Eu não consigo lidar com a ideia de que King’s Bounty vai ganhar uma sequência. Na minha cabeça eu imaginei que desde que a 1C obteve os direitos da série que inspirou Heroes of Might and Magic e vice versa, os jogos de meados dos anos 2000 eram as sequências. Depois de jogar horas de uma versão preview enviada para nós pela 1C, eu só consigo ver King’s Bounty II (Steam) como uma reimaginação da franquia.
A melhor maneira que posso descrever o processo pelo qual King’s Bounty II está passando é olhar para Spellforce 3. A franquia, originalmente de estratégia, passou por um baita tratamento pela Grimlore Games e agora dá ênfase para o lado RPG e unidades heróicas. Foi uma mudança fantástica, e isso tinha toda a chance de ser também o caso de King’s Bounty II se não fosse por um ponto chave: ele está dividido no que realmente quer ser.
A versão preview me deu acesso ao começo da campanha, onde posso escolher entre três arquétipos: um guerreiro, uma maga e uma paladina. Nada que diz respeito a eles me pareceu especial ou saltou aos olhos. Se a 1C tentou me impressionar com a narrativa sendo iniciada com meu protagonista dentro de uma prisão e minutos depois sendo solto para salvar o mundo de alguma calamidade, me desculpe, mas eu dei mesmo é uma bela de uma bocejada. Não me importo com estereótipos na maioria dos casos, mas estou cansado desse em particular. Quantas vezes estive em uma prisão, quantas vezes me pediram para salvar o mundo, quantas vezes eu vou repetir o processo?
As coisas não melhoraram quando, depois de eu sair da prisão, fui jogado em um dos mais maçantes tutoriais que tive o desprazer de jogar em um bom tempo. Vá até ali e pegue seu cavalo, vá ali e contrate unidades – até então os únicos exemplos de que algo do jogo original foi mantido. Pegue seu equipamento e vá encontrar algum personagem cujo nome já esqueci de tão genérico que ele é.
Eu admiro em parte a decisão da 1C de deixar para trás a visão top down em favor de uma em terceira pessoa — esta ao menos serve para dar grandeza ao mundo Antaria e ao continente Nostria, um elemento que até então era tratado como secundário na franquia. Ao menos em questão de estética e direção artística a 1C está de parabéns. É uma pena que isso venha acompanhado de ter que lidar com uma navegação lenta, uma narrativa que desde os minutos iniciais garantiu que ia se arrastar horrores, e sidequests que parecem tiradas de um MMO.
Antes que pensem que eu estou exagerando, a primeira sidequest com a qual me deparei foi a de um soldado ferido, que me pediu medicamentos. Onde eu arranjaria medicamentos em meio a uma cidade abandonada em um território tomado por uma nevasca? Derrotando inimigos, é claro! Mas nem todo inimigo iria deixar cair o item que eu necessitava, o que é não só um tipo de design datado como também uma desculpa esfarrapada para o meu personagem subir de nível – o que fui descobrir depois de algumas horas na quest principal, tendo decidido ignorar algumas sidequests; mais sobre isso em breve.
Em teoria as sidequests me dariam mais contexto para o que acontece em Nostria, e eu esperava que a forma como eu solucionasse elas traria algum impacto para a quest principal. Bem, a menos foi isso que a 1C tentou mostrar com todo um sistema de decisões, alinhamento e afins. Você pode ser mais autoritário, ter mais compaixão ou tomar um caminho totalmente diferente. A questão chave aqui é que o sistema, ao menos no que foi mostrado na versão de preview, é um tanto quanto binário, e a narrativa trazida pela sidequests não me empolgava. Afinal de contas, para eu sentir o impacto das minhas decisões, eu preciso me importar com elas, correto?
Pode ser que o recorte oferecido pela versão de preview não tenha dado espaço para que essas ações reverberassem propriamente; pode ser que elas só venham mais à tona ao avançar na campanha. Seja qual for a resposta, o meu empenho ao me engajar com esse sistema foi baixíssimo, tanto que esse foi o motivo de eu ter ignorado algumas sidequests.
Se tudo de ruim está no lado RPG de King’s Bounty II, tudo – ou quase tudo – de bom foi colocado no sistema de combate. Se a 1C tivesse me dito “olha, mudamos para uma visão em terceira pessoa para que o sistema de batalha ficasse mais interessante” eu teria comprado a ideia na hora, pois ele de fato ficou.
As gigantescas stacks de inimigos tão presentes no gênero foram embora em favor de batalhas que acontecem diretamente no território em que você está. Ainda que soe como uma mudança drástica, assim como no restante do jogo, é também beneficial. Isso significa que toda luta, independente de onde for, sempre terá modificadores ativados.
Eu já senti a diferença no meu primeiro combate tentando solucionar a sidequest citada acima. Os inimigos eram meros cães. Em outro King’s Bounty eu teria os despachado para outro plano existencial em minutos; em King’s Bounty II eu tive de parar, pensar no posicionamento das unidades, nos pontos de iniciativa de cada uma delas, e como os modificadores de terreno (neve) podiam me dar uma vantagem. O melhor ponto de referência que posso dar são as batalhas em jogos como Field of Glory II e Fantasy General 2. Levando em conta que são jogos que eu amo, eu não duvido que o sistema de King’s Bounty II – especialmente quando avançar na história – traga mais e mais modificadores para você ficar atento ao que se passa durante cada turno.
Pois, como também disse, não foi à toa que eu fui estraçalhado ao avançar na quest principal. Meu personagem estava com o nível baixo demais, havia perdido unidades importantes ao tentar completar uma sidequest, e também ignorei outras quests que teriam me dado tropas adicionais para ter um pouquinho mais de chance. Só para você ter uma ideia, todas as unidades do meu oponente – uma maga – tinham mais iniciativa que as minhas e mal tive tempo de respirar antes de ver minhas forças sendo esmigalhadas pelas tropas dela.
Por sorte, a maioria das batalhas não são aleatórias, mas sim muito bem delineadas no mapa e “protegidas” com uma barreira para você não entrar desavisado nelas. Bastou voltar um save, completar algumas sidequests a muito contragosto, comprar umas unidades extras de um dos vendedores (nunca vi alguém “vender” unidades, já que você tende a recrutá-las, vou assumir que esse é um pequeno erro de tradução), subir de nível e também saber quando e como usar as minhas magias.
Falando nelas, é um outro sistema que desperta sentimentos ambivalentes em relação a sua implementação. A 1C fez com que elas se tornassem mais escassas, por assim dizer – a maioria delas requer cristais de mana que são raros de encontrar – mas o poderio delas e a capacidade de alterar o rumo de uma batalha é muito maior, seja este rumo mudado por um golem, por um raio de luz, ou por um ataque em área massivo.
O problema retorna mais uma vez na maneira que você obtém esses cristais de mana. Se você pensou “sidequests?” você acertou em cheio. Prepare-se para aventurar pelo mundo de Nostria, aturar conversas com personagens pouco inspirados e missões ainda mais chatas para ter a chance de avançar na história principal. Claro que isso poderia ter sido contornado com uma chance de obter cristais de uma maneira mais direta – seja via recompensa de batalhas bem sucedidas até vendedores oferecendo esses cristais por valores altos.
Aliás, essa não seria uma questão interessante de se impor no jogador? O que é melhor: mais cristais de mana ou uma melhor composição de exército? Esse tipo de pergunta foi levantada por Fantasy General 2 e resultou em decisões muito mais impactantes para a história do que falar um NPC aleatório.
Como a esperança é a última que morre, eu torço para que tudo que eu vi de King’s Bounty II até então só tenha sido um recorte não muito bom da sequência. Com a previsão de lançamento em 21 de agosto, a 1C Entertaiment ainda tem muito tempo para refinar o sistema de combate, repensar o peso de algumas sidequests, e quem sabe até rever o custo de algumas unidades e magias.
A única certeza que eu tenho é que se você tem o menor interesse em King’s Bounty II, você vai ter de entrar com uma mente aberta para as mudanças propostas pela 1C Entertainment. Não consigo ver essa sequência como um jogo que vai agradar a todos os fãs da franquia, muito menos aqueles que tiveram o primeiro contato com ela nos meados de 2000.
Da minha parte, eu mantenho a minha curiosidade lá em cima só para ver aonde a história de Antaria, dos três protagonistas e Nostria serão levadas pela desenvolvedora. Na pior das hipóteses eu ao menos tenho o sistema de combate para me divertir. Isso é, quando eu não estiver passando desgosto nas sidequests.