Toda vez que algo que eu gosto some do que eu considero a “mídia tradicional” ou “grandes eventos”, eu me esforço para tentar achar algo que possa “replicar” a experiência. Foi assim quando a franquia “Top Spin” acabou e o mesmo ocorreu quando a EA decidiu deixar de lado “Fight Night””. Para “Top Spin”, ao menos encontrei o fantástico “Tennis Elbow 4”, mas o buraco deixado por “Fight Night” — de longe um dos jogos que eu mais joguei na era 360 junto de Halo 3 — só começou a ser preenchido com o recém-lançado em acesso antecipado via Steam “Undisputed” da Steel City Interactive. E, para a minha imensa surpresa, ele tem o potencial de não só preencher, mas de suplantar o que a EA fez até então.
Antes que qualquer um dos fãs de “Fight Night Champion” venha me tacar pedras — já que eu sei que ainda existe uma comunidade muitíssimo ativa no modo online, seja no Xbox 360 ou no Xbox Series S/X — comparar “Fight Night Champion” com “Undisputed” no atual momento é meio que comparar um jogo completo com um que está engatinhando. Entretanto, a Steel City Interactive já apresentou ter um foco muito maior nas “táticas” do que o espetáculo até então fornecido pela finada franquia da EA.
Para 2011, o sistema de física da EA era fantástico. Quiçá, quem jogar “Fight Night Champion” hoje em dia ainda vai ficar impressionado com a apresentação e a “fluidez” de certas lutas. Entretanto, algo que me incomodava nele era um certo “magnetismo” na hora de desferir golpes. Dependendo da distância que você estava do seu oponente, o seu boxeador praticamente se “teletransporta” para a posição correta para que o golpe conectar. Além disso, inchaços e cortes eram exacerbados até para lutadores peso pena.
Foi nesta era que a EA começou mais e mais “simplificar” de certo modo os seus jogos, o que se estendeu para a era UFC com múltiplas iterações até que um modo “simples” de sair de uma luta de chão foi implementado em UFC 4, mas isso é história para outra matéria.
“Undisputed” segue o caminho contrário, não só trazendo uma granularidade absurda para cada boxeador, como o retorno de mecânicas como “eficiência de bloqueio”. Ou seja, você pode, caso tenha energia suficiente, quebrar o bloqueio do oponente e desferir um golpe certeiro para finalizar uma luta.
Aprender esta granularidade com mais de 50 boxeadores incluindo nomes de peso é, no momento, uma grande etapa de tentativa e erro. Já na versão de acesso antecipado ele conta com vários estilos de luta, e descobrir qual se encaixa com você pode ser um pouco complicado para quem não está acostumado com jogos de boxe.
O tutorial, mesmo que competente na sua execução ao ensinar os conceitos básicos para você ao menos sobreviver a uma partida, não entra em detalhes sobre os diferentes atributos e estilos de luta. Alguns lutadores podem ter mais resistência no queixo, outros conseguem recuperar energia mais rápido do que outros, e isso acaba sendo descoberto apenas no ringue.
Isso sem contar atributos básicos de cada boxeador ou boxeadora, como altura, alcance e peso. Se você não jogou um jogo de boxe “sério”, são outra parte crucial para que a parte “tática” funcione.
Para mim não foi um problema, já que eu tenho um grande histórico com jogos de boxe no geral, e testar boxeadores e boxeadoras de diferentes categorias é um ótimo passatempo. E foi nesse momento que eu notei o quão “entrelaçada” estão as mecânicas de “Undisputed”.
Verificar o batimento cardíaco do seu boxeador, saber quando avançar, quando atacar, como se movimentar no ringue, mecânicas que poderiam ter sido muito bem deixadas de lado ou acabarem “robóticas” fluem com uma tremenda facilidade. Um golpe não conectou corretamente? É possível que a distância entre você e o oponente não estivesse “correta”. Um impressionante sistema de física governa os nuances de cada jab, direito, cada gancho.
Houve momentos em que, sim, até eu fiquei frustrado de não ter acertado pois a minha mão passou sobre a cabeça do oponente, mas era questão de aprender o posicionamento e não necessariamente uma falha do jogo.
Eu, por exemplo, gosto de lutadores que são ágeis e que vencem partidas na base do cansaço ao invés de nocaute. Pode soar “desinteressante” de um ponto de vista “cinematográfico”, ou para quem espera que toda luta termine em um nocaute, mas quando você pega o jeito, é extremamente gratificante ver o seu oponente murchar round após round. E isso é só a ponta do iceberg no que diz respeito aos modificadores; são tantos, mas tantos que eu ainda não vi todos.
E eu adoro o sistema de batimento cardíaco e como um batimento cardíaco alto impacta o sistema de bloqueio — que dá um show à parte com diferentes modos de bloquear — e além disso conta com vários mini “truques” que você pode fazer para aliviar o seu próprio bloqueio sem fazer com que os seus batimentos cardíacos vão lá para cima e você, eventualmente, perca ainda mais energia entre rounds.
A minha maior crítica atual em relação ao sistema de combate de “Undisputed” vem de duas frentes distintas. O primeiro é a presença de um sistema de “overdrive”, por assim dizer. Assim que você coloca o seu oponente em um estado de atordoado, você ganha uma barra “infinita” para desferir golpes. Entendo a necessidade dessa mecânica para incentivar um maior número de pessoas a jogarem, mas gostaria que ela fosse opcional em modos mais focados na “simulação”.
O segundo ponto está mais ligado ao modo online e o balanceamento do jogo — algo que inevitavelmente será corrigido cedo ou tarde. Em suma, você pode ganhar uma luta desferindo ganchos direitos até cansar e você irá causar um dano absurdo no seu oponente sem muito esforço.
Claro que você ainda troca energia por golpes e aqueles mais espertos já pegaram o jeito de se esquivarem da situação e superar essa partida. Mas, infelizmente, esse é o atual “meta” do jogo e acaba tornando as lutas online um espetáculo de socos repetidos até que o primeiro lutador caia no chão. Até onde pude ver, a Steel City Interactive está ciente disso e já planeja corrigir ou melhorar isso em uma atualização futura.
Outra ausência notável na versão de acesso antecipado é o modo carreira e a possibilidade de criar o seu próprio boxeador, algo que a Steel City Interactive planeja implementar em um futuro próximo.
O que acaba resultando em um jogo onde ou você joga contra a IA, ou participa de lutas pré-definidas, ou tenta a sorte no modo online onde a maioria dos veteranos da franquia “Fight Night” se encontram. Considerando que “Undisputed” já entrou com o pé direito e com tantas mecânicas bem executadas e muito menos dores de cabeça do que eu imaginava, é questão de tempo até que ele se abra para um público maior.
Não nego que, considerando o preço ofertado pelo jogo, ele esteja com um público severamente limitado no Brasil. Eu absolutamente recomendo o jogo se você é fã da franquia “Fight Night” ou quer um jogo de boxe que vai muito além do “estourar o seu oponente na porrada”. Para os outros, esperar é a melhor opção no momento.
Quem sabe, agora quem sabe, “Fight Night Champion” finalmente vai poder descansar depois de tantos anos em tantas plataformas. Se o futuro estiver nas mãos de “Undisputed”, ele está em ótimas mãos.
No que cabe a mim, eu certamente continuarei a desfrutar — e muito — do modo online que funciona surpreendentemente bem no Brasil, encontrar e aprender novos boxeadores para, quem sabe, parar de apanhar tanto. Não vejo a parte de “parar de apanhar tanto” acontecer tão cedo, mas não custa sonhar.