Eu sinceramente gostaria que We Happy Few fosse um jogo sobre a conscientização de tomar bastante água, pois jamais vi um personagem com tanta sede quanto este. Desenvolvido pela Compulsion Games, ele é uma estranha mistura de permadeath com survival em uma Inglaterra dos anos 60 e disponível no acesso antecipado do Steam por R$ 55,99.
Antes de começar a jogá-lo, sabia meio que sabia o que esperar. Acompanhei relativamente de perto a campanha no Kickstarter e alguns dos vídeos da versão pre-alpha. Geração procedural de mapas, grande ênfase em sobrevivência, stealth e combate. No atual estágio de desenvolvimento esta ênfase é um pouco, para não dizer absurdamente, demais.
A história começa relativamente linear, com um dos três personagens jogáveis disponíveis, e no seu trabalho de censurar notícias negativas sobre a cidade. O mundo de Happy Few é uma bizarra utopia onde todos tomam a pílula chamada “Joy”, que faz justamente o que o nome implica, torna todos felizes e cegos aos problemas ao seu redor.
Após decidir “quebrar as regras” e não tomar o Joy, o protagonista é perseguido e acorda em uma forma de safehouse, onde o jogo realmente começa. Como qualquer jogo de mundo aberto, a safehouse é onde você pode descansar, armazenar equipamentos, criar itens sem ser perturbado, o seu cantinho pessoal no mapa. Após um pequeno tutorial, saí dela e me deparei com uma cidade em ruínas, onde as pessoas que não tomaram Joy foram esquecidas.
Minhas primeiras impressões de We Happy Few eram de uma mistura Pathologic com um pouco de Bioshock, quem sabe um leve survival e alguns personagens peculiares. A estética da cidade em si é atraente, carrega a ideia do abandono daqueles que não tomam o Joy e a sensação de falsa segurança daqueles que decidem optar por. O problema está na disparidade entre ver e interagir.
We Happy Few se manifesta por meio de uma mistura de ideias que não condizem com a proposta e mecânicas que não se completam. Você tem este mundo para explorar, mas devido a geração procedural de cada mapa, são simplesmente ruas vazias. Vá ali, revire uma lata de lixo, volte para criar um item, repita o mesmo processo.
De tempos em tempos encontros especiais são ativados, como um homem machucado em busca de mantimentos ou um bizarro cara que corre ao redor de uma quadra e você tem de pará-lo. Estes não fazem parte da narrativa central, algo que ainda não está implementado. Mas, se for alguma indicação, as minhas esperanças já foram embora.
Cada um deles era tão monótono quanto coletar folhas para criar mantimentos ou tentar balancear o ato de comer comida estragada e não ficar enjoado. São fetch quests embelezadas de “missões” com algum “contexto” aleatório para dar “propósito” para o jogador.
É isto o que mais falta em We Happy Few no momento, um propósito. Qual é o meu propósito de ter de lidar com trocentas barras de sobrevivência sendo que estão jogadas lá como uma “prova de conceito” do que qualquer outra coisa.
Eu não tenho problema com sistemas de survival, The Long Dark ainda se retém como um dos meus preferidos do gênero mesmo após dois anos no Steam Early Access. Afinal, lá a sua sobrevivência tem um propósito. Nele você luta contra o pior inimigo, a natureza. Em S.T.A.L.K.E.R, o ato de sobreviver é equilibrado com uma inteligência artificial que te faz questionar se há ou não necessidade de um conflito direto por uma caixa de sardinha ou um pedaço de linguiça.
Não existe recompensa ou qualquer coisa que justifique isso em We Happy Few. Sim, você começa em uma área desolada, onde as pessoas lutam pela sobrevivência, mas a interação com elas é restrita a um pequeno “olá”. Elas andam sem rumo enquanto balbuciam frases sem contexto algum. Seria isto uma característica de quem deixou de tomar Joy? Um estado de insanidade quando afrontado com a realidade a qual eles tanto tempo não enxergaram? Tais perguntas ainda ficam sem respostas.
A maior interação que tive com eles foi ao adentrar um acampamento repleto de minas ou passar para uma das outras ilhas disponíveis. No primeiro caso era questão de invadir o que seria uma propriedade privada, enquanto no segundo as minhas roupas — um pouco mais arrumadas e obtidas após algumas horas na corrida atrás de materiais — significavam que eu não pertencia ali.
Em ambos os casos fui apresentado a um sistema de combate que é no mínimo vergonhoso para 2016. É simplório, é medíocre e repetitivo. Ataque, defenda, ataque, defenda, fim. Repita este mesmo processo quinze vezes e você tem a base de todo conflito que me foi entregue durante as nove ou dez horas que gastei na versão alpha.Isto sem contar a durabilidade das armas, mais um sistema que você tem de ficar de olho. Além de dormir, comer, beber água (muita água).
Entende o ponto que eu quero chegar? Você não “gruda” esses elementos e transforma isto em um sistema secundário ao seu jogo. Por mais que We Happy Few receba os pedaços de história, estas mecânicas de sobrevivência permanecem para cedo ou tarde te desviar do objetivo.
No momento da publicação deste texto, a Compulsion já comentou sobre a redução das mecânicas de sobrevivência, aumento do período de transição entre dia e noite, melhorias na geração procedural e na durabilidade das armas. Parte de mim quer acreditar que isto possa tornar o resto do jogo — seja lá quando for lançado — mais envolvente. No entanto, as minhas horas com We Happy Few só me deram uma vontade, de não encostar nele tão cedo.