Devo parabenizar o desenvolvedor Kodo Linija, eu não imaginaria que um jogo como Stardeus (Steam Early Access) — cujo foco seria construir naves e explorar o universo — criaria um desejo tão grande em mim de consertar naves e mais nada. Bom, o principal motivo disso é que esta é a única parte que de fato funciona no jogo de estratégia e gerenciamento.
Eu não quero desmerecer o trabalho de Linija, Stardeus é um jogo extremamente ambicioso. Ele combina elementos de Rimworld, Faster Than Light e ainda uma camada de automação que até então faltava e muito no gênero. Todavia, só partes dessas mecânicas estão implementadas no jogo.
A partida inicial da versão de acesso antecipado me colocou no controle de uma nave despedaçada. Meu objetivo inicial era torná-la funcional, habitável e pronta para exploração interestelar. Fácil, certo? Errado. Se você tem alguma experiência com jogos similares, jogue-os na lixeira. O método de progressão de Stardeus é relativamente único.
O diferencial de Stardeus é são os seus robôs e automação, são eles que você irá controlar boa parte do tempo e quem fará as tarefas pesadas. Humanos são, no momento, elementos secundários que por acaso estão na nave. Você ainda precisa cuidar deles construindo cozinhas, áreas com oxigênio e temperaturas agradáveis, mas é impossível de controlá-los diretamente, como é o caso de Rimworld, por exemplo. Por consequência, a curva de aprendizado de Stardeus é muito maior do que eu pensava.
Quando comecei a jogá-lo, minha ideia era “ah, vou juntar as partes da nave, coletar os materiais e a partir daí planejar minha rota e explorar o universo”. Eu estava na minha 10ª hora de jogo e ainda estava batendo a cabeça contra uma parede invisível para entender como tornar metade da nave habitável para que os humanos chegassem na ponte sem se sufocar ou morrerem congelados.
Por mais que Stardeus ofereça quests, que eu espero que seja mais usado por outras desenvolvedoras, o jogo possui tantas engrenagens que chega a ser assustador tocar em uma delas. Uma das quests iniciais, por exemplo, me ensinou a usar um guincho para “combinar” seções da nave. O conceito em si é ótimo, mas quando unificadas, o jogo assume que as seções combinadas agora equivalem a uma só. O que era então uma nave relativamente “estável” virou um puro caos.
Alertas pulavam na minha tela que agora parte da minha nave estava com problemas de oxigênio, temperatura, humanos andavam para áreas não habitáveis. Minha vontade era de gritar para eles: “Por favor, não vão para aí, ainda não terminei de finalizar esta parte da nave!”, mas de nada adiantava, no momento eles andam para onde bem entenderem e não se importam em morrer. A única solução a curto prazo que eu encontrei foi bloquear o acesso interno e criar uma entrada secundária para que os robôs construíssem o restante dos sistemas que tornassem o resto da nave funcional.
O problema aqui é que Stardeus leva alguns aspectos de “automação” longe demais. Espaços e seções são determinados automaticamente pelo jogo. Uma sala é construída e ela imediatamente é incluída na listagem de salas que pode ser acessada via um botão da interface. Ótimo para diminuir o microgerenciamento no futuro, mas como os humanos não obedecem a qualquer tipo de regra, a atual versão da “automação” gera mais microgerenciamento.
Perdi incontáveis colonistas por eles serem afobados e decidirem entrar em uma sala que não tinha nada — sequer uma cadeira — para sentar e comer um almoço. O que se passou na cabeça desta pessoa para olhar para uma sala sem oxigenação e com temperatura -280ºc e falar: “Olha só, um local perfeito para eu comer a minha marmita!”?
O que me deixou menos preocupado em relação a tantas perdas — com exceção dos corpos empilhando na minha espaçonave semi-funcional — é que, como mencionei, humanos são no momento algo secundário. Diferente de Rimworld ou Dwarf Fortress, Stardeus te dá poucas oportunidades para criar um vínculo com eles. Um humano morre, outro surge de uma câmara de congelamento — que aparenta ter humanos infinitos — e a vida continua.
Foi só lá pela minha 20ª hora de jogo que eu consegui completar todas as partes da nave e começar a explorar a galáxia. Mais cansado mentalmente do que eu esperava, ao menos torcia para que os próximos eventos — como coletar materiais de planetas próximos — ocorressem com certa normalidade. Ah, quem dera, só nos meus sonhos que isso pelo visto vai acontecer.
A dor de cabeça da vez veio de duas frentes: um meteoro gigante que causou danos severos à nave e humanos que, outra vez, acharam uma boa ideia entrar nas seções da nave que estavam em chamas. Os danos severos demoraram outras tantas horas para serem consertados, mas agora eu tinha que esperar não só mais humanos, como eles terem a boa vontade de construírem roupas espaciais e coletarem materiais junto com os meus robôs.
Antes que perguntem “por que você não simplesmente cortou o oxigênio das partes que estavam em chamas?”. Bem, eu tentei, mas por algum motivo Stardeus não quis levar em conta que a seção específica estava em um vácuo. Dores de cabeça esperadas de um jogo que está em acesso antecipado e que cedo ou tarde serão retificadas.
São essas dores de cabeça que acabaram fazendo com que eu parasse de jogar Stardeus por enquanto. Não é que ele seja de todo ruim, há múltiplos sistemas implementados por Kodo Linija que são absolutamente fantásticos.
Pesquisa, por exemplo, é um ótimo ponto de referência. Ao invés de ser algo “direto” como Rimworld, você precisa gerar energia, construir servidores para aumentar a memória e a capacidade de armazenamento. Núcleos administram a distribuição dessa memória e também das tarefas dos robôs. Isso pode soar como uma camada “extra” desnecessária, mas depois de ver tantos jogos repetirem a mesma fórmula, Stardeus ao menos oferece algo diferente.
Outro diferencial que me motivou a continuar jogando até onde pude é a maneira que Stardeus lida com toda a parte elétrica, a simulação de oxigênio e temperatura da nave. Apesar dos colonistas mortos, o jogo não distribui oxigênio como “mágica”, mas sim demora um tempo para estabilizar o ambiente. Conexões elétricas podem perder potência devido à distância de uma unidade de redistribuição, etc. Há uma poderosíssima simulação que está ocorrendo por trás das cenas que faz com que os sistemas que funcionam em Stardeus serem tão bons.
Mesmo as quests, que até mencionei como um problema, está enraizado em um conceito muito bom. Cada quest é separada em etapas e tanto elas quanto os alertas imediatamente apontam com qual parte da sua nave você precisa interagir. Para um jogo com uma curva de aprendizado tão alta – ou diria aqui até um subgênero inteiro – já ter a interface e os pormenores funcionando é um milagre.
A primeira vez que eu li sobre Stardeus ficar em acesso antecipado por ao menos dois ou três anos, eu achei bobagem. Mas, agora que vejo a quantidade de sistemas que ele possui e quantos precisam ser refinados para se ter algo que vá além de um mero construtor e reparador de naves, acho um tempo razoável.
Eu não me dei por vencido na minha jornada de Stardeus, mas não espere que eu volte tão cedo para ela. Ao menos não até que umas boas atualizações e melhorias na inteligência artificial dos humanos sejam adicionadas. Mas, se você quer construir naves e lidar com meteoros e não se importa com uma bela dose de bugs — novamente, esperado dado a natureza do jogo — é uma ótima pedida.