Os sensores estavam danificados de novo. O próximo porto para comprar peças sobressalentes estava longe do meu alcance. Malditos ratos espaciais. Malditos ratos e suas naves com lasers incineradores e mísseis nucleares. Shortest Trip to Earth? Que nada, está mais para Longest Trip to Earth.
O game da Interactive Fate, disponível no acesso antecipado do Steam, me saltou aos olhos pela primeira vez quando vi sua campanha no Indiegogo anos atrás por conta um dos fundadores da desenvolvedora ser responsável por Teleglitch. Para quem não conhece, Teleglitch é um shooter top-down com elementos de roguelike que, à medida que você progride nas missões, começa a perceber que não é um mero shooter, e que a estação em que você está tampouco se trata de só mais uma arena cheia de monstros. Nesse mesmo tom, Shortest Trip to Earth não é um mero “clone” de FTL com ainda mais elementos de roguelikes e um tiquinho de survival inseridos. Ele não poderia estar mais distante de sua fonte de inspiração.
Onde o game da Subset Games se orgulha por adorar a simplificidade, apostando em um design preciso, sem margem para ambiguidades ou decisões inoportunas que podem arrastar o ritmo do jogo para baixo, a Interactive Fate veste isso como uma medalha de honra. O tutorial me demonstrou os ensinamentos básicos e me jogou imediatamente em um mapa estelar; só faltou um “te vira campeão” na tela para completar o quão desinteressado ele está em te explicar os detalhes.
Exóticos, minério, metais, suplementos, orgânicos. O que é tudo isso? “Moedas de troca!”, imaginei. Comecei a navegar pela galáxia gerada, encontrei algumas espaçonaves destruídas, recuperei combustível — até então, o único elemento que fazia algum sentido para mim. Avistei mais um planeta e decidi visitá-lo até que, no meio da viagem, um alerta subiu na minha tela. Seus tripulantes estão morrendo. Pera, que? Como? Ah… os orgânicos eram os alimentos para eles. Atingi meu objetivo com apenas um tripulante vivo, o capitão. Desesperado, ativei o sinal de SOS da nave. Quem sabe uma boa alma viria me ajudar, não é?
Foi então que eles chegaram, os ratos. Os malditos, fétidos, e nojentos ratos. “Nos dê toda a sua comida e te daremos combustível”, disseram. Ah, quem dera eu sequer tivesse comida, não é mesmo? Minha única opção era me preparar para a batalha. Com um único capitão, sem membros restantes. Digo, exceto o Meow-meow, meu fiel escudeiro e o gatinho da nave. Pena ele não ser capaz de manejar as armas. Dada a minha situação, você já deve ter imaginado que a minha derrota foi rápida e certeira. Aproveito, portanto, esse espaço para demonstrar como Shortest Trip to Earth consegue criar um distanciamento ainda maior dos jogos que o inspiraram.
O combate de FTL não dava margem para estabelecer táticas avançadas (ainda que a comunidade tenha criado um imenso guia de como “vencer” em determinadas condições); um tiro de laser na lateral de uma nave equivale a um tiro laser na lateral da nave, e as únicas variáveis eram se a região das armas tinha alguém da tripulação no controle ou não. Aqui é diferente; as armas têm um tempo de recarga que é determinado pela existência ou não de uma tripulação nela — um rifle pode demorar menos tempo para recarregar se um tripulante estiver no comando, e ainda menos tempo se ele tem a habilidade de “gunnery” alta. A própria precisão do mesmo é determinada pelo tipo de tecnologia instalada e nunca pode ser disparada diretamente em um componente específico da nave, mas sim tem um “cone” de efetividade, cabendo a você definir quais os potenciais componentes que ela deve atingir.
Empolgante de um lado, com micro gerenciamento demais de outro – é como eu descrevo essa sopa de mecânicas na atual fase desenvolvimento do combate em Shortest Trip to Earth. Parcialmente pela interface que nem sempre é intuitiva e que carece de alguns atalhos essenciais, como a opção de interromper completamente o combate para designar tarefas para a tripulação. Conceitos ou modificadores importantes se escondem dentro de menus ou de simbologias que não são suficientemente claros ou facilmente interpretados. Isso doeu mais na minha 20a run (vamos pular as outras 19 pois não estou disposto a me envergonhar). Eu achava já saber bem o que a minha espaçonave era capaz de fazer, como gerir a tripulação, e — principalmente – entender para o que servia cada um dos quinze tipos de atributos. Nessa run cheguei até o final do segundo setor, uma pequena vitória.
Até eles aparecerem de novo, os ratos. Sempre os ratos.
O warp gate que me daria acesso ao próximo mapa estava sob o controle deles. Era pagar o exorbitante preço que eles me propuseram para atravessar ou, mais uma vez, me preparar para o combate. Eu não sei o que há de errado com esses ratos; a menor discussão e eles já querem partir para a porrada.
Não interessado em ter minha carga “roubada” de novo, ativei os canhões, coloquei a tripulação (agora bem alimentada) nas suas posições e me preparei. Só que não era uma nave dessa vez, eram três. Duas a bombordo e estibordo e uma na traseira. Imagine gerenciar, priorizar em que tipo de nave você precisa disparar primeiro sem ter um mísero atalho para parar e pensar? Pois é, não é nada divertido. Isso sem contar que eu ainda lutava para entender o que determinava, por exemplo, se um canhão era capaz ou não de penetrar uma armadura específica. Novamente, informações que deviam estar a um ou dois cliques de distância, mas que estão enfurnadas em menus não-essenciais para o combate. Claro que fui obliterado mais uma vez, mas culpo a minha incompetência em não reparar que duas das três naves estavam armadas com mísseis que eram capazes de ultrapassar os escudos. Vivendo e aprendendo.
Ainda assim não me dei — e nem tão cedo vou me dar – por vencido em Shortest Trip to Earth, e estou disposto a aguentar esses probleminhas enquanto a Interactive Fate não os conserta principalmente por um ponto: a exploração, um aspecto que eu considerei por muito tempo secundário e que inusitadamente tornou-se o carro principal para as minhas aventuras intergalácticas.
Humilde tanto em conceito como execução, as histórias reveladas ao explorar planetas, derelitos e vestígios de raças anteriores são o suficiente para dar aquela coceirinha de conhecer mais, de deixar a imaginação rolar solta. Como essa espaçonave veio parar aqui? Como esse planeta ganhou vida? Se artificialmente, seria esse o motivo de haver uma estrutura alienígena em seu solo? Memórias que deixam marcas mais profundas quando você está desesperado por recursos ao invés de apenas explorar o espaço para o seu bel prazer.
Me lembro que em um certo momento na travessia pelos setores eu me deparei com uma estação de mineração desativada. Com a esperança de que ela estivesse recheada de itens exóticos – ótimos para serem trocados por comida ou novos módulos na estação – enviei três membros da minha tripulação para vasculhá-la. Para a minha surpresa, ela estava de fato desativada, e me presenteou com 10 itens exóticos. Mas eu poderia explorá-la mais a fundo. Deveria? E se houvesse um sistema de defesa prestes a ser ativado? Achei melhor voltar para a minha nave. Não encontrei essa estação em outras runs, e para ser sincero eu creio não ter visto sequer metade dos eventos dos primeiros setores de Shortest Trip to Earth. Isso diz muito a respeito do quanto a Interactive Fate investiu em deixar esse aspecto atraente.
Ainda é cedo demais para cantar os louros da vitória de Shortest Trip to Earth; sua versão de acesso antecipado ainda vai passar por várias iterações, e ainda carece de metade da campanha, dezenas de side-quests, naves, estilos de tripulações, módulos, munições e armas. Mas, do surpreendentemente baixo número de jogos que tentam emular as mesmas emoções de FTL — características que assimilava apenas a Convoy e Abandon Ship — Shortest Trip to Earth é o mais promissor até então. Entende como risco e recompensa podem andar juntos sem prejudicar a narrativa, evolui (ainda que aos trancos e barrancos) o combate, e adiciona aquelas camadas extras que eu, como um entusiasta de complexidade, desejo tanto. Seja curta ou longa essa viagem, pode ter certeza que eu vou acompanhá-la até o final.