Você gosta de shmups, classes e sistemas de progressão, loot e um toque de permadeath? Que bom! E que pena, pois você não vai gostar nem um pouco do que eu estou prestes a te falar sobre Survived By, o “MMO” da Human Head Studios e da Digital Extremes, e atualmente em fase de beta fechado.
A princípio o conceito em si é excelente. Survived By devia ser um sucessor espiritual de Realm of the Mad God: você escolhe uma das seis classes, usa uma visão no estilo “top-down”, explora um mundo em busca de quests ou monstros para matar, evolui o seu personagem e progressivamente obtém equipamentos melhores. Tal como o game no qual parece buscar inspiração, é um action RPG como qualquer outro elevado pelo seu diferencial de trazer elementos de shmup. Um chefão deixava de ser um mero chefão quando seu ataque eram dezenas ou centenas de espadas pelo mapa, e você tinha de prestar atenção em onde e como posicionava seu personagem caso não quisesse dar “oi” para a Morte cedo demais. Além disso, Realm of The Mad God era excelente para ser jogado com amigos devido a sua natureza cooperativa e à facilidade de criar grupos; e, mesmo com a inclusão de permadeath, era ótimo para partidas “relaxantes” em um fim de tarde.
Ansioso para começar minha jornada, entrei na tela de seleção de classe e escolhi um assassino; mas já observei algo estranho nessa tela mesmo. Havia apenas um slot de personagem; todos os outros deveriam ser comprados com dinheiro real. Hmmm… algo não me cheira bem.
Armado com adagas que de alguma forma são disparadas continuamente (nesta parte eu não questiono a lógica de Survived By; ter elementos de shmup inclui ter essas bizarrices), fui transportado para a cidade principal. Ferreiros, vendedores de poções, um guarda ali e acolá. Ninguém para me dar uma quest. Bom, talvez Survived By quisesse me colocar já na prova de fogo e ver se eu sobreviveria ao seu mundo hostil. Saí da cidade e fui matar monstros.
Matei monstros, matei coelhos armados com arcos, matei bodes demoníacos, matei minhocas gigantes, matei o meu tempo e nada de encontrar outra cidade. Subi de nível e meus atributos foram automaticamente alocados. Hmmm…. algo continua não me cheirando bem.
Foi então que, lá pelo centésimo monstro morto um pergaminho caiu. Um item? Uma magia? Será que eu precisava identificá-lo para ganhar uma nova habilidade? Que nada, era uma quest. Sim, a única maneira de você conseguir quests é ter a “sorte” de um dos monstros deixar cair. Adivinha qual era a quest? Isso mesmo: matar um monstro, só que mais forte do que os outros. A essa altura eu já estava com três horas de jogo, no nível 10, e ainda não tinha visto o mínimo de “perigo” que a presença de um permadeath traria – mas estava confiante que essa quest era a guinada que faltava para realmente dar de cara com o desafio de Survived By. Tinha de ser, não é?
Uma seta no mapa me apontava a direção do monstro — um golem de pedra rodeado por tornados. Um ataque, dois ataques e nada das minhas armas serem eficazes. Agora sim, era isso que eu queria ver de Survived By! Nem um minuto se passou e um outro jogador, de nível 25, passou e trucidou o monstro. Uma mensagem na tela piscou: “O monstro da sua quest foi eliminado por outro jogador”.
Como é que é?
Eu estava incrédulo, estupefato, sem chão, faltam adjetivos para descrever a feição do meu rosto — quem sabe um misto de desgosto e angústia. Minha tão sonhada quest, a guinada que eu tanto aguardava, trucidada por outro jogador que nem mesmo devia saber que aquele monstro era parte da minha quest. E pensar que isso foi só a ponta do iceberg dos problemas de Survived By.
Não me leve a mal; eu não tenho uma imensa birra com esse tipo de design. Eu mesmo já fiz algumas coisas estúpidas em MMOs quando era mais novo — como sentar no topo de uma colina em World of Warcraft na espera de um mob extremamente específico aparecer para poder atacá-lo e transformá-lo em um pet. Mas isso era o meu “eu” de 20 anos, o “eu” que tinha tempo livre e — acima de tudo — paciência para essas tarefas que atualmente considero patéticas. Mas ao menos isso era um conteúdo opcional, eu estava lá pela minha própria vontade. Eu poderia muito bem ter ignorado aquele mob e continuado com meu pet original que nada iria mudar. Em Survived By, o simples fato de que alguém tem a capacidade de completar uma quest em seu nome e você não receber nem um ponto de experiência é, no mínimo, ridículo.
Pelo menos o terrível incidente serviu de aprendizado, já que deixou claro que eu precisava melhorar meu equipamento. Voltei para a cidade — que posteriormente descobri ser a única do jogo, essencialmente um “hub central” — e encomendei um conjunto de adagas novinhas em folha para trucidar meus inimigos. Dei os materiais e vi uma barra lentamente se preencher. “Pera, isso…. é um timer?”, questionei em voz alta. Sim, era um timer; demoraria 12 minutos para o meu novo par de adagas ficar pronto. Até lá eu podia continuar a matar monstros insignificantes — que a essa altura mal me davam pontos de experiência — ou fazer outra coisa com a minha vida. Decidi preparar um café e parar para jantar.
Com minhas adagas prontas, e devidamente alimentado, voltei para a minha jornada de “mate monstros, torça para conseguir uma quest e torça ainda mais para que outro jogador não elimine o monstro antes”, que, a essa altura, já começava a ficar entediante.
Para alguém que é apaixonado por shmups (Touhou, Mushihimesama, Ikaruga, Dodonpachi) e jogos que evocam elementos deles (Enter the Gungeon, Monolith), a palavra “entediante” não estava no meu dicionário. Mas, por mais incrível que pareça, Survived By foi capaz de colocá-la de volta como alguém marca um gado com ferro quente. Nunca pensei que tédio pudesse ser tão terrivelmente doloroso.
O contraste entre Survived By e os jogos citados anteriormente surge primariamente das ações do jogador, e a resposta do inimigo para elas. Os monstros tradicionais sequer têm ataques ameaçadores; uma esquivada para ali ou para cá e você já está seguro. Já os monstros “elite” — nome que dou aos que encontro em quests — têm um padrão de ataque inconsistente.
Pegue um chefão de Enter The Gungeon, por exemplo. Os seus disparos quase sempre surgem de um ponto central, seja na parte superior ou inferior da tela. Com isso você tem o tempo não só de se esquivar, como aprender lentamente qual é esse padrão de ataque. Morte após morte, prática após prática, você pega o jeito e derrota ele.
Isso pouco acontece em Survived By. Pode ser que o inimigo saia do seu campo de visão, o que dificulta entender qual é o padrão de ataque. Pode ser que ele mude o padrão a cada disparo. Às vezes ele nem mesmo tem um padrão. Você? Só um ataque e uma magia especial, nada mais. Repita o processo por dez ou quinze horas e você tem uma noção da jogabilidade básica de Survived By. Subir de nível equivale a aumentar a potência do dano. Não há novas habilidades destravadas ou nada do tipo; o único retorno visual são números maiores pipocando na tela. Progressão persistente? Você tem direito a usar gemas azuis para aumentar resistências contra elementos, ou aumentar dano causado a certos inimigos.
Agora imagine segurar o botão do mouse esquerdo por horas e mais horas soltando o mesmo ataque, tendo seus atributos alocados automaticamente, sem ter a palavra final sobre o futuro do seu personagem, para, no fim, ser morto por um projétil vindo em sua direção atirado por um monstro que você nem sabia que estava por perto. Isso não é desafio; isso não é fazer bom uso de permadeath — que entra como um inconveniente mais do que um gerador de tensão e um sistema de risco X recompensa — isso é testar a paciência do jogador; testar a minha paciência.
O legado que meu assassino deixou foi fazer com que meu próximo personagem tivesse maior resistência contra fogo. Descanse em paz, querido assassino. Era hora de tentar a minha sorte com um arqueiro.
Lá fui eu para as “minas do grind” subir de nível com o arqueiro — que por algum motivo que ainda não entendo tem uma velocidade de ataque menor do que a do assassino. Dessa vez cheguei mais longe; não só completei quests como encontrei uma chave especial. Essa chave abriria um portal para uma das cavernas espalhadas no mapa, onde supostamente haviam tesouros e armamentos raros. Minha empolgação voltou por alguns minutos. Entrei na caverna, exterminei tudo e todos, abri o baú e encontrei o mesmo arco que usava. Azar? Não sei. Ao menos tinha material suficiente para construir novas roupas e artefatos. Já tinha que levantar para dar uma caminhada de qualquer jeito; nada melhor do que deixar o ferreiro fazer o trabalho dele enquanto eu vivia a minha vida.
No caminho para a cidade me deparei com um outro assassino, superequipado e até com asas. Curioso, perguntei quanto tempo demorou para ele conseguir os equipamentos. “Ah, não, essa é uma skin do cash shop”, ele me disse. Tentei fingir que não li aquelas palavras; abri o cash shop com um olho aberto e o outro não — como em um filme de terror. E, assim como o filme de terror, o pesadelo se tornou realidade. Qualquer personalização do seu personagem tem de ser comprada com dinheiro real. Sim, até mudar a cor das armas pede para você desembolsar um dinheiro.
A existência do cash shop não é algo que me assusta; afinal, Survived By vai ser free-to-play no lançamento. É a ganância, o custo absurdo do item mais básico que me deixa boquiaberto, unido ao fato que é um jogo publicado pela Digital Extremes — a mesma que produziu um dos modelos mais “honestos” de free-to-play com Warframe.
Por isso que coloco “MMO” entre aspas, pois só forçando — e muito — a barra para considerá-lo isso. Survived By é tanto um MMO quanto The Division é um MMO. Melhor falando, é um espaço compartilhado onde você ocasionalmente esbarra com um jogador e com muita sorte ele não vai atrapalhar a sua vida.
Levei os materiais ao ferreiro e pedi uma nova roupa e um amuleto. Ele não podia construir os dois ao mesmo tempo, a não ser — é claro — que eu desembolsasse um dinheiro para liberar o segundo ferreiro. Optei pelo amuleto. Ele me disse que demoraria quatro horas para ser completado, mas se eu quisesse, podia acelerar o processo pagando um dinheirinho (real) extra. Era isso ou aguentar mais horas de grind sem sentido e sem a menor de sensação de que está sendo recompensado.
Até agora não voltei para buscar o amuleto.