Fundir Card games com estratégia sempre me pareceu uma ideia instigante, permitindo ao jogador definir que tipos de batalhas enfrentará melhor, quais serão seus pontos fracos e fortes. Não é à toa que alguns dos títulos que considero de altíssimo calibre são o finado Battle Forge, e (mesmo a temática diferente), a franquia Wargame e Steel Division: Normandy 44. Golem Gates, em acesso antecipado (R$37,99), chega com a mesma promessa de personalização – e isso foi o que fez com que ele entrasse rapidamente em meu radar.
Uma das minhas pequenas implicâncias com games que fazem essa fusão de gêneros é o formato de conquista territorial que é tipicamente imposto. A vitória se dá costumeiramente por fatores que são, ou o controle total dos territórios, ou ter mais pontos que o oponente quando o assim que o relógio chegar a zero. Não que exista algo especificamente problemático com a metodologia, apenas que ela tende a tornar as partidas de certa forma previsíveis demais.
A crítica vem principalmente do aspecto “card-game” instituído neles. Sempre haverá uma “combinação melhor” ou um conjunto de cartas que vai se sobressair por alguns meses até que a desenvolvedora reajuste os valores. Golem Gates não foge à regra, mas adiciona um elemento importante ao conceito – uma unidade líder.
Tal como Total Annihilation e seus derivados (Supreme Commander, Planetary Annihilation), a unidade líder de Golem Gates serve como um ponto de “referência” no mapa e como uma espécie de base móvel; no começo da partida o jogador só consegue invocar cartas-unidade em áreas próximas ao líder.
Com essa pequena alteração da típica “base fixa”, a estrutura do mapa de Golem Gates fica mais atraente de se decifrar. Afinal, o jogador pode priorizar o domínio de áreas para criar afunilamentos do mapa – estes, feitos por unidades-torre – ou estabelecer controle de pontos de conquista, aumentando o recebimento de mana, usada para invocar cartas
Nesse período de acesso antecipado, a campanha estará ao menos temporariamente ausente. Enquanto ela não chega, minha alternativa foi pular de cara no multiplayer e partidas contra a IA. Com cinco mapas disponíveis, a vitória é garantida assim que todas as outras unidades-líderes do mapa forem eliminadas. Mas, sendo sincero, isso é puramente cosmético, pois a partida já está perdida muito antes dela. Como muitos jogos do gênero, muitas vezes o jogo se decide na formação do “deck” de cartas, e nas inúmeras opções, subsistemas e seleções que podem ser feitas. Fico até empolgado ao imaginar as possibilidades (e no momento, só posso imaginar mesmo).
Um dos principais atrativos foi o quanto a desenvolvedora foi capaz de tornar unidades de defesa legitimamente importantes. Sem serem terrivelmente potentes, as torres funcionam como um deterrente, aumentando o esforço necessário para que as forças inimigas tomem pontos de controle (diferente das extremamente potentes Tesla Towers de Red Alert, capazes de destruir tanques com dois ou três disparos). Esse tempo extra criado pelo uso de torres pode ser exatamente o suficiente para remanejar as tropas, dividi-las ou bater em retirada de acordo com a situação.
Há toda uma questão de “campo de visão” que intensifica a utilidade das torres. Insira em um ponto importante do mapa e você terá como invocar criaturas dentro do campo de visão delas, tática útil para rápida mobilização de tropas em momentos de ameaça (ou desespero, tipicamente o meu caso).
E nem ousei questionar a variedade de cartas. Divididas em quatro categorias (torres, unidades, magia e melhorias), elas vão de pequenos soldados que são excelentes em grande número a opções como minas secretas, torres que causam incêndio em área, bolas de fogo e habilidades que previnem que uma unidade oponente ataque. Há, muito, mas muito ainda a ser desvendado sobre o funcionamento de algumas delas.
Por não conter elementos de construção de bases, toda partida já começa absolutamente frenética. Joga unidade ali, corre para dominar o ponto, torce para que a carta que você deseja seja a próxima a aparecer na pilha, coloca torres, fecha o cerco, vence ou perde. Respira fundo e vamos para mais uma.
As minhas primeiras tentativas foram, obviamente, terríveis. Tratei o jogo demais como se fosse um jogo de estratégia típico enquanto meus inimigos abusavam de habilidades especiais. Perdi a conta das vezes que estava prestes a capturar um ponto e um inimigo sorrateiro levou uma unidade para a área puramente com o propósito de soltar uma bola de fogo para dizimar todas as minhas unidades.
Parte disso vem da tendência simétrica dos mapas (mais sobre isso em breve). A Laser Guided Games delimitou muito bem – possivelmente até bem demais – quais são os pontos de importância do mapa. Se você tem um ponto de conquista, pode apostar que haverá espaço para criar afunilamento nele. Se há uma unidade neutra, o local onde ela habita sempre terá mais de uma entrada. O que ao primeiro olhar não é algo “errado”, em si.
Entretanto, por tudo que o jogo faz bem como um jogo de estratégia (controle de unidades, variedade de habilidades e o conceito de versatilidade), Golem Gates enfrenta no momento duas grandes questões: como tornar o componente competitivo realmente intrigante, e como fazer com que a grande maioria das cartas não caia em desuso.
O design optado pela Laser Guided Games é não limitar o tipo de cartas que podem ser incluídas em um deck; ou seja, se você quer construir um deck totalmente com unidades de baixo custo e alta mobilidade, vá em frente. Porém, isso traz consigo uma série de ressalvas.
Os jogadores tendem a optar por estratégias convenientes. Não quero dizer com isso que eles são “preguiçosos”, mas sim que nem todo mundo estará disposto a aprender conceitos profundos e detalhamento de decks e outros pormenores. Consequentemente, assim que um conjunto de cartas for definido como o “melhor”, será indefinidamente copiado. Até que ponto a Laser Guided Games terá como reverter a situação e alterar o metagame para algo mais dinâmico?
Digamos que o sistema continue presente no lançamento e um deck “mestre” seja encontrado. Partidas “padronizadas” — onde as mesmas táticas são usadas repetitivamente — vão fazer com que a razão para jogar Golem Gates seja perdida. É fácil desenvolver um cenário de frustração nessas situações; afinal, é como fazer a mesma tarefa inúmeras vezes. E isso cansa, muito.
Claro que cedo ou tarde um “padrão” vai ser encontrado e tal acontecimento não é motivo para alarde, todo jogo passa por isso e já é esperado que isso venha a acontecer. Mas nem todo jogo tem uma segunda condição adversa, que no caso de Golem Gates, a brutal simetria dos mapas. Não há mal que exista um grau de simetria; mapas de Starcraft já fizeram isso a rodo e há tantos outros jogos usando essa ideia que fazer uma lista aqui seria desperdício de tempo. A questão é: o quão simétrico pode ser? No caso de Golem Gates a simetria cria afunilamentos extremos.
Casos contínuos foram partidas onde eu podia colocar torres suficientes ao ponto de completamente impedir a passagem do oponente e fazer com que ele tivesse de dar a volta no mapa para ter alguma chance de me atacar. Outras ocorriam quando eu impedia o acesso a uma unidade neutra que pode ser capturada, também com torres.
Claro que nos dois casos a aleatoriedade das cartas que peguei furante a partida estava em meu favor; afinal, eu vi o mesmo sendo aplicado em maior ou menor grau a mim. Agora una essa aleatoriedade, o possível estabelecimento de uma padronização e o fato de quase todos os mapas presentes no momento serem formados da mesma forma e você tem um problemão em mãos.
Pegue o mapa Daedalus, mostrado acima. Constituído praticamente dois corredores com o único ponto de travessia localizado na parte central, ele é a antítese da mobilidade até então pleiteada por Golem Gates, seja ela demonstrada como o campo de visão das torres como uma “zona de mobilização de unidades” ou o uso de uma unidade-líder. Partidas de dois jogadores são viáveis; com quatro jogadores, no entanto, eu me via constantemente encurralado por torres; a minha sorte era ter magias no deck para acabar com elas antes que o inimigo tivesse mana suficiente para invocar mais.
O que aconteceria se eu não tivesse alterado meu deck? Aí já está uma limitação que torna toda a ocasião preocupante. Voltamos ao mesmo impasse de previsibilidade citado no começo do artigo, mas de um ponto de vista diferente.
Ainda bem que essas são as maiores críticas que tenho a fazer. Os pormenores de Golem Gates estão mais voltados às dificuldades que todo título em desenvolvimento passa, como necessidade de ajustes no pathfinding das unidades e melhorias na legibilidade durante o combate, coisas que (assim torço) serão ajustadas ao longo do acesso antecipado.
Porém, não posso deixar de me perguntar se prefiro o conceito de Golem Gates ao Golem Gates em si. Dentro de cada categoria, cada um dos elementos que o compõem são justamente o que eu gostaria de ver mais em jogos de estratégia: unidades-líder, cartas, construção de decks, maleabilidade na aproximação de um confronto. Mas jogá-lo foi uma questão de frustração atrás de frustração, por causa de sistemas que ainda precisam ser contextualizados, para terem uma razão melhor para existirem dentro do ambiente.
Apesar de tudo, o jogo está no meu radar e assim continuará até seu lançamento, estimado para março. Agora, jogá-lo a essa altura? Melhor manter cartas e estratégia separadas por enquanto.