“Todo jogo é como um longo cabo de guerra, se você não tem alguém do outro lado para puxar com força, ele perde o charme”. Esta é uma frase que já usei em alguns textos e foi relembrada tanto por um amigo quanto pelo meu tempo com a versão de acesso antecipado de GolfTopia (Steam).
Se todo jogo é um longo cabo de guerra, então jogos de gerenciamento precisam ser não só longos cabos de guerra, mas cabos de guerra onde a tensão seja constante. A maioria deles tende a perder esse charme na medida em que você progride. Em Anno 1800 você atinge um teto de “eficiência” e o sistema de logística chega ao seu limite, restando apenas conflitos armados. Banished, que devia ser sobre sobrevivência, já foi analisado pela comunidade ao ponto de se saber como e quando investir em recursos importantes. Não entro nem no mérito de falar de Cities: Skylines — que já critiquei aos montes no site — e a própria Paradox / Colossal Order o trata mais como uma ferramenta de design do que gerenciamento.
A Minmax pode não ser conhecida pelo seus jogos de gerenciamento; a última empreitada da desenvolvedora foi o desastroso Space Pirates and Zombies 2, que não chegou nem aos pés do seu antecessor. O que ela decidiu fazer? Pegar os melhores conceitos e aplicá-los em um jogo de golfe. E, sejamos sinceros, a ideia de gerenciar um campo de golfe chega a ser banal. A fórmula mais bem sucedida até então foi Sid Meier’s SimGolf de 1997 que, dentro dos limites da tecnologia da época, era bem competente mas caía nos problemas que descrevi sobre “eficiência” dentro de jogos de gerenciamento.
A versão de acesso antecipado de GolfTopia sugere uma das muitas soluções para esse “defeito”, por assim dizer, e é uma das mais bem implementadas que já vi até então. Ao invés de prometer o mundo, ela insere um limite de 200 golfistas por mapa. Todavia, todos os golfistas têm diferentes níveis de habilidade que evoluem de acordo com o tempo que eles ficam em seu resort. Alguns deles podem ser melhores em tacadas de longa distância, outros são especialistas em putting (nome dado ao movimento final para acertar o buraco). Cada um deles vai ter uma reação própria aos campos que você criar.
Sem ideia do que esperar, eu comecei com um campo bem conservador. Umas árvores ali, areia acolá para dar um senso de desafio, ajustei o terreno para que ele não fosse tão difícil para iniciantes e abri o primeiro buraco. Foi então que as críticas vieram como uma tempestade. “Chato, longo, fácil demais”, foram só algumas das que eu vi. Outros jogadores, menos experientes, se divertiam um pouco mais.
A partir do segundo buraco eu decidi jogar tudo pro ar e falei “quer saber? Dane-se, vamos ver tudo que GolfTopia tem a oferecer”. A temática futurista ajuda bastante neste aspecto; a MinMax a usa para permitir o uso das mais diferentes engenhocas. É o primeiro, e grande, passo para se desprender dos conceitos tão rígidos que temos de jogos de gerenciamento. Coloquei rebatedores como os de pinball que rebatem as bolas, depois ventiladores gigantes tanto para ajudar como para atrapalhar os golfistas.
Decidi ser ainda mais ousado no meu terceiro design, usando uma mistura de teletransporte, várias armadilhas de areia, um mini-oásis no meio do percurso e pouquíssimas áreas onde a bola de golfe quicasse sem ficar presa na grama. A recepção foi mista; uns gostavam, outros detestavam. Tentei dar uma apaziguada na situação ao colocar bancos e máquinas de refrigerante e comida. Se for para sofrer, que sofram sentados, não é mesmo?
Mas a minha criação favorita foi um buraco que ficava em uma ilha que criei. Para acertá-lo, o golfista tinha que usar os tubos de transporte para subir no topo de uma montanha, dar a tacada de lá, esperar para que ela atingisse o mecanismo que teletransporta a bola para a ilha e ainda torcer para que o ventilador gigante que eu coloquei não fizesse com que ela caísse na água.
Não teve uma pessoa que gostou do design exceto eu, que estava tendo uma crise de riso com o design que criei. Mas aí é que veio a surpresa: eu deixei o percurso aberto e, quanto mais os meus golfistas melhoravam, mais eles gostavam do desafio! Seria o céu o limite? Eu não tenho a resposta, mas fiquei muito feliz de ver que até os conceitos mais exagerados têm o seu lugar em GolfTopia.
Para quem leu essas quatro empreitadas bizarras e pensou “ok, mas como eu vou saber se estou fazendo certo ou errado?”. Primeiro diria que não há bem um conceito de certo ou errado em GolfTopia; ele é bem aberto em relação ao design dos campos e que tipo de desafio você quer criar, mas ainda é preciso ter um fluxo de caixa no fim do dia. A versão de acesso antecipado já oferece ótimas ferramentas de análise de dados — que vão de uma média de lucro por cada buraco até um “simulador” de tacadas que mostra a probabilidade de onde cada bola vai cair de acordo com a habilidade do golfista (baixo, médio e alto).
São essas ferramentas de análise, o design livre e bem humorado, e as habilidades de cada golfista que quebram uma possível monotonia de gerenciar um resort de golfe. GolfTopia te “empurra” para testar novos designs e te lembra que você ainda precisa lucrar com o resort. Não há um fim para esse cabo de guerra; é uma batalha entre você e seus clientes para ver quem sai como um suposto vencedor.
Eu não me sinto como em Two Point Hospital onde a única solução para problemas, ao menos na camada estratégica, é colocar mais e mais e mais salas de consulta; tampouco me vejo como Planet Coaster / Planet Zoo onde as minhas invenções trazem pouco impacto para o ambiente. GolfTopia, no que diz respeito a gerenciar e ter essa tensão, e esse impulso de você querer fazer mais e mais porque você quer, é algo que estava até então limitado a jogos de logística como Factorio. Mas, por estar em acesso antecipado, não demora muito para que a suas rebarbas comecem a aparecer. Por incrível que pareça elas não vêm do lado de gerenciamento, mas do componente mais peculiar de GolfTopia — tower defense.
Desde o anúncio eu vi essa mecânica como algo inusitado. “Como alguém vai colocar elementos de Tower defense em um jogo de gerenciamento e ainda equilibrar isso?”. A MinMax até consegue o incrível feito; são ervas daninhas tóxicas que começam a tomar conta do terreno e tornar certos buracos ou aparelhos inoperantes. Você então tem de usar torres, drones e ainda mais engenhocas para combatê-los.
Elas começaram a se tornar importunas lá pela metade do jogo, e eu já tinha posicionado meu armamento contra elas. Só que eu fui recebido por um sistema de tower defense que não difere muito de outros. Coloque uma torre e ela fará o seu trabalho sem pensar duas vezes e a sua maior dificuldade vai ser mantê-las abastecidas com munição. É a parte que segue uma linha contrária a tudo que vi e joguei de GolfTopia; quase parecia um jogo no topo de outro.
Entendo o desejo da MinMax de trazer desafio, e caso você prefira, até remover esse desafio ao desabilitar as ervas daninhas tóxicas. Porém, eu gostaria muito de vê-la se esforçar em trazer mais variedade, ou me fazer usar engenhocas tão malucas quanto as que usei para os golfistas. Por que torres ou morteiros? Que tal uma serra elétrica ou robôs suicidas que podem causar danos às estruturas, adicionando assim um elemento de risco à defesa do seu campo de golfe?
De acordo com a descrição na página de acesso antecipado, o período de 6 a 8 meses de GolfTopia vai ser usado para inclusão de um de torneios, novos tipos de engenhocas e refinamentos, como torres mais fortes, e um sistema de ervas daninhas mais agressivo. Eu torço que ela também use esse tempo para repensar bem como aplicar e utilizar o sistema de tower defense do jogo. Pois, se ela conseguir, vai ser não só um incrível feito, mas GolfTopia pode se tornar uma referência para quebrar as até então rigidíssimas barreiras que tínhamos criado sobre jogos de gerenciamento.