Não estava no meu “bingo de 2024” a ressurreição de autobattlers. Para mim o gênero havia sido esquecido assim que grandes nomes como Auto Chess e Dota Underworld não conseguiram reter uma comunidade. Mas, algumas empresas são teimosas para continuar o legado e assim tivemos excelentes jogos como “Mechabellum”, “Tales & Tactics” e agora a introdução de mais um possível candidato: “Vestiges: Fallen Tribes” (Steam). O que o faz diferente dos outros dois jogos mencionados? A possibilidade de ser jogado em VR.
O jogo da WanadevStudio e atualmente em Early Access por pelo menos seis meses toma um formato relativamente diferente de outros que já estão no mercado. Ele é ao mesmo tempo um autobattler e um jogo de estratégia com foco em construção de decks. No momento da produção deste artigo, dois decks estão disponíveis: os Adrariis e os Illustrans.
A quantidade pode soar “pequena”, as táticas aplicadas pelos Adrariis e os Illustrans são bastante distintas ao ponto se qualificarem quase como um jogo completamente diferente. Os Illustrans se focam bastante em unidades com alto nível de dano e distanciamento do inimigo – soldado armados com lanças que disparam lasers e gladiadores para compensar a carência de unidades de combate corpo-a-corpo.
Os Adariis, por outro lado, são sobre atacar os inimigos, ter unidades furtivas e a possibilidade de se infiltrar no campo de batalha já no primeiro round. Uma aposta ousada da WanadevStudio para criar uma assimetria entre as facções.
Se fosse no caso de “Mechabellum”, onde as facções são semi-fixas e as unidades precisam ser compradas a cada turno, isso seria um problemão, mas a desenvolvedora resolve – ao menos em partes – este problema com a utilização de mapas com obstáculos.
Criar um deck dos Adariis e apostar unicamente em unidades furtivas pode acabar com que o tiro saia pela culatra quando as mesmas unidades têm que se movimentar mais tempo e, cedo ou tarde serem identificadas pelo oponente e aniquilados.
Outro ponto que é impossível não levantar é a presença de diferentes “formações” para as suas unidades. Cada tropa pode ser posicionada não só de acordo com um ângulo de até 90º, mas também com diferentes formações para mitigar o dano causado por armas de longo alcance ou serem usadas como “escudo” para proteger unidades mais fracas.
Eu confesso que fiquei bastante impressionado com o grau de flexibilidade e complexidade que “Vestiges: Fallen Tribes” já apresenta na sua versão de acesso antecipado. Como alguém que investiu horas em “Mechabellum” – o qual ainda considero o melhor do gênero em 2024 – o título da WanadevStudio segue uma linha diferente, mas que claramente está indo na direção certa.
A desenvolvedora conseguiu criar uma “textura” na ambientação que o coloca acima de outros jogos desse ano. A mesa de tabuleiro, a forma que ela se molda no começo de cada partida, toda a ambientação e a sensação de tensão que você tem ao iniciar uma partida e tentar adivinhar o deck do oponente.
Todos esses elementos ficam ainda melhores em VR, afinal, é a especialidade da desenvolvedora de jogos como “Ragnarock” – um excelente jogo rítmico – e “Propagation: Paradise Hotel”, que está na minha lista de como criar uma atmosfera de terror e ainda assim manter a ação ativa.
Jogar a versão VR com o meu Quest foi quase como um paraíso. Os controles são fáceis de aprender e colocar as cartas na mesa dá uma sensação tátil que a versão “tradicional” não consegue replicar…ainda. E esse é o segundo maior empecilho que a desenvolvedora tem pela frente.
Para garantir que o jogo consiga rodar tanto no PC como no Quest 2 e 3, os visuais foram bem simplificados. A imersão está presente no modo VR, mesmo que as unidades não tenham muita animação e “deslizem” pelo mapa. Já o modo tradicional tem um gosto amargo, de algo que poderia muito bem ter um toque mais refinado e com mais animações. Algo que traga mais impacto para as partidas além de meros tiros e movimentos peculiares.
Mas, para que isso aconteça, a desenvolvedora precisa resolver um problema ainda maior: fazer o jogador ter uma melhor noção do que cada unidade faz e como elas vão de fato funcionar no campo de batalha.
Imagine a seguinte situação: Você colocou unidades de longa distância contra um grupo de gladiadores cuja principal função é diminuir a distância entre eles e o inimigo. Qual você espera que seja o resultado? Que suas tropas fiquem posicionadas e então ataquem o inimigo até o último momento e recuem? E se eu te disser que muitas vezes elas vão ao encontro do inimigo e são dizimadas? Esta é a atual lógica que funciona em “Vestiges: Fallen Tribes” e eu não consigo compreender o porquê.
O mesmo vale até para as unidades mais caras, como um defensor de projéteis que, ao invés de proteger certas unidades mais fracas ou lanceiros, se fixa em uma unidade específica e segue ela pelo mapa ao invés de proteger o restante do seu exército?
Veja bem, eu entendo que é um autobattler e nem tudo vai de acordo com o plano. Por outro lado, ao menos ter uma noção básica de como uma unidade vai se comportar no campo de batalha, ou informações extras nas cartas ou até mesmo no preparo da batalha vai ser um salto imenso em qualidade para “Vestiges: Fallen Tribes”.
E é justamente o que ele precisa no momento. Um salto. A comunidade ao seu redor é bem pequena e, salvo algumas partidas online que fiz contra amigos, o matchmaking está basicamente o mais puro silêncio. É possível que isso venha a mudar com o lançamento em outras plataformas e crossplay.
Ao menos eu tenho uma gigantesca gama de missões para bater a cabeça contra e tentar entender o que eu estou fazendo de errado para não ganhá-las. Aliás, diria até que a desenvolvedora deveria expandir o sistema para oferecer mais conteúdo single-player. Um dos meus deckbuilders favoritos, Faeria, conseguiu uma sobrevida graças ao seu incrível sistema de missões. E, quando não há nada a se fazer, apostar em uma IA competente e uma boa dose de missões single-player é uma boa ideia.
A WanadevStudio espera que “Vestiges: Fallen Tribes” fique ao menos 6 meses em acesso antecipado e, sinceramente? Eu acho melhor que ele fique ao menos um ano. A base é sólida, o conceito é interessante e a arte é fantástica. Mas ainda há muitos pequenos problemas que se acumulam e podem transformar uma partida de algo empolgante para um mar de frustração em um round.
Vou, é claro, continuar a manter o jogo no meu radar e ver quais são as próximas atualizações que a desenvolvedora planeja. Mas, até lá, eu prefiro voltar para o “MechaBellum” a não ser que eu encontre um camarada de VR para desafiar. Ao menos a parte mais difícil – que é a adaptação para VR – já passou. Agora só falta o resto.