“Quem foi que fez essa atrocidade?”. Esta frase vale tanto para as vezes que eu reli um texto que escrevi de madrugada quanto para jogos de automação. Mais especificamente, para o spaghetti de correias e mineração na minha atual partida de “Foundry” (Steam). Em grande parte, eu já teria abandonado o jogo por conta de frustração comigo mesmo, ou por saber que eu demoraria horas para consertar o erro. Mas, no título da Channel 3 Entertainment, um erro é um empecilho minúsculo.
Quando você tem transtorno obsessivo compulsivo com organização e limpeza, todo jogo de automação vira uma benção e uma maldição. Eu recebi o meu diagnóstico só em 2023, mas a minha imensa frustração em jogos como “Factorio”, “Satisfactory” e similares já era perceptível toda vez que eu os jogava. Um erro, uma peça fora do lugar, e a possibilidade de eu ter perdido horas de produção e ainda recursos me desmotivavam. “Sério que eu vou ter que minerar isso tudo de novo?”, uma frase que eu repetia continuamente.
Eu tive esse mesmo medo quando comecei a jogar “Foundry”. “Ah, lá vem mais um jogo para me ‘punir’ pela minha inaptidão”. Se você é um desses, eu já antecipo que ele é tudo menos isso.
A premissa em si não é nenhuma novidade. Você, mais uma vez, cai em um planeta desconhecido e perde contato com a sua base de operações, uma bela desculpa para começar a montar a sua fábrica e possivelmente entrar em contato assim que pesquisar novas tecnologias. Resumindo: minere recursos, transforme em produtos, combine-os para produtos mais avançados, libere novas tecnologias — e repita o processo.
O que me atraiu e me fez continuar a jogar “Foundry” é o tom leve que a Channel 3 Interactive injetou nele. O jogo não te pressiona ou cria situações em que você precisa prestar muitíssima atenção no que está fazendo para, por exemplo, não dar de cara com uma base de inimigos. Não existem inimigos em Foundry. E, qualquer erro pode ser desfeito em segundos.
Colocou uma fábrica em um local errado? Tudo bem, aperte um botão e ela volta para o seu inventário ou você tem todos os custos usados na sua construção reembolsados. Uma mudança minúscula em comparação a outros jogos do gênero, mas que impacta alguém perfeccionista como eu de forma muitíssimo profunda.
Quando eu comecei a entender que eu não seria “punido” por me arriscar, eu deixei de enxergar o mundo de “Foundry” como algo hostil a minhas criações e erros, mas como um espaço onde eu poderia explorar um mundo de possibilidades.
Preciso até abrir espaço para falar do mundo de “Foundry” em si. Ele é um meio termo entre a geração procedural de “Minecraft” e os mapas fixos de “Satisfactory”. A Channel 3 une o melhor dos dois jogos e cria diferentes biomas que possuem características distintas, mas ao mesmo tempo te permitem explorar e expandir como você quiser.
Viu uma montanha e quer “transformá-la” para fazer parte do cenário da sua fábrica? Tudo o que você precisa é planejar para isso. Você imaginou uma fábrica subterrânea? “Foundry” não te impede, pelo contrário: começar a cavar em buscas de minerais mais raros faz parte da mecânica do jogo e é um passo importante para chegar na árvore de pesquisa avançada.
É um feito incrível até mesmo de um ponto de vista técnico. São poucos jogos que abraçam esse estilo de áreas separadas por quadrados como em “Minecraft” – sendo “Techtonica” a rara exceção – e muitos preferem visuais realistas ou “top down”. Ironicamente, esse é o estilo de “construção” que eu achei que mais se adequa aos jogos do estilo. Presumo que programar para eles funcionarem com profundidade e verticalidade não deva ser nem um pouco fácil.
Sei que um ou outro pode apontar para mods de “Minecraft” que cumprem o mesmo propósito. Acredite, eu os conheço, eu os joguei, e eu me canso toda vez que penso que tenho que lidar com o péssimo desempenho da versão Java ou alguma mecânica adicional como proteção contra radiação e ainda me alimentar. Agradeço, mas não quero elementos de sobrevivência no meu jogo de construção de fábricas. Eu só quero relaxar e tomar o meu tempo com a minha fábrica, expandindo-a de pouco em pouco.
Ainda bem que sou assim, porém. Foundry tem como um dos principais “diferenciais” — que não são tão diferenciais assim — suporte a modo coop de até 4 jogadores. E, se você for um jogador solo, vai sentir um pouco mais na pele o quanto ele está, por ora, voltado para jogar em conjunto.
Os requisitos para avançar de uma “era” de pesquisa para outra às vezes são absurdos, e a árvore de pesquisa está cheia de “melhorias” que eu considero desnecessárias. Por que desenvolvedores ainda colocam “aumentar o tamanho do inventário” como um objetivo? Ora, eu sou um robô! Eu já devia ter o inventário completo comigo. Até entendo mecânicas como melhorar uma broca, mas no que dizem respeito ao jogador, vejo como resquícios de ainda tentar se atrelar a um modelo ainda padrão demais. Um medo, talvez, da própria Channel 3 games de “e se nossos jogadores não tiverem o que fazer ou acabarem a árvore de pesquisa rápido demais?”
Caros desenvolvedores, se vocês lerem isso em algum ponto da vida, saibam que “Foundry” é o jogo de automação mais “recheado” de diferentes tipos de fábricas e sistemas que eu já vi no começo de acesso antecipado. Não precisa ter esse medo, apesar de entender se for esse o caso.
É uma daquelas situações típicas de “jogos de acesso antecipado” nos quais eu irei acompanhar de perto para ver a evolução. Como tantos, eles estão dando os seus passos iniciais e ainda precisam de ajustes aqui e acolá.
Além da árvore de pesquisa com elementos necessários, o jogo não faz um bom trabalho de explicar o sistema de mineração ou boas práticas para minerar. Não é o fim do mundo, mas uma dica extra no tutorial já seria de grande ajuda para quem é novato no gênero — já que sinto que muitos poderão pegá-lo pelo seu estilo mais leve.
O que mais incomoda mesmo é a forma como você gerencia as suas fábricas. A Channel 3 Entertainment optou por um sistema de interface que funciona de acordo com o temperamento delas.
Imagine que você vai definir que tipo de “matéria-prima” de saída você quer de uma caixa de distribuição automática. Ao invés de fazer isso nela e definir qual correia transportadora, você precisa clicar em um “carregador” que fica na correia. A matéria-prima que vai sair? Bom, você vai ter que descobrir de acordo com a porta de saída.
É um sistema que tem muito, mas muito espaço para crescer e aprimorar. É ambicioso por não usar menus e até faz sentido, mas eu preferiria que a Channel 3 Entertainment houvesse optado por incluir um sistema centralizado onde você tivesse uma visão geral da fábrica e pudesse fazer ajustes mais precisos.
Estendo essa mesma crítica para o sistema de estatísticas do jogo que, no momento, deixa muito a desejar. Você não tem como saber a quantidade de minerais que estão sendo extraídos por minuto, ou quantas peças estão sendo fabricadas. A única informação que o jogo te dá é o uso total de energia. Bem, ao menos é fácil o suficiente de entender, e minha fábrica – mesmo após tê-la levado aos limites – não ficou sem energia.
As questões acima são muito bem pontos que podem, e possivelmente vão, ser resolvidos ao longo do período de acesso antecipado de “Foundry”. Já vi jogos com tutoriais horrendos receberem o refinamento necessário e, nada do que eu apontei é algo que de fato vai virar um ponto. O mais importante para mim é que a Channel 3 Entertainment já acertou o tom e, majoritariamente, o que ela pretende fazer com o jogo. Eu tenho uma lista pessoal de desejos, como correias transportadoras verticais (como existem em “Satisfactory”) para abraçar ainda mais o sistema de verticalidade.
Imagina que legal construir uma fábrica subterrânea e ter apenas as correias na superfície como se fossem gigantescas torres? Esse é o tipo de situação com que “Foundry” me deixa sonhar – e eu não preciso me preocupar se eu vou errar ou não. Nenhum outro jogo de automação me permitiu isso sem eu ter que aderir a algo absurdo ou “prático”.
Engraçado como alguns meses atrás eu diria que “jogos de automação” estão saturados e que poucos iriam conseguir me incentivar a jogá-los, agora cá estou eu planejando fábricas “malucas” em “Foundry”. Às vezes tudo o que você precisa é ter um pouco mais de criatividade e um pouco menos de rigidez, para assim poder jogar tudo para o alto e falar “que se dane ser prático, eu quero algo bonito e com uma identidade minha!”.
Estou aqui na torcida de que os visuais e a verticalidade atraiam uma nova “geração” de fãs de automação da mesma forma que ocorreu com “Factorio”. “Foundry” merece toda a atenção do mundo e ainda mais quando for lançado.