importância de tomar as decisões e viver com as consequências delas. O último, um elemento que eu vejo cada vez mais ficar apagado nos roguelites consumidos pela abundância da metaprogressão.
“Windblown” arranca a carga que a “Motion Twin” carregava de anos e mais anos de “Dead Cells”, olha para a sua história e reflete em como criar algo mais acessível para um público em geral sem que ele se perca no mar de roguelites, um desafio que a desenvolvedora não encontrou no passado.
A resposta que ela dá na versão inicial de “Windblown” é voltar-se para o combate. Frenético, fácil de entender, e ao mesmo tempo com um teto de habilidade muito mais alto do que qualquer empreitada anterior da desenvolvedora. É o tipo de jogo que eu quero continuar a explorar com o passar dos meses e atualizações, ver quais biomas ela vai adicionar, que armas eu vou aprender a usar com mais eficácia, e que tipos de chefões vão ser incluídos na versão final.
Ainda é muitíssimo cedo para definir se “Windblown” vai causar o mesmo impacto de “Dead Cells”, mas uma coisa é fato: a “Motion Twin” está com um jogão em mãos e um possível clássico pessoal meu. Se ela continuar nesse caminho, é fácil me ver gastando mais de 100 horas na tradicional desculpa de “só mais uma run”.