Para quem não acompanha jogos de perto, ler “os desenvolvedores de Dead Cells” e imediatamente pensar na Motion Twin é fácil. Entretanto, a equipe original do excelentíssimo roguelike se espalhou aos quatro ventos. Alguns ficaram com a “Evil Empire”, atual desenvolvedora do jogo, outros seguiram com projetos pessoais e menores. É importante começar fazendo essa distinção ao escrever sobre “The Rogue Prince of Persia” (Steam), pois se você espera algo remotamente similar a “Dead Cells”, vai bater de cara na parede.
Onde “Dead Cells” era sobre agilidade, destreza, mistério e encontrar a build “perfeita” para chegar ao chefão final, “The Rogue Prince of Persia” dá uma baita guinada para um jogo mais cadenciado, mais voltado para paciência e precisão, e uma história mais bem “elaborada”, por assim dizer.
Se você começa como “zé ninguém” no jogo da Motion Twin / Evil Empire, aqui você já tem o príncipe como peça central da trama. Após provocar um dos líderes dos hunos, este envia um exército “sobrenatural” para destruir a cidade de Ctesifonte – uma das mais importantes cidades da Pérsia, apresentada no jogo com um estilo mais “fantasioso”.
Além de, obviamente, se sentir culpado pelas suas ações, o príncipe assume a responsabilidade de liberar a cidade com as suas próprias mãos. Isso é, até morrer pela primeira vez e misteriosamente ser ressuscitado por uma pequena bola que foi dada a ele pelo seu pai.
Eu não sou um de me interessar muito pela história em um roguelite. Na maioria das vezes o jogo reduz a ideia de “morrer” para o elemento mais básico possível. “The Rogue Prince of Persia” vai contra essa maré com mais narrativa tanto do próprio príncipe quanto dos coadjuvantes que você vai encontrar, tanto na sua base como em certas áreas do mapa.
Antes que você considere comparar com “Hades”, o título da SuperGiant Games ainda está muito à frente nessa categoria, mas o que a Evil Empire demonstrou até então é mais do que o suficiente para eu ter certeza de que a história da versão final vai ser, no mínimo, intrigante.
A outra certeza que eu tenho é que a sua jogabilidade vai ser ame ou odeie. Como apontei no começo do texto, esperar que “The Rogue Prince of Persia” siga os mesmos passos de “Dead Cells” é dar de cara na parede. A versão de acesso antecipado não conta com um sistema de parry ou um sistema “tradicional” de esquiva. Ao invés disso, ele usa os melhores atributos da franquia (ao menos após “Sands of Time”) como base para as suas principais mecânicas.
Se esquivar de um inimigo significa pular sobre ele e acertá-lo com um chute para atordoá-lo. Os mapas possuem muito mais elementos de plataforma e armadilhas do que dezenas de dezenas de inimigos prontos para te matarem. Se fosse fazer uma média, eu diria que eu morri mais vezes para uns espinhos do que para um inimigo. Levando em conta que o primeiro “Prince of Persia” foi um dos jogos que mais joguei quando criança, diria que algumas coisas nunca mudam mesmo.
Me aclimatar com essa nova abordagem demorou um tempo, parte por eu ainda ter na minha cabeça o conceito de “preciso ser o mais rápido possível para acessar uma porta que fecha após um tempo limite” tão presente em “Dead Cells”, parte pela própria natureza do acesso antecipado do jogo.
O arsenal de armas do príncipe é relativamente pequeno no momento. Você tem adagas, um machado, uma espada longa e dois tipos de lanças que podem ser obtidas nos mapas. Níveis de raridade e sinergias não estão presentes no jogo e a Evil Empire não mencionou se vão ser implementados. A única diferenciação entre as armas no momento é o seu “nível”. Quanto mais longe você chegar em uma run, mais fortes vão ser as armas disponíveis em vendedores ou em locais específicos do mapa.
Os inimigos também ficam mais fortes, mas ainda carecem uma maior distinção, tanto em termos visuais quanto em variedade. A Evil Empire está trabalhando a todo vapor para resolver isso o quanto antes, tanto que, durante a produção desta matéria, a desenvolvedora adicionou uma nova área e três novos tipos de inimigos.
Até o sistema de medalhões – um dos grandes diferenciais entre runs – deixa a desejar. Esses medalhões especiais aumentam de nível de acordo com a posição no inventário e forçam você a fazer escolhas como “você quer que um medalhão te dê mais vida ao eliminar um oponente em troca de destruir outro medalhão, ou você quer um medalhão que te dê menos vida, mas você pode ter dois medalhões ativos?”. A escolha era para ser difícil, mas a pouca variedade deles no momento faz com que seja muito mais prático ter vários medalhões ativos do que priorizar um.
Todavia, é impossível não olhar para esses pilares e ficar “uai, não era para eu estar mais forte?” ou “Por que eu estou lutando contra o mesmo inimigo em uma área em que ele nem parece fazer sentido?”. Fiz muitas dessas perguntas para mim mesmo ao longo das minhas 12 horas de jogo – tempo mais do que o suficiente para “ver todo o conteúdo” que o jogo possui no momento.
Foi preciso eu respirar fundo, me acalmar, e levar o jogo com mais “leveza”. Ao invés de correr pelos mapas, decidi explorá-los com cuidado e fui recompensado com mais história, áreas secretas (que, por incrível que pareça, já tem aos montes) e excelentíssimos desafios de plataforma.
Por falar em desafios de plataforma, já que citei o elemento na matéria, a movimentação de “The Rogue Prince of Persia” não é nada mais, nada menos do que sublime. Correr pelas paredes, pular em mastros, saltar de barra em barra. A Evil Empire capturou muitíssimo bem a essência de “Prince of Persia” pós “Sands of Time”, tal como a equipe da Ubisoft Montpellier em “The Lost Crown”.
Meu prazer de navegar pelos mapas com tamanha fluidez era tanta que, se “The Rogue Prince of Persia” tivesse um modo separado só com desafios de plataforma e sem inimigos, eu já me daria por satisfeito e sequer encostaria na história.
Outro ponto que é impossível de eu não comentar são os chefões, digo, o chefão que está presente na atual versão de acesso antecipado. Outra vez uma distinta comparação com “Dead Cells” é necessária. O que reina em “The Rogue Prince of Persia” não é dano puro, mas saber quando atacar. O chefão em si é um grande “quebra-cabeça” que, assim que você pega o jeito, é fácil de derrotar. Isso por si só já é um salto de qualidade imenso em comparação com a monotonia de lutar contra o mesmo chefão múltiplas vezes em “Dead Cells” e torcer para que o seu dano seja mais alto do que o dele.
Até diria que os próprios inimigos encontrados pelos mapas seguem uma lógica parecida. “The Rogue Prince of Persia” dá muito mais espaço para você manipular a posição dos seus oponentes e entender quais são as suas fraquezas ao invés de partir para força bruta.
Como apontei, me acostumar com isso vindo de tantas horas com “Dead Cells” não foi fácil, mas assim que peguei o jeito, percebi que o combate – mesmo com os pormenores da falta de variedade de equipamentos ou raridades – é tão fluido quanto a movimentação. É um daqueles jogos que te faz vibrar quando você consegue juntar três ou quatro inimigos em um mesmo espaço e jogá-los todos para o precipício com um chute. Eu sei o quanto eu vibrei em fazer isso, ainda mais quando estava com meus pontos de vida baixos e prestes a perder uma run.
Como uma empresa não conhecida por colocar títulos em acesso antecipado, a Ubisoft fez a escolha correta ao dar a responsabilidade para a Evil Empire e, junto com a comunidade, construir bloco a bloco o que vai ser a versão final de “The Rogue Prince of Persia”. Acredito que muitos pontos que deixaram a desejar na versão usada para essa matéria vão melhorar com o tempo, à medida que novas peças se encaixarem no processo de desenvolvimento, novas áreas forem liberadas, o mapa e o arsenal forem expandidos.
O que há no momento já é mais do que uma prova de que a Evil Empire sabe muito bem o que está fazendo: garantir que o jogo tenha uma fundação exemplar. Isso ele mais do que provou, para mim, ter. Se o seu lançamento for em 2024 ou 2025, ou até mesmo em 2026, eu não ligo — mas eu tenho certeza de que, na próxima vez que eu visitar “The Rogue Prince of Persia”, ele vai estar melhor ainda. E, se você é desses que gosta de ver um jogo em desenvolvimento e consegue “ignorar” ou amenizar os pontos que eu levantei no texto, já deixo a minha recomendação.