Eu não sei nadar. tentei aprender quando era mais novo, mas na primeira aula eu abri um berreiro tão alto que minha mãe achou melhor deixar de lado. Minha experiência com barcos se limitam a travessia Rio -> Paquetá quando novo. O que diabos estou fazendo escrevendo sobre um simulador de veleiros? Porque, mesmo ainda no acesso antecipado do Steam, Sailaway é maravilhoso.
O apelo de simuladores para mim é aprendizado e toda a “fisicalidade” que ele oferece. Minhas mais de 1000 horas de Flight Simulator e Prepar3d certamente não tiraram meu medo de voar de avião. Sailaway não vai fazer isto também, mas ele me oferece a chance de entender como um veleiro — algo que certamente não terei nunca na vida — funciona, mesmo que superficialmente.
Antes de começar, pensei “Bom, acho melhor procurar a nomenclatura das partes de um veleiro, vai que eu preciso”. Isto não foi uma boa ideia.
A imagem acima me assustou mais do que a minha fatura do cartão de crédito. Tantos nomes, valores, cordas para serem puxadas, e boa parte destes sistemas representados de maneira complexa em Sailaway. O game quebra as barreiras de dificuldade em quatros etapas: Um tutorial básico, um guia de navegação, um sistema de GPS e a opção de selecionar qual o grau de habilidade você tem com barcos. No meu caso, zero.
Só que usar a opção iniciante é um tanto quanto chata já que ele ajusta a vela mestre, a genoa e o resto para que você tenha sempre a melhor velocidade de acordo com o vento na região. Este, atualizado em tempo real junto com o nível das ondas e o clima.
“Já sei, uma pequena jornada pela costa do Brasil, esta é uma boa ideia”, foi o que disse após escolher um dos três veleiros disponíveis. Sabe a parte do tempo real? Então, ela se aplica também ao horário. Jogar as 21h para um novato é o completo inverso de divertido, ainda mais com um mapa com a proporção 1:1. Sim, uma viagem de 14 dias vai, literalmente, demorar 14 dias.
Em meio a um oceano, sem nenhuma iluminação, mas felizmente o GPS me guiava para a direção certa. As ondas estavam amenas e o vento ao meu favor. Nisto já eram 23h, achei melhor parar pela noite.
Acordei na manhã seguinte com um email “Atualização de progresso do seu barco”. Ainda não me acostumei com a ideia de que recebo notificações a cada seis horas caso o vento tenha mudado ou meu barco tenha chego ao seu destino. Certamente daria uma conversa meio estranha na rua.
Imagina você sentado em um bar e soltar um “Eita, meu veleiro não está com as velas ajustadas, tenho de fazer isso quando chegar em casa”. Sim, eu pensei isso uma ou duas vezes…ou mais que isso enquanto trabalhava.
A atualização de progresso mostrava que ele já havia navegado umas 15 milhas náuticas, mas dado uma mudança brusca no clima, ele estava no que se chama de “In Irons”. Ou seja, o vento vem frente à proa e por conta disto ele estava basicamente atolado naquele local. Foi aí que as coisas desandaram.
“Ajuste o carrinho de escota”, me dizia Sailaway. A algumas horas de jogo e eu não tinha a menor ideia do que era um carrinho de escota. Não era para comer e era para me salvar daquela situação tenebrosa, disso eu tinha certeza.
Após clicar que nem um desesperado (e assistir alguns vídeos no Youtube), descobri que era a peça que ajuda a aplainar a vela. Ok, um problema a menos, agora tudo o que eu precisava era apontar a proa contra o vento, levantar a genoa, aplainá-la e ajustar a.…pera, que nome é esse? Adriça? Eu não sei o que é isso.
Mais quinze minutos de vídeos, explicações náuticas, puxa e repuxa de cordas. Pronto, o barco estava novinho e ganhava velocidade. Uma pequena vitória diante da viagem que tinha, no mínimo, mais vinte horas pela frente.
Antes de fechar pela noite e fazer outra coisa, aproveitei para conversar com as dez pessoas online e pedir algumas dicas. Não que o tutorial seja ruim, só deixa coisas demais abertas para a interpretação. Alguns ali pareciam ter um grande histórico de velejar — ou assistir muito mais horas de vídeos no Youtube do que eu — enquanto outros estavam ainda mais perdidos.
Não sei se foi sorte ou a comunidade de simuladores de veleiros, algo que até Sailaway era quase inexistente, é o grupo mais amigável que já vi nos últimos anos. As conversas saíram de como ajustar as velas para o clima da região de cada um, pequenas anedotas sobre o cotidiano, etc.
No dia seguinte lá estava eu de volta, mexi nas velas, conversei mais um pouco, comecei a notar rostos familiares. Lentamente ajustava o leme enquanto deixava alguma música rolar no fundo. Nujabes foi a escolha do momento.
Sailaway virou algo do cotidiano, como abrir os portais de notícia, checar o email e preparar o café pela manhã. Silenciosamente fazia as minhas jornadas entre textos, playlists de serviços de streaming de áudio ou quando eu só queria ficar quieto no meu canto.
Certamente o que ajuda, e muito, são todas as ações serem feitas diretamente no veleiro em si do que por meio de atalhos. A testa da vela estava tensionada? Hora de achar qual das cordas a regulava. Uma sensação de controle maior do que apertar um botão do teclado.
Diferente de Euro Truck Simulator 2, onde mencionei a inserção de significado dos não-lugares, Sailaway torna o mar algo atrativo, uma escapada inusitada da vida corrida de qualquer pessoa. Ele não me impõe objetivos e também não pede que eu interaja com alguém caso não queira. Ou posso velejar com outro jogador graças ao coop. Certamente teria me ajudado nas outras vezes que fiquei “in irons”.
A desenvolvedora The Irregular Corporation promete mais eventos no futuro, como corridas de veleiros, mais nas funcionalidades, novas câmeras e melhorias visuais nas áreas em Terra — que no momento são apenas montanhas borradas.
Não é à toa que eu gasto horas discursando sobre simuladores. Dificilmente encontro em outros gêneros experiências como descobrir como funciona um avião, transportar cargas pela Europa e agora aprender a manejar um barco. Sei que nenhuma dessas noções vão se traduzir para alguma utilidade no mundo real.
Mas, por enquanto, fico feliz com o meu veleiro. Não sou o melhor, muito menos o mais experiente. Levo o aprendizado no meu ritmo. Descubro como levantar ou baixar as velas na tentativa e erro, e quando tudo se encaixa, aproveito para refletir sobre a vida.
Afinal, que vida não é cheia de altos e baixos, não é mesmo? Que antes aprenda algo importante nos momentos ruins e nos bons do que deixar ela me levar sem rumo. Que eu tenha a perspicácia em ajustá-las da mesma forma que faço em Sailaway, jamais contra o vento.