Chegamos na altura de “jogos de gerenciamento pós-apocalípticos” em que às vezes me dá a vontade de falar “Se você jogou um, jogou todos”. “Endzone”, “Surviving the Aftermath”, “Floodlands”. A mesa premissa de construir uma comunidade e tentar sobreviver com os recursos disponíveis no mapa. “New Cycle” (Steam) da Core Engage não é tão diferente, mas ao invés de olhar para tais jogos, olha para “Frostpunk” e “Anno” como inspiração. Só isso já bastou para colocá-lo em meu radar.
A versão disponível no momento em acesso antecipado começa com um “prelúdio” similar aos outros jogos que citei. “Oh não, a civilização entrou em colapso após um evento solar, o que faremos?” e olha para o jogador esperando alguma resposta dele. “Mãos à obra”, eu disse a mim mesmo.
O loop inicial é bem similar aos jogos que citei acima. Eu estabeleci um centro da cidade, construções simples para moradores, pontos de coleta de alimentos e matérias-primas, água e os primeiros sistemas de manufatura. Madeira virava tábuas, pedras viravam construções, cogumelos se transformavam em alimentos para a população.
Não tardou para “New Cycle” começar a mostrar o seu interesse de se desprender dos estereótipos tradicionais do subgênero. Bastou chegar na estação de inverno que a saúde da minha população decaiu consideravelmente.
“Pera, não está um pouco cedo demais para isso?”, refleti. Para “New Cycle”, não.
Idade, local de trabalho, distância até o local de trabalho, tipo de vestimenta, qualidade da vestimenta; todos e outros fatores são significantes para definir a saúde de uma das dezenas, ou centenas — se você sobreviver até lá — de habitantes. Uma mudança nesse equilíbrio faz a diferença entre ter uma colônia prosperante para o completo caos. E isso só é a ponta do iceberg.
Uma das grandes promessas da desenvolvedora é o foco em logística, e a versão inicial de “New Cycle” entrega em quantidade. Diferentes tipos de receitas para a produção de tipos de bens são impactados por fatores externos, um delicioso quadro de produção mostra a diferença entre consumo e produção diária para que você consiga delegar prioridades sem ter que ficar clicando em todos os edifícios. A variedade de matérias-primas e produtos já está na medida certa para ser desafiador, mas não sufocante.
Outro ponto que me “New Cycle” vai além dos seus “concorrentes” é no sistema de classes sociais. Ao invés de apenas “subir de nível” como em Anno, você deve enviar os seus habitantes para receber a educação necessária para se especializarem em certos tipos de atividades. No momento o jogo possui três classes sociais: Trabalhadores, especialistas e aristrocratas. Cada uma, claro, com a sua necessidade e demandas específicas.
Eu acho o sistema genial, não só para dar mais controle para o jogador em quando evoluir — algo que já existia na franquia Anno — mas para colocar uma etapa necessária de matéria-prima extra para você levar em consideração se especializar vários habitantes vale a pena no momento ou não.
Depois que eu sofri o baque do problema de saúde, fui lentamente melhorando os meus habitantes. Especialistas tomam não só mais espaço, como requerem outros tipos de moradia e também optam por vias diferentes dos trabalhadores. Eu me encantei nesses pequenos detalhes que a Core Engage colocou em “New Cycle”. Mal eu sabia que esse era só o começo.
Como o nome do jogo, a evolução da sua cidade ocorre em “ciclos”. Cada ciclo é obtido liberado pela quantidade de habitantes e o quanto de “conhecimento” eles obtêm. Outras formas de obtenção, como enviar equipes de reconhecimento para o mapa-múndi também são viáveis, mas secundárias. Quanto melhor a instrução, maior a produção de conhecimento.
Foi quando cheguei no sexto ciclo, o que o jogo considera algo como “late-game” que a explosão de logística aconteceu. Automação! Linhas de produção que cruzavam a cidade, sistemas de entrega de metais médios e pesados, vigas passavam por cima de casas, residências eram erguidas com facilidade. Minha cidade estava prosperando.
Não tinha como não conter a minha felicidade. Finalmente um jogo que une dois dos meus aspectos de gerenciamento favoritos. Até então apenas “Captain of Industry” tinha chegado perto, e mesmo com sua complexidade toda em sistema de terreno, “New Cycle” mostrava um novo caminho para mim.
Eu não espero um “Factorio” de “New Cycle”, e a Core Engage também não planeja isso, mas o que está presente na versão de acesso antecipado funciona, e funciona bem. Conecte dois pontos, veja a matéria-prima entrar, o produto final sair e depois ser levado para o estoque. Ah, que satisfatório, como é gostoso ver a sua cidade prosperando, não é mesmo?
Mas, como toda cidade que prospera rápido demais, assim começaram a aparecer os problemas. Uma onda de inverno mais severa cortou metade da minha produção de alimentos. O estoque? Tomada à força por um outro evento que não vou entrar em detalhes por motivos de spoiler, mas se você avistar outros humanos, tome bastante cuidado. A porção de alimentos providos diariamente teve que ser reduzida pela metade. Estava no mínimo para me manter vivo.
Não demorou muito para que facções inimigas ou separatistas aparecessem. “Nos dê mais comida, nos dê eletricidade, nos dê conforto. Nos dê o que nós perdemos e lutamos tanto para nos reerguer.” Não importava o que eu falasse para eles, eu sabia que não tinha como manter a palavra. A minha única esperança, a minha única sorte era que os mantimentos, o pouco de comida que restava e o restante das matérias-primas fossem produzidas para reparar uma das minhas bombas d’água que foi atingido por um raio. Sem eles, ficaríamos sem água antes mesmo da nova estação.
Pouco a pouco os habitantes foram embora, entraram em protesto, queimaram casas. A cidade próspera, a cidade que foi construída do zero com um esforço descomunal, horas de jogo transformadas em cinzas. Um erro fatal da minha parte em não calcular corretamente a entrega de produtos e o consumo dos mesmos. Dessa vez não posso sequer culpar “New Cycle” por não apresentar as informações corretas. Elas estavam lá, eu apenas não quis olhar da forma correta ou prestar uma maior atenção.
Todavia, a palavra-chave de “New Cycle” no momento é quantidade e não qualidade. Para um jogo em acesso antecipado, o esforço da Core Engage em prover a fundação base é, no mínimo, fantástica. Os sistemas rudimentares que o jogo necessita para funcionar e expandir já estão implementados. Isso inclui, mas não está limitado a: uma extensa árvore de pesquisa, sistema férreo para transporte de bens entre regiões, sistema de decisões e leis. É a interligação desses sistemas que ainda precisa ser muito, muitíssimo trabalhada.
Vide o comentário que disse acima sobre o sistema de saúde. O jogo, ao invés de considerar que eu tinha acabado de liberar o sistema de roupas na terceira categoria, imediatamente criticou o fato de que eu não tinha produzido roupas suficientes até mesmo para a classe mais básica de “New Cycle”. Como poderia? Sequer tinha acesso a edificação que produzia os bens básicos.
O mesmo vale para o sistema de pesquisa, ele no momento é funcional, mas desnecessariamente confuso e pouco interligado. Por que você precisa liberar energia para após isso ter acesso a vidro? Até onde me consta, a humanidade viveu muitíssimos anos sem acesso a eletricidade e vidro — embora não seja uma comodidade como hoje em dia — nunca foi uma foi dificuldade.
Entendo muito bem que algumas condições ou tecnologias estão bloqueadas por motivos de progressão e para situar o jogador melhor nas diferentes linhas de produção. Ainda assim, sinto que há uma camada extra de polimento que precisa ser feita para que a expansão da sua cidade — especialmente se levar em conta novatos — flua de forma mais natural.
Outro problema que é impossível de não mencionar é o sistema de construção de ruas. A Core Engage é ambiciosa em optar por deixar você criar de forma “livre” dezenas de ruas, mas algumas construções não estão funcionando corretamente ou, algumas vezes, não se conectam às ruas já que elas ainda usam um sistema antiquado de “quadrados” e “zonas”. Ainda não sei se a desenvolvedora irá fazer com que todas as construções funcionem assim — o que seria um imenso feito considerando que o late game de “New Cycle” usa um extenso sistema de automação, ou manterá o que faz atualmente.
Em grande escala, esses problemas parecem ser minúsculos, e se for para ser bem honesto, são. Eu já vi jogos de sobrevivência e gerenciamento serem lançados com um terço do conteúdo e sem as “inovações” que “New Cycle” oferece. Ele pode unir vários designs dentro de um só guarda-chuva (trocar a porra dessa palavra inferno caralho eu só quero finalizar esse texto hoje), mas considerando que ele ainda terá vários cenários endgame, mais facções, eventos e diferentes tipos de biomas. Se isso é o acesso antecipado, eu não quero nem ver a versão final. Opa, pera aí, quero ver sim pois essa é uma das minhas grandes apostas para 2024.
A jornada de “New Cycle” ainda vai ser longa, tal como a minha nele, mas o acompanharei. Como é bom começar o ano com um bom construtor de cidades.