Em pleno 2023, eu estou jogando um Autobattler. O que está acontecendo? Eu voltei no tempo? Estou presenciando o renascimento de um subgênero que por anos foi dado por mim como morto? Nada disso, é a magia de “Mechabellum” (Steam), da Game River, que me conquistou assim que eu comecei a jogá-lo.
Na superfície, “Mechabellum” é só “mais um” autobattler. Coloque as unidades em campo, escolha o melhor posicionamento delas, elimine as tropas do oponente e saia o vencedor da partida. Até aí, vendo os trailers de anúncio e de jogabilidade, eu estava certo, mas bastou uma ou duas partidas para notar que a complexidade de “Mechabellum” vai muito, mas muito além de um mero posicionamento.
A Game River está abraçando um nicho extremamente específico com “Mechabellum”, este sendo “pessoas que jogam partidas atrás de partidas, assistem replays e tentam entender a melhor estratégia para contra-atacar ou fazer com que as suas tropas sejam o mais eficaz possível no campo de batalha”. Ou seja, a comunidade competitiva que não tem medo de se jogar no matchmaking ou em lobbies e compartilhar ideias, seja no chat global ou no discord do game.
Em outra época eu teria torcido o nariz para “Mechabellum” e falado: “Jogo competitivo? Eu não tenho tempo para isso. Só de pensar na absurda barreira de aprendizado eu já me sinto exausto”. Parte disso ainda é verdade; o jogo já tem algumas estratégias arroz com feijão para lidar com os mais diferentes tipos de avanços inimigos, mas ao mesmo tempo a Game River oferece ferramentas muitíssimo atraentes para suavizar a curva de aprendizado.
A primeira delas é, obviamente, o glorioso tutorial, que já te coloca em uma panela fervendo, mas fala “calma, está quente mas vamos te ajudar a esfriá-la”. De pouco em pouco a Game River começa a explicar os conceitos básicos do game e a estrutura de como ele funciona por partida. Queria poder demonstrar o quanto meus olhinhos brilhavam à medida que novas mecânicas eram apresentadas.
O início de cada partida te dá um “deck” inicial com um “comandante” que se sobressai em uma das várias áreas do game. Algumas partidas podem te dar a chance de se focar em ataques aéreos, outras permitirem escolher um comandante que garante bônus para robôs gigantes. A partir daí você tem a opção de montar o seu exército como bem entender, seja aproveitando os bônus ou — se a partida não permitir — seguindo um caminho completamente diferente.
Mas o que me fez pular de “o tutorial é interessante e quem sabe eu vou jogar uma partida ou outra online e me limitar ao modo single player” para “vou jogar o multiplayer agora” são as unidades.
Inicialmente eu as vi como limitadas em escopo. Você tem os seus tradicionais tanques pesados, veículos para todo tipo de terreno, aeronaves e robôs gigantes. O que você faz com elas no campo de batalha é onde está o tempero especial de “Mechabellum”.
Cada unidade tem uma linha de habilidades passivas que é liberada pelo uso de suprimentos, dados no início de cada round. Além disso, o sistema de progressão de “Mechabellum” — que, de acordo com a Game River, demora cerca de 20h para ser completado — libera ainda mais habilidades passivas para as unidades.
“Então é só liberar as habilidades passivas, escolher as melhores para a situação e sair vencendo, Lucas?”. Claro que não, a Game River vem com outra carta na manga que são habilidades especiais e equipamentos raros. Tais habilidades e equipamentos são semi-aleatórios, com mais tipos vindo durante o período de acesso antecipado, e podem mudar drasticamente o rumo de uma partida.
Em uma das minhas já centenas de partidas que fiz no multiplayer, eu estava sofrendo com o avanço de unidades “anti-veículos”. Meu oponente trucidava meus tanques antes mesmo deles cruzarem a fronteira. Eis que no quinto turno eu recebi um equipamento especial que aumentava o dano e o alcance em 75%. O coloquei em meus tanques e liberei a habilidade passiva que fazia com que eles dividissem o dano recebido entre eles. Resultado? As unidades anti-veículos se tornaram inúteis e tomei o flanco esquerdo do mapa.
Até me assusta escrever o termo “multiplayer” sob um ponto de vista competitivo. Embora eu tenha alguns jogos aqui e acolá como “Insurgency: Sandstorm”, “Chivalry 2” ou partidas ocasionais de “Age of Empires II” com amigos, meu espírito competitivo mudou ao longo dos anos para batalhar em tabelas de liderança. Meu receio de entrar em mais uma partida com uma equipe que só sabia se xingar ou, mais recentemente, lidar com os problemas de balanceamento de “Company of Heroes 3”, me desanima.
A incrível tensão e cabo de guerra que “Mechabellum” gera em mim é revigorante. Até agora não esbarrei com jogadores mal-educados (o fato de que o jogo é 1vs1 ou 2vs2 ajuda) e o sistema de lobbies — fazendo com que matchmaking seja opcional — é excelente.
Por anos critiquei a presença de um sistema obrigatório de matchmaking ao invés de lobbies, e a natureza de “Mechabellum” me dá um tiquinho de esperança de que esse estilo ainda não morreu. Até me arrisquei em entrar em um lobby de partidas para 2 jogadores contra a IA. Meu companheiro de equipe até me ajudou a compreender melhor as mecânicas avançadas e como prevenir algumas das estratégias mais usadas pela comunidade nos rounds iniciais.
Você sempre pode optar por não falar com ninguém durante a partida e “Mechabellum” oferece todas as ferramentas para bloquear qualquer tipo de comunicação com outros jogadores até dentro de partidas. No meu caso, mantive todas abertas e apenas respondia com o clássico “gg” vencendo ou perdendo a partida.
Dado a natureza online do jogo, a Game River ainda não anunciou planos para mais conteúdo “single-player”, apenas mais mapas e melhorias na IA. Para aqueles que buscam algum tipo de autobattler com mecânicas relativamente complexas, minha recomendação é “Hadean Tactics”.
Eu não me importo muito se as adições que a Game River trouxer para “Mechabellum” continuarem a expandir na complexidade, no balanceamento e em formas diferentes de interagir com as unidades. Como disse, faz um bom tempo que eu não me sinto tão investido em um jogo online como “Mechabellum”.
Talvez essa seja a real magia dos autobattlers. Posso finalizar esse texto, jogar uma partidinha antes de comer algo, outra partidinha antes de dormir. Entediado? Mais uma jogadinha de “Mechabellum”. Ele está virando parte da minha rotina e eu estou adorando. Salvo os replays para revisitar vitórias, analisar derrotas e anotar — e muito — possiveis táticas minhas.
É difícil não ver um futuro brilhante para “Mechabellum”. Ele tem todas as peças que tornam um autobattler intrigante para mim e ainda vai ficar um ano em acesso antecipado para mais polimento e conteúdo. Mas, na mesma moeda, eu tenho receio acerca de seu lançamento “oficial”.
A Game River já adiantou que, quando sair de acesso antecipado, “Mechabellum” será free-to-play — quiçá a única forma de manter um jogo desse estilo vivo. Se bem que, já que sua publisher é a Paradox Arc, eles podiam liberar uma verba extra para a manutenção dos servidores, ou evitar que o jogo caia na armadilha de vender centenas de itens cosméticos, aproveitar de FOMO (Fear of Missing Out) ou inserir um passe de batalha desnecessário.
Nada até então indica que isso venha de fato a acontecer, mas já vi jogos maravilhosos sendo destruídos por empresas gananciosas. Torço muito que não venha a acontecer com “Mechabellum”. Se acontecer, devo dizer que pelo menos o período “lua de mel” com ele está sendo maravilhoso. E, se você está em busca de um jogo que te deixe tão instigado a aprender novas táticas, não consigo pensar em um melhor para 2023.