A cada prompt do tutorial de “Victoria 3” eu respondia com: “Ah sim, entendi”. Estabelecer colônias? Simples. Gerenciar cadeias de suprimento? Mais simples ainda. Demarcar territórios de interesse? Fácil!” Tudo isso, é claro, em teoria. A partir do momento que comecei a jogar o Grand Strategy da Paradox todo o conhecimento caiu por terra. “Victoria 3” ainda é a franquia mais complexa da desenvolvedora e não esconde isso.
Vindo de alguém que já é calejado em “Victoria 2”, ver que “Victoria 3” não perdeu nem um pouco do charme nem da complexidade – pelo contrário, acrescentou mais peças ao gigantesco tabuleiro político – traz tanto um senso de alívio quanto um senso de pavor.
O Grand Strategy deixa bem claro nos primeiros minutos de jogo o seu interesse maior em simular mercados, transações de bens e a população impactada do que guerras, embora elas continuem a ser um componente importante para certas nações. Para aliviar um pouco da sua complexidade, com tantos elementos que podem influenciar uma nação – os quais explicarei em breve – a Paradox segue uma linha muito próxima de Crusader Kings 3 no quesito aprendizado.
O menu inicial te oferece a opção “sandbox” como qualquer outro jogo da Paradox, mas também define alguns países importantes de acordo com a situação inicial deles no mapa. Uns podem estar voltados para a construção de uma sociedade igualitária, outros para a conquista de mercado, colonialismo, dominação de novos territórios, e por aí vai.
O que isso faz na prática é te oferecer um guia de como alcançar esses objetivos. Veja bem, um guia, mas não um que você necessariamente precisa seguir.
Foi o caso da minha primeira partida com o México, que no início de “Victoria 3” havia perdido o seu território do Texas e estava defasado economicamente e militarmente. Olhei para a sua estrutura de governo e quais eram as populações que mais impactavam no meu regime e pensei: “bem, basta aumentar a qualidade de vida deles e o restante vai ser tranquilo”. Não sei que tilt que deu na minha cabeça ao cogitar esta frase quando se trata de “Victoria 3”.
O jogo se abriu para mim como um gigantesco leque formado por múltiplos quebra cabeças que precisavam ser resolvidos o quanto antes. Primeiro, o uso de materiais balísticos com a guerra de reconquista do Texas causou um aumento assustador no preço deles no meu mercado interno. Como eu não possuía um porto competente, taxar as mercadorias que passavam pelo golfo do México não seria uma opção viável em menos de 10 anos, não até eu ser um jogador “majoritário” em um dos pontos chaves de mercadoria da região. Eu não queria uma guerra que se estendesse mais que isto.
O que fiz? Construí uma fábrica de papel para reduzir os custos do material e aumentar a renda das edificações como universidades e outros que o usavam mais no seu dia a dia. Em suma, a classe média e a classe média-alta do país. Os bens balísticos foram resolvidos com importações do mercado Russo em um acordo que não iria me colocar no vermelho.
Em retrospecto, só faltou eu falar um “eu quero mais é que pobre se dane” ao realizar essas ações. A classe mais pobre do meu país sequer tinha o seu pão do dia a dia e lá estava eu fabricando papel. Eles iam fazer o que? Comer o pacote?
Não tardou para que a estupidez do que eu havia feito rendesse consequências. Embora a maioria da classe alta me apoiasse, até certo ponto, as mudanças governamentais que eu estava planejando não seriam viáveis. Como eu vou fazer para passar uma lei que estabelece escolas públicas se nenhum grupo que tenha grande peso político está interessado nisso? Muito menos regulamentar o trabalho infantil.
Quiçá este seja o ponto mais brilhante de “Victoria 3”: a sua população. Dos testes iniciais – que todos sabemos que foram testes iniciais – em “Imperator: Rome”, a adição de mais personalidade de “Crusader Kings 3” ao sistema dá um show à parte.
A População sempre foi um ponto muito importante em Victoria 2, mas a sequência dá nomes, rostos e novos atributos para estes povos. O próprio México, que se tornou independente em 1821, mostra pela lente de “Victoria 3” como a gigantesca mistura de grupos, religiões, minorias, e ambições dos líderes desses diversos grupos — tal como seus traços de personalidade — vão impactar na sua gestão.
Por conta disso, passar uma lei não é só apertar um botão. É ter apoio da maioria das pessoas, saber que vai haver instabilidade e possivelmente revoltas.
Com o interesse de entender um pouco mais como esse sistema funciona, iniciei outra partida com a Inglaterra. O país, que estava no ápice da sua revolução industrial, me trouxe uma série de novos desafios, não só em relação a sua população, mas no que diz respeito às mecânicas de guerra.
Pois, se “Victoria 3” é tão focado na economia e população, a revolução industrial há de causar um severo impacto em um país, certo? Então; é exatamente o que acontece.
Equilibrando a economia em um mundo industrializado
A Inglaterra que eu peguei estava afligida por uma renda instável, devido a parcelas da população não estarem empregadas — por conta da diminuição do setor agrícola e da ausência de fábricas para eles trabalharem. Enviei múltiplos pacotes de ajuda para a população das áreas rurais sobreviver de uma maneira digna, o que me salvou por alguns anos, mas estava longe de ser a solução definitiva.
Eu ainda estava — e estou — longe de entender o cuidadoso equilíbrio que é manter o custo de vida, os salários altos dos trabalhadores, e não sofrer o custo dos materiais ou tampouco tornar o produto final barato demais. O último ponto é importantíssimo, já que produtos baratos com materiais caros jogam o teto salarial para o chão e causam êxodos das fábricas. Sei que há a opção de, por exemplo, mudar o tipo de produção de cada bem produzido (como usar latas), mas infelizmente não tive tempo de descobrir a receita para decifrar esse quebra cabeça.
É esse e tantos outros quebra-cabeças que espero decifrar em maior detalhe no lançamento do game em 25 de outubro no Steam. Só dentro do sistema de colônias – do estabelecimento delas à manutenção – cabe um jogo inteiro.
Mas eu não posso deixar de ressaltar outro ponto que me deixou muito contente ao jogar “Victoria 3”: guerra e política. Eu já estava curioso com o sistema desde que o vi em vídeo pela primeira vez em 2021 e, agora que finalmente pus as mãos nele, ele é ainda mais fascinante do que eu pensava.
Quem vem de Victoria 2 ou outros jogos da Paradox irá notar que exércitos não são mais representados no mapa como antes. Eles são agrupados automaticamente e cada líder tem um limite máximo de tropas. A redução do micro gerenciamento é muito bem-vinda, e com isso consegui passar boa parte do tempo no palco político tentando tomar territórios.
As guerras de 1800 são muito diferentes dos outros períodos apresentados pela Paradox. Elas atuam como último recurso ao invés de, como “Europa Universalis”, razões para pintar o mapa. Os grandes poderes interagem principalmente por meio de ações políticas indiretas como a imposição de embargos, taxação de bens vindos de um país rival, tudo muito antes de sequer declarar o início de uma guerra.
Ainda na minha partida com o México, eu tentei a ousadia de forçar os EUA a abolir a escravidão. Isso é realizado por um sistema chamado “Diplomatic Play”, ou “jogada diplomática”. “Victoria 3” o trata como uma abertura de negociações entre dois poderes. Nas etapas iniciais você pode fazer com que outros países fiquem do seu lado e exerçam pressão para que o outro poder desista de algum projeto ou ideia, além de adicionar novos “war goals” caso as tensões escalem.
Claro que isso não significa que os grandes poderes vão estar sempre dispostos a seguir este caminho. Caso sigam, tenha certeza de que cedo ou tarde eles virão cobrar por você tentar tomar um território deles ou causar dano ao mercado interno ou externo deles. Afinal, não é à toa que a Primeira Guerra Mundial tem muitos dos seus primeiros movimentos surgindo no final do século XIX.
Abro um parênteses aqui para falar: Que sonho se “Victoria 3” começasse um pouco mais cedo e abordasse a revolução francesa. Há mods para “Europa Universalis IV” como o MEIOU and Taxes que tentam simular um sistema populacional, mas esse período seria muito mais interessante com a visão — e a implementação — mais ampla de Victoria.
No que diz respeito a minha tentativa estúpida com o México, a França e suas tropas estavam mais do que dispostas a entrarem em guerra comigo. Os EUA, nada felizes com a minha “delicada” posição, decidiram que não iriam abolir a escravidão, mas que iriam tomar um território meu – que por acaso era o meu centro de mercado – e acabar com o meu mercado interno. Não preciso dizer o que aconteceu depois, não é mesmo?
Todavia, a guerra não se limita aos grandes poderes. Uso o exemplo de uma breve partida que fiz com a Rússia, onde eu utilizei uma manobra política para conquistar um território descentralizado e anexá-lo. Isso causou a ira do Império Otomano, que foi atrás de mim em outra frente. O que fiz? Enviei meus barcos para atacar o principal ponto de comboios deles enquanto movia as minhas tropas para a nova zona de batalha.
Guerras e grupos de interesse são a superfície de “Victoria 3”
Em meio a isto, a região onde é o atual Cazaquistão começou uma revolução tentando se libertar das mãos dos vis czares que historicamente dominaram a região, e depois a região entrou dentro do regime da União Soviética.
No outro lado do mapa estava o Reino Unido tentando impor taxas nas minhas mercadorias de exportação, e regiões da Rússia com falta de estabilidade ou carência de recursos enfrentando a corrida de industrialização do próprio país. Eu mais parecia um bombeiro tentando apagar incêndio, mas sem saber para onde mirar a mangueira.
Mas se não fosse para esperar que “Victoria 3” fosse desse jeito, eu sequer gostaria de uma sequência. Uma coisa que tenho que apontar, entretanto, é que apesar de toda a “tensão” descrita na matéria, “Victoria 3” ainda é um jogo “lento”. Dominar territórios não acontece da noite para o dia, e as ações políticas podem demorar dias ou meses de jogo até serem concluídas. A velocidade do jogo pode ser, é claro, alterada, mas ainda recomendo jogar no misto de velocidade “3” a “4” para não perder tudo o que está acontecendo no mundo. Ou seja, pode sentar e preparar um café até que os eventos mais importantes sejam implementados e as construções terminem.
Essa “lentidão” também vem de outra frente: a Paradox está cada vez mais se distanciando do sistema de “mana” que foi tão criticado ao longo desses anos. Os principais “instrumentos” que você usa — como burocracia, autoridade e influência — são muito mais determinados pelas suas ações no mapa. A Rússia, por exemplo, apesar de começar com um saldo positivo em burocracia, só têm isso por conta de modificadores como influência de grupos fortes na política e boas relações com eles. O outro lado da moeda apresenta um déficit de 1.90K em burocracia por conta da gigantesca anexação de territórios, e o fato da população dessas regiões serem discriminadas. Quer transformar o Czarismo em socialismo? Te desejo muito boa sorte; não vai ser fácil e não vai ser no clique de um botão.
Como todo bom jogo da Paradox, uma partida de “Victoria 3” vai durar horas, dias, semanas, meses. O meu tempo total de jogo na versão de preview foi de mais ou menos 40 horas – um número impressionante considerando que eu só tive 10 dias para jogar – e, como disse, há tantas mecânicas que sequer tenho noção de como usar que eu ainda preciso de outras 40 para começar a entender os nuances do sistema mercadológico, dos erros que eu cometi, onde eu posso melhorar e como fazer isso.
Céus, já sei que o sistema populacional vai me tirar noites e mais noites de sono. É melhor começar a preparar o meu corpo para 25 de outubro, pois eu ainda tenho muito chão para descobrir em “Victoria 3” e estou ansiosíssimo pelo seu lançamento.