Desde o anúncio da campanha no Fig, tratei de manter sob controle as minhas expectativas em relação a Pillars of Eternity 2: Deadfire. Sequências me assustam, ainda mais aquelas de um dos meus RPGs que estabeleci como um clássico e do qual guardo ótimas memórias. Vinte horas de beta depois e saio muito contente com o que vi.
[Ei, quer saber o que achamos da versão final de Pillars of Eternity 2? Nossa análise está no ar!]
Pillars of Eternity 2 é ambientado pouco depois dos eventos do primeiro game, onde a divindade Eothas ressurge e ameaça destruir o mundo. Esta busca levará ao jogador para o arquipélago de Deadfire, ao sul de Drywood. O beta que testei não tinha muito em termos de história; duas quests principais te levam para dungeons, e uma quest secundária oferece a tradicional multiplicidade de escolhas pela qual a Obsidian é famosa. Portanto, prefiro não comentar o resultado das quests e me focar nos nuances das mecânicas.
Após criar meu primeiro personagem, um Monk, fui transportado para Tikawara, uma das cidades localizadas em Deadfire, e cheguei no meio de uma crise entre os nativos da região e estrangeiros. Carentes de alimentos, os nativos acusavam os mercadores de terem trazido pragas e maus agouros para suas águas desde que uma expedição foi investigar as ruínas de Poko Kohara. Tratei então de pegar meu barco – uma das novidades da sequência – e checar o que exatamente havia acontecido.
Pillars of Eternity 2 ainda é deliciosamente inspirado na Infinity Engine (engine de Baldur’s Gate II, Icewind Dale, Planescape Torment), e isso é bem visível nos menus, na interação dos personagens com o cenário, e – em parte – no combate em tempo real. Juntamente com isso a Obsidian é capaz de refinar mais uma vez a fórmula e acabar com alguns de muitos dos meus problemas com ela.
Uma das minhas birras desde que me conheço como gente e adorador de RPGs é o quão punitivo alguns deles podem ser quando você não aloca atributos ou habilidades passivas da maneira que o jogo quer. Decidiu se especializar em lockpick, e agora tem um Thief na sua equipe – tornando a sua decisão inútil? Esses tempos foram embora. Pillars of Eternity 2 usa um sistema de “pools”, ou seja, todos os personagens de uma party contribuem para o valor total de uma habilidade passiva.
Uma das portas da Dungeon do beta requeria um total de 7 mechanics – atributo que o game usa para calcular as chances de destravar armadilhas ou abrir portas. Meu protagonista possuía somente dois pontos; entretanto, o Thief que estava na minha party tinha os cinco pontos restantes. Ta-da, a porta foi aberta e, dentro da sala, encontrei um baú com ótimo loot.
O sistema não se restringe apenas a interações com o cenário, mas também influencia os diálogos. Outros membros da Party colaboram para “destravar” novas opções de falas – como conhecimento da região ou da história de um povo. Sei que muitos irão “torcer o nariz” para essa adição, ainda mais quando levo em conta que muitos preferem fazer “roleplay” do personagem principal, e, diferentemente de um jogo como Icewind Dale, não há como montar uma party completa. Todavia, é uma adição que gera variedade e, acima de tudo, a opção de experimentação.
Experimentação é um dos temas mais fortes trazidos por Pillars of Eternity. Se por um lado o jogo quer se manter ao estilo da Infinity Engine, por outro também começa a trilhar o seu próprio caminho. Assim, quebra alguns paradigmas que muitas vezes considerei chatos, como a inclusão de usar habilidades ou magias “per-rest” (que só podem ser utilizadas após a party descansar) mais de uma vez, substituindo a abordagem clássica pelo sistema de Empower e Power Sources.
Cada classe tem uma Power Source que define quantas habilidades ou magias elas podem utilizar pelo combate, e que não só são automaticamente restauradas no final de cada batalha, como atuam separadamente de habilidades “per rest” – que só são restauradas quando a party descansa. Personagens de uma classe só recebem um Power Level (que dá acesso a novas habilidades) a cada dois níveis, enquanto multiclasses ganham um Power Level para cada uma das classes escolhidas a cada três níveis.
O sistema tem lá os seus pontos negativos, como personagens de multiclass não tendo acesso a habilidades de nível 8 ou 9 por conta da diferença de níveis recebidos de power levels. Mas isso não quer dizer que elas sejam fracas. Minha capacidade em criar multiclasses não é lá das melhores, entretanto o fórum do beta demonstra opções que basicamente “quebram” o jogo de tão potentes.
Como mencionei, a beleza dos Power Sources de Pillars of Eternity 2 não se limita à evolução dos personagens, mas inclui também o Empower. Esta habilidade que pode ser utilizada durante a batalha dá aos personagens maior eficácia de magias, ou restaura tanto power sources que foram gastos como as habilidades “per rest”. Por exemplo, aplicar o Empower em um Wizard que não tenha gastado nenhuma magia duplicará a quantidade de projéteis de um Magic Missile – assim elevando a chance de acerto ou o dano que ele causa no inimigo. Outras magias podem ter a sua duração elevada, ou sofrerem mudanças na área que afetam (como uma nuvem de veneno, por exemplo).
Ficou assustado ou com um nó na cabeça? Não se preocupe; tenho a convicção que os nuances dos Power Levels e do Empower serão mais usados em dificuldades altas e, por incrível que pareça, o combate dele é muito mais amigável a novatos do que seu antecessor. Isso vem tanto de pequenos ajustes como na maneira como o novo sistema de IA funciona.
Declarei na minha análise de White March Part 1 o combate de Pillars of Eternity como “caótico”; um número alto de inimigos na tela e a falta de atenção pela prevalência de táticas ao invés da força bruta deixaram um gosto amargo na minha boca. Pelo visto a Obsidian fez a lição de casa e agora o combate em si está muito mais “inteligente”.
Foram-se embora as áreas onde dez ou quinze inimigos te esperavam em uma sala e não era possível flanquear ou fazer manobras táticas avançadas. Magias agora podem ser usadas com menor receio de “fogo amigo”; as penalidades de disengagement – ato de “fugir” da área de ataque de um inimigo – foram reduzidas, pequenos toques que me fizeram olhar e pensar “Olha só, eu estou me divertindo mais do que me irritando!”.
Destaco um dos encounters finais do beta, em uma dungeon cuja fantástica arte parecia ligeiramente inspirada pela cultura egípcia e havaiana (por mais que isso possa soar estranho, funciona em Pillars of Eternity 2, acredite). Adentrei em uma sala confiante demais e vi um corpo de um sacerdote mumificado, algo já me parecia estranho, mas segui em frente. Ao inspecioná-lo, fui surpreendido por um grupo de guardas sendo ativados ao meu redor; recuei para a sala central, que me daria mais espaço para movimentar meus personagens. Sequer me passou pela cabeça que possíveis armadilhas, antes não presentes na área, também haviam sido ativadas. A surpresa veio com o meu bardo gravemente ferido no chão.
Sem cura, tive de improvisar. Coloquei o meu Fighter para atuar como o “tank” e absorver o máximo de dano possível de todos os inimigos e tentei fazer com que ficassem afunilados, o que facilitaria o uso de magias. Minha wizard fazia de tudo para deixar os oponentes atordoados ou com baixa precisão nos ataques. O desespero foi tanto que gastei todos os meus pontos de Empower para garantir que as magias não acabassem. Enquanto isso, meu Monk e meu Thief faziam o trabalho pesado em causar dano. Depois de minutos e de muito nervosismo, a batalha terminou. Controlei a área de maneira correta, soube afunilar os inimigos, me certifiquei de que a zona de combate estivesse sempre ao meu favor e soube usar o Empower com o timing certo. Teria essa batalha sido muito mais estressante no primeiro Pillars of Eternity? Sem dúvida, mas não foi em grande parte pelo incrível, maravilhoso, insira aqui o adjetivo que você quiser, sistema de gerenciamento de IA.
Comparável ao sistema de Gambits de Final Fantasy XII, a Obsidian jogou praticamente tudo do terrível sistema que havia criado originalmente para Pillars of Eternity e agora deixa você ajustar praticamente tudo. Ele permite por exemplo, que a IA automaticamente aplique uma magia de cura em um personagem que esteja envenenado, criar uma exceção dentro dessa regra para que ela interrompa a magia de cura para se focar em uma unidade com vida baixa e usar magias de dano.
Não sou capaz de descrever o quão insano é o grau de personalização do sistema. Para você ter uma noção, ajustei por duas horas como o meu bardo e a minha maga deviam agir em combate. Criava exceções para a porcentagem de dano ou de vida de cada personagem, classe, ou situações adicionais como “meu inimigo está atordoado?” ou “Ele está com 50% de pontos de vida e com baixa precisão de ataque? Se sim, usar magia X”. Para aqueles que não tem paciência para tal tarefa, a Obsidian oferece árvores de comportamento pré-definidas.
A única área de Pillars of Eternity 2 que realmente me preocupa é o combate de barcos. Interessante em conceito, o beta demonstra uma grande discrepância de tudo que reconhecemos como a “cara” da série. Grande parte dele se desenrola em menus, algo como um livro de histórias interativo – usado anteriormente para eventos específicos.
Sistema de turnos entra no lugar de batalhas em tempo real e, ainda que eu goste da ideia de “personalizar o barco”, soa cru e mal implementado. Grande parte das minhas batalhas se resumiam a clicar em um bando de opções e ouvir barulhos de canhões. Não teria nada de errado se houvesse um maior retorno visual, algo que me colocasse mais “dentro” da batalha. Do jeito que está, entretanto, bastaram algumas batalhas para que eu já não tivesse muita vontade de interagir mais com o sistema. “É, isto ainda é um beta, ainda há muito a ser trabalhado”, disse.
Reservarei, obviamente, minhas opiniões finais para quando Pillars of Eternity 2 for lançado em abril, mas não há como negar que tudo que vi até então é muito positivo, muito mais do que imaginava. Mudanças que tanto desejava foram implementadas, e o resultado é um RPG que não sacrifica profundidade, mas consegue ao mesmo tempo ter as ferramentas para abraçar quem não é tão acostumado com o gênero, e o novo cenário traz um ar de “frescor” à franquia. Mais um clássico? Quem sabe…