Diablo-likes, clones de diablo, RPGs de ação, Hack ‘n slash com visão isométrica. Chame-os como quiser; desde que a Blizzard “revolucionou” o mercado em 1996, eles são parte do cotidiano do mundo “gamer”. Alguns jogos refinam as mecânicas e trazem novas ideias, e outros fazem uma mistureba gigante. É desta mistureba que algo com grande potencial pode sair, o que é o caso de “Superfuse” da Stitch Heads Entertainment e em acesso antecipado no Steam por R$73,99.
Com uma forte estética cartunesca, “Superfuse” é tudo o que você não espera de um diablo-like. Bem, ao menos não o que eu imaginava quando eu joguei as suas primeiras horas. Ao invés de você jogar como um super-herói ou alguém que está fazendo o “bem para o mundo”, seu papel é de um “Enforcer” — um humano geneticamente modificado para proteger a elite e acabar com protestos pelo sistema solar.
Não vou hesitar em apontar o meu grande desgosto por essa trama apresentada até então. Eu não me importo em jogar com personagens que não tem pátria, mercenários, ou aqueles que são construídos com uma história que não é aquele preto no branco. Entretanto, nada do que foi me mostrado em “Superfuse” até então me diz que você não é o vilão — tudo parece indicar que você está lá para proteger os interesses da elite e pisar no caminho de todos que estiverem no caminho.
Além do que, que utopia bizarra é essa que está sendo usada pela desenvolvedora, onde a elite vai “salvar” a humanidade quando os recursos da Terra ficarem escassos? Sejamos sinceros, em que mundo isso vai acontecer? Se os últimos anos foram alguma representação, a burguesia está pouco se lixando com o proletariado e mais preocupada com o seu bem próprio.
A Stitch Heads Entertainment até tenta dar uma amenizada na trama, com a ameaça principal sendo uma bizarra mutação que transforma os humanos em monstros. A versão de acesso antecipado traz alusão a forças que estão muito além das grandes corporações e da elite. Eu ainda não comprei essa desculpa, não ao menos até a desenvolvedora explorar mais da trama e comprovar que eu estou errado em assumir que os “Enforcers” não são nada além de uma versão de ficção científica da polícia.
Se você for capaz de fazer uma vista grossa — mas vista grossa mesmo — em relação a este tipo de premissa, você vai encontrar um action RPG com bastante potencial em termos de jogabilidade. A palavra-chave aqui é potencial, pois “Superfuse” está muito longe de atingi-lo no momento.
Uma das mecânicas “diferentes” em relação a outros Hack ‘n Slash é o sistema de fusão. Em suma você pode “criar” as suas próprias habilidades ao unir habilidades passivas e ativas em uma habilidade principal. No fundo não é nada mais do que os modificadores de ataque / dano que você vê em jogos com Grim Dawn e no pouco conhecido, porém fantástico “Ghostlore” (que faz um trabalho ainda melhor na implementação desse conceito).
O sistema, no entanto, bate em dois empecilhos gigantes. O primeiro sendo a própria estrutura inacabada de “Superfuse”, que te deixa teorizar as maiores e melhores builds possíveis, mas infelizmente não deixa aplicá-las na prática. Muitas das árvores de habilidade estão desbalanceadas ou inacabadas. Algo de se esperar de um jogo em acesso antecipado, mas não no grau que eu vi.
A minha primeira partida foi com um Berserker — o equivalente a um misto de classe DPS e “tank” no mundo de Superfuse — e chamá-la de frustrante é pouco. Ao invés de ter aquele tank poderoso ainda capaz de causar um dano médio e segurar os inimigos, eu era trucidado a partir da segunda área principal do jogo.
“Pera, o que está acontecendo? Como eu saí de todo o poder que eu tinha para essa fraqueza toda?”, olhei incrédulo para a tela. Abri o meu inventário, a minha fiel calculadora e um bloco de anotações para entender melhor o sistema de dano do jogo.
A resposta não estava nos itens, nem exatamente nas habilidades, mas no maldito RNG que me deu armas patéticas que se tornaram inúteis assim que eu entrei na segunda área. Este ponto já foi citado pela Stitch Heads Entertainment como algo que será melhorado, mas para um jogo que em menos de 1h30 já mutilou o jogador por ser “azarado”, não gera muita confiança.
Eu até tentei a sorte com as outras árvores de habilidade com o Berserker, como ataques de dano elemental (eletricidade e fogo), mas elas estavam em um estado pior ainda, com cálculos de dano que não faziam sentido ou bônus específicos que não eram ativados.
O inverso aconteceu com a Elementalist, a classe “Glass Canon”, cujas habilidades principais podem ser de fogo ou de gelo. Nela o RNG foi menos cruel comigo e me deu tanto equipamento melhor, como habilidades passivas que podiam ser fundidas com os meus ataques para torná-los ainda mais devastadores.
Houve uma estranha sensação de que a Stitch Heads Entertainment se focou demais em uma classe e esqueceu as outras. De novo, algo de se esperar de um jogo em acesso antecipado como “Superfuse”, mas eu teria preferido que ele fosse disponibilizado com menos classes — até mesmo uma se fosse preciso — e a desenvolvedora trabalhasse em cima de refinar as próximas classes a partir do feedback recebido pela comunidade.
O segundo, e talvez mais preocupante empecilho para que o sistema de fusão não funcione como esperado pela Stitch Heads Entertainment é a limitação que a própria desenvolvedora impõe nele. Sabe quando eu falei que você pode pensar em dezenas de builds? Isto, infelizmente, acontece em parte. O sistema de fusão está diretamente ligado ao seu nível e quanto maior, mais espaços para fusão estarão disponíveis para suas habilidades.
Retorno ao exemplo do Berserker e da Elementalist para explicar meu ponto: O Berserker começa com um ataque-combo que tem um dano médio, mas que pode ser aprimorado com um dash ou dano de veneno — que, aliás, não estava funcionando nesta versão. O custo do dash é muito alto, ainda mais para um híbrido de “tank e dps” que devia estar na frente do campo de batalha sugando todo o dano causado pelos inimigos.
O contrário aconteceu com a Elementalist, me oferecendo itens de fusão com custo relativamente baixo, como a possibilidade de perfurar meus inimigos com ataques de fogo e gelo. Posso ter me dado mal na roda do RNG de “Superfuse”? Claro, mas, outra vez, isso não deveria ser um empecilho para passar das fases iniciais de um Hack ‘n Slash. Céus, nem Diablo 2 era assim. Até jogadores novatos de Diablo 1 quando encontravam o primeiro chefão sabiam que eles apanhariam, mas até lá eles já tinham pego o jeito das mecânicas — e tinham um pouco mais de experiência.
“Superfuse” aparenta estar com pressa de jogar um monte de mecânicas na sua cara e falar “olha quantas coisas você poderá fazer assim que o jogo estiver concluído!”. Para isto eu respondo: “Muito legal, eu vejo o quão interessante essas mecânicas podem ser, mas o jogo não está concluído, certo?”.
Outros pormenores também afetaram o meu tempo com o jogo, sendo o principal a “necessidade” de jogar online. Ela em si não é um grande problema, mas por algum motivo o jogo cria um servidor nos EUA ao invés da América Latina, o que faz com que muitos golpes não sejam registrados corretamente ou bugs bizarros de dessincronização ocorram. A minha melhor recomendação por enquanto é ou criar um servidor separado e bloqueá-lo com senha ou jogar no modo offline.
Acho até bom que a própria Stitch Heads Entertainment não tenha definido ainda uma data concreta para o lançamento de “Superfuse”, pois tudo que eu vejo no jogo no que diz respeito a complexidade de mecânicas me apetece bastante. O sistema de fusão de habilidades pode não estar no ponto certo, mas o potencial, como muito bem apontei, está presente.
Outros pontos voltados para os jogadores mais “hardcore”, como percentual de acerto, modificadores de dano crítico, modificadores de resistência tanto para você como os inimigos, a chance de “errar” um golpe — uma mecânica rara em jogos Hack ‘n Slash hoje em dia — serão o mais puro deleite quando forem concluídas.
Eu teria preferido que “Superfuse” tivesse ficado um pouco mais no forno para que os maiores problemas que arrastam a experiência para baixo não fossem tão transparentes na versão de acesso antecipado. Mas, bem, é para isso que acesso antecipado serve.
Ainda estou em dúvida se a minha jornada com “Superfuse” acabou por enquanto ou não, mas sem dúvida eu estou mais do que aberto a dar outras tantas chances ao jogo, assim que mais atualizações estiverem disponíveis e a última classe for lançada. Vou ficar sonhando com as minhas builds e ver se elas de fato serão eficazes no endgame.
E por favor, Stitch Heads Entertainment, por favor não siga essa linha narrativa bizarra que você decidiu tomar em pleno 2023, onde tantos protestos ocorrem no mundo pelos mais variados motivos. Espero que haja um plot twist na versão final. Pois, por mais que as mecânicas acabem sendo competentes, o gosto amarguíssimo da história vai permanecer na minha boca por um bom tempo.