“Então… este é um jogo de Tower Defense”. Ah, que frase mortal para mim. Já estou enjoado do gênero e das diferentes interpretações dele há anos. “Mas com elementos de Carcassonne”. Pera, o que? Como isso vai funcionar? É por isso, caros leitores, que eu me encontro não só escrevendo este artigo, como com as mãos coçando para a minha próxima partida de “ORX” (Steam).
Do desenvolvedor johnbell, “ORX”, que está atualmente em acesso antecipado via Steam, fala a minha linguagem. Ele atua como uma antítese para todos os jogos de Tower Defense disponíveis por aí. A saber, aqueles que sempre trilham o mesmo caminho — prepare suas torres, saiba onde posicioná-las e espere a horda de inimigos. Quando não trilham esse caminho criam subgêneros como “They are Billions”, e para a minha surpresa já existem muito mais do que eu imaginava. Ao mesmo tempo, ORX poderia não ter nascido se não fosse por essa estagnação. Para isto, basta olhar a sua estrutura.
Na superfície há um jogo onde — de forma similar a Carcassonne — você tem que colocar e conectar tiles de terra batida para que elas se transformem em estradas de ladrilho e gerem dinheiro quando unificadas com um castelo ou uma fazenda. Só que, ao invés do estilo tradicional de Carcassonne, esses tiles atuam como cartas e podem ser melhorados com novos atributos.
Os castelos viram as torres de defesa que podem receber melhorias como torres de veneno, runas poderosas, ou virarem monstruosidades interconectadas com bibliotecas e outros prédios internos que geram ainda mais dinheiro. Grupos militares podem ser usados como “chokepoints”, novas cartas são desbloqueadas a cada “run” — já que “ORX” não abre mão de uma metaprogressão que evolui na mesma velocidade que as suas habilidades, ao menos em uma das duas facções que estão atualmente presentes na versão de “Early Access”.
Se você é minimamente íntimo com a esfera de estratégia, pode ver muito bem as variadas fontes de onde “ORX” bebeu: a ascensão de jogos com mecânicas de cartas, a explosão dos roguelites / games com metaprogressão, o ressurgimento do próprio Tower Defense como um gênero depois de anos preso em um limbo onde os “grandes” dominavam o mercado mobile e os de PC lutavam — e lutam — por migalhas. Ainda assim, johnbell consegue criar algo singular.
As duas facções — Rune Wardens e Dune Reavers — funcionam de maneiras distintas. Os Rune Wardens atuam como uma introdução para as principais mecânicas de “ORX”, com castelos que são fáceis de serem construídos, um modelo de geração de renda simples — com fazendas e castelos especiais — e tropas fixas. Não quer dizer, entretanto, que eles são “fáceis” de aprender.
Assumo que eu não sou um bom jogador de “Carcassonne”, então começar a jogar “ORX” me deixou um pouco perdido; mas, como os Rune Wardens são a “facção introdutória”, eu achei que ia me dar bem. Uma pena não ter tirado foto do desastre que foi a minha primeira partida, de tanto castelo que construí errado por não ter prestado atenção. Tristeza para mim, felicidade para os Orcs, que fizeram a festa destruindo construções inacabadas e matando soldados como se eles fossem inúteis.
Depois do murro que eu tomei, comecei a prestar mais atenção no que “ORX” tinha para me falar. Entender como construir castelos, por exemplo, é só parte da solução de um problema. Os próprios Orcs têm as suas cartas, que são usadas no começo de cada mapa. Em alguns mapas o número deles era maior, mas demoravam mais tempo para chegar; em outros eles vinham com o dobro da velocidade de ataque.
Olhava para as cartas que eu tinha em mão, retornava meu olhar para o mapa, olhava outra vez para as cartas na minha mão. “Como eu vou sobreviver a essa onda?”.
Essa é a pergunta crucial que “ORX” faz, e uma que eu não ouço há muitíssimo tempo em qualquer Tower Defense. Construir mais castelos? Ótimo, mas como eu vou manter a minha geração de renda? Eu terei tempo de construir mais estradas? E se eu ficar sem fazendas na minha mão? Será que eu apliquei as runas nos castelos certos? Todas as respostas eram dadas para mim a conta gotas, até que eu saísse derrotado ou vitorioso de um embate.
Eu gosto de dizer que jogos de Tower Defense almejam te apresentar 2 ou 3 tipos de problemas: Onde posicionar suas torres, como e quando melhorá-las. “ORX” me coloca problema “A”, “B”, “C”, “D”, “F”, “G”, “H” até não sobrar letra no alfabeto. Cada vez que eu imaginava ter saciado a besta, lá vinha o jogo com um truque na manga — uma nova carta para os Orcs que me fazia reavaliar as minhas táticas, ou uma variante no mapa que aumentava ou diminuía o uso de certas habilidades.
Por sorte, o jogo é bem maleável em relação a sua dificuldade. É possível interromper a partida mesmo durante um ataque para colocar novos tiles ou aplicar novas habilidades, e todas as informações cruciais estão a todo tempo na tela — embora eu recomende uma lida no codex para aprender mais sobre o funcionamento das cartas dos Orcs.
Agora, imagine a minha surpresa e desespero quando eu decidi jogar com os Dune Reavers e ver que as suas mecânicas eram tão diferentes que eu até pensei que eu sem querer iniciei o jogo errado?
Dinheiro rápido? Nada disso; os Dune Reavers usam caravanas que só são ativadas quando você constrói uma estrada completa e conectada a um bazar. Tropas militares são mais prevalentes do que torres. Os mapas tomam outra dimensão com atributos ainda mais desvantajosos para mim — como a vez em que eu peguei um mapa com custo adicional para todas as cartas e a carta mais barata na minha mão custava 5 peças de ouro.
Franzia a testa, fazia caras e bocas, fechava os olhos e passava a mão no cabelo enquanto a frase “Como você quer que eu ganhe essa partida?!” ecoava mais e mais alto. Nesta altura não tinha tanto tutorial segurando a minha mão; era hora de descobrir se eu ia me adaptar a “ORX” na base do ferro e fogo.
Apanhei, apanhei e apanhei mais, até conseguir uma mísera vitória com os Dune Reavers. Chame-me de masoquista, mas esse foi o ponto onde “ORX” clicou de vez comigo e eu instintivamente iniciei outra partida. E depois outra, e mais outra.
Ganhava, perdia, liberava novas cartas, ficava apavorado com as cartas que os Orcs jogavam na mesa. O melhor de tudo: em momento algum eu senti que fazia isso para alcançar algum objetivo bizarro como ter todas as cartas liberadas, ou achar que a metaprogressão ia me dar uma ajudinha. Fiz pois estava instigado a querer resolver um problema, a aprender uma nova tática, para mostrar a mim mesmo que eu estava dominando os sistemas do jogo.
O último ponto ainda está muito longe de se tornar uma realidade. Mesmo que a minha mão coce para outra partida de “ORX”, estou ciente de que o jogo ainda vai me pegar com uma nova tática ou uma “surpresinha” desagradável dos milhares de modificadores. O que eu vou fazer? Provavelmente pegar as minhas lágrimas e transformá-las em motivação para vencer minhas batalhas.
A versão final de “ORX” deve dar as caras em 2023, mas até lá duas grandes atualizações com novas cartas, eventos, artefatos — além de novas dificuldades e desafios específicos — serão lançadas ainda este ano.
Estou igualmente entusiasmado para ver o que johnbell tem a acrescentar no jogo — e no gênero como um todo — e com um tanto de medo de ver o que vai ser “ORX” na sua plenitude. Novas facções, mais mapas, novos modos de jogo? Como eu vou lidar com tudo isso?
Levando em conta que eu não planejo parar tão cedo de jogar a versão de acesso antecipado, é bom eu separar uma parte do meu caderno de anotações para pensar em novas táticas e em como derrotar esses malditos orcs. Quem diria que um dia eu iria fazer isso para um jogo de Tower Defense.
Bom, não é bem um jogo de Tower defense, certo? A verdade é que “ORX” é especial, singular e fantástico. Uma excelente demonstração de que a junção de mecânicas que são ou foram “tendência” não necessariamente resulta em algo negativo; basta entender até que ponto usá-las. E isso johnbell já me provou saber fazer muito bem.