A cada risadinha, uma sensação de decepção. A cada missão concluída, a certeza de que ia ter de lidar com alguma mecânica sem sentido. Jogar Fortnite tem sido uma estranha experiência para mim. Uma relação de amor e ódio difícil de explicar. Lançado em Early Access a partir de US$ 39,99 para PC e PlayStation 4, ele é tanto inspirador como confuso.
Quem o vê superficialmente, quem joga apenas os estágios iniciais vê um imenso potencial. A começar que, mesmo com um sistema de “classes”, ele as democratiza sem que elas percam a sua importância. Você pode escolher uma classe de ataque, defesa, construção — cada uma com habilidades passivas e ativas que aumentam o dano, resistência ou proteção de bases e armamentos — e ainda assim conseguir colaborar com cada partida de maneira significante.
As missões tendem a ocorrer em um mapa aberto, novamente outra ferramenta que poderia muito bem arrastar a jogabilidade para o tédio. Porém, a Epic foi cuidadosa o suficiente para os preencher com quests secundárias que não tiram o foco da principal e recompensam as equipes que desejarem explorá-lo por completo. É um simpático loop onde me deparava com uma quest enquanto buscava materiais, a completava e voltava para o que estava fazendo. Dentro daquele ecossistema, Fortnite conseguia me prender muito bem.
E até mesmo a coleta de materiais, algo que eu abomino e tento fugir de qualquer tipo de “survival” é capaz de abrir um sorriso no meu rosto. Praticamente tudo é destrutível no cenário de Fortnite. Uma machadada ali e acolá e você já tem o material para construir uma edificação. Ainda tem um pequeno minigame onde o dano ao material é aumentado após acertar um alvo. Quebra a monotonia da coleta.
O sistema de construção então, nem se fala. Um dos meus favoritos no quesito usabilidade. Escolha o material, defina a forma da defesa, aperte um botão e a construção será feita sozinha. Não me prende a “clicar, clicar, clicar” para colocar ou editar mil paredes. Me permite me focar na defesa da base, na instalação de defesas e eliminação de zumbis.
O que muitos dos jogos de “horda” ou sobrevivência de “waves” tendem a fazer é se focar demais na configuração da defesa e deixar o jogador passivo demais durante a wave em si. Orcs Must Die, por exemplo, tendia a depender demais das armadilhas e o jogador virava uma peça secundária. Dungeon Defenders vai para o caminho contrário, com batalhas com chefões que sempre me traziam a sensação de que não pertenciam lá.
Nem mesmo o maldito sistema de defesa da base, que estava preparado para criticar (peço perdão pelo pré-conceito, assumo minhas falhas) pode ser facilmente comparável com o de Orcs Must Die ou Dungeon Defenders. A Epic mais uma vez soube adicionar exatamente a quantidade correta de personalidade e variedade nos zumbis para que eu, alguém que nem sempre tem paciência para jogos de horda, pular de mapa para mapa na vontade de completar novos objetivos e encontrar mais desafios.
As primeiras missões começam simples, com uma defesa nem tão elaborada e mais foco no ataque. De pouco em pouco o ritmo vai acelerando e quando menos percebia eu me habituava em reparar defesas, começar a pensar sobre como deve ser o layout da base — coisa que nem eu nem a metade da comunidade com quem eu joguei tem a menor noção — e como preparar as defesas. Certos zumbis requerem prioridade na eliminação já que usam artilharia de longo alcance, enquanto outros tendem a destruir as defesas rapidamente caso uma equipe esteja desatenta. Armadilhas são outro ponto forte do jogo, pois, por não seguirem um caminho padrão como em Orcs Must Die, o jogador e a equipe tem de ser espertos em encurralá-los e guiá-los para as áreas que as armadilhas estão.
Quando tudo dava errado, era hora de partir para o ataque. Explosões, tiros, gente correndo de um lado para o outro tentando garantir que a fortaleza criada de pedaços de madeira, metal e concreto não sucumbisse. Aquela respiração de alívio quando o contador da missão chegava a zero. Uma nova arma era desbloqueada.
Nem mesmo problemas com a comunidade eu tive. Ainda não sei dizer se foi por conta de todos estarem meio perdidos ou ter a sorte de cair no grupo de pessoas mais gentis dos jogos online. Para alguém que tem pavor de falar via chat de voz ou texto, conseguir quebrar essa barreira e digitar “Ok pessoal, já exploramos o mapa e temos os materiais, vamos começar a defesa? ”, com todos respondendo que sim, colaborando, nenhum tentando passar por cima do outro. Afinal, a pontuação geral é distribuída de acordo com o desempenho geral da equipe. Não basta um ser excelente no ataque e não colaborar com a construção de defesa. Há um estranho ar de companheirismo neste jogo que destoa completamente das minhas experiências anteriores.
Em um ambiente tradicional, Fortnite seria um jogo daqueles jogos que compartilham o mesmo lugar de Warframe no meu coração. O tipo que é perfeito para jogar ouvindo um podcast, completar umas missões, aproveitar o ar descompromissado dele. Não sei se diria que é merecedor de prêmios, mas certamente é bem polido quando o assunto é a jogabilidade das partidas.
O problema é que Fortnite também não é um jogo tradicional. Ele é a culminação de todos os problemas que eu enxergo no modelo “jogos como serviço”, micro transações e elementos free-to-play que geram uma imensa bola de neve e arrastam tudo para baixo.
É como se fosse um jogo feito por duas equipes diferentes. Uma focada na simplicidade, na ação de momento-em-momento, e outro no que acontece fora da campanha e que decidiu enfiar um dos mais complexos e confusos sistemas de progressão que eu já vi.
Você não tem um, mas sim três tipos de progressão para tomar conta. Cada personagem tem o seu nível, cada arma tem o seu nível, cada armadilha tem o seu nível. Em cima disso ainda é preciso gerenciar a sua “base” (que você nunca de fato vê salvo em missões separadas) com equipes de defesa e equipes de reconhecimento. Essas equipes, formadas a partir de cartas que você obtém de Lhamas (mais sobre isto em instantes), também possuem níveis e diferentes níveis de raridade.
Achou que acabou? Quem dera. Você tem duas árvores de habilidades passivas diferentes. Uma está ligada a quantidade de experiência central, obtida durante as missões, e outra aos pontos de pesquisa. Isso inclui habilidades passivas para os personagens ou os grupos de expedição.
Agora é que vem a parte mais “divertida”: Além disso você tem de analisar e enumerar a quantidade de materiais raros que, ao contrário dos usados para a construção, são a mais absoluta zona. Armas e armadilhas tem durabilidade, portanto ao quebrarem é preciso ter certeza que possui materiais suficientes para criar novas.
Para fechar com chave de ouro, cada personagem tem um total de 44 atributos que podem ser influenciados pelas duas árvores de habilidades e pelo próprio nível.
Eu não queria mais sair das partidas puramente pelo pesadelo que era olhar para aqueles menus. Abri uma planilha do Excel e comecei a listar todos os itens de acordo com o nome, pois o ícone deles não fazia o menor sentido. Passei quase uma hora em busca do que parecia ser um favo para descobrir que na verdade era um material obtido de cogumelos, mas somente se você usasse o botão “procurar” ao invés de minerar, o que vai contra todos os princípios estabelecidos pela jogabilidade base de Fortnite. Agora tente imaginar quantas pessoas não devem ter passado pelo mesmo problema?
Claro que não seria um jogo no modelo free-to-play sem os deliciosos lootboxes, não é mesmo? Não se preocupe, Fortnite tem de sobra. Apresentados no formato de simpáticas Llhamas, existem caixas gerais — que incluem sobreviventes para equipes de defesa e reconhecimento, esquemáticas para armas e armadilhas — e caixas de melhorias, focadas em “chips de experiências” para os personagens, armas e equipamentos. Algumas podem ser compradas com moedas virtuais obtidas de acordo com o desempenho das missões e outras só podem ser obtidas ao completar quests ou fazer login diário. Sério, nem mesmo um sistema de caixas consegue ser intuitivo. Nem mesmo facilitar o jogador a gastar dinheiro, o que eu já acho um certo absurdo, é simples em Fortnite.
O meu maior medo de escrever sobre Fortnite, e o motivo que decidi adiar em alguns dias a publicação do texto, não é nem a minha capacidade em passar para o leitor o potencial dele, nisso eu até confio. O problema foi ter de ficar abrindo e fechando, anotando menus para garantir que eu não esqueci nenhum dos inúmeros sistemas de progressão que ele tem. Ainda assim tenho receio de que eu tenha deixado um ou outro para trás. Peço desculpas se for o caso, pois no fim das contas, eles não adicionam absolutamente nada.
Eu tenho tantas coisas para prestar atenção em Fortnite que ele se torna um jogo de gerenciamento acoplado em um shooter cooperativo. E, como um jogo de gerenciamento, ele é terrível. O impacto de subir de nível é mitigado ao ponto de me deixar indiferente. Para que eu vou ligar se eu subi arma X ou Y de nível se eu fiz o mesmo pelo menos cinco vezes na partida anterior? Por que eu vou ficar contente que eu tenho um novo membro para a equipe de de sobreviventes se o que ele faz é me distrair do que deveria ser o foco do jogo, a construção e defesa de bases?
A dinâmica some, sistemas são entulhados um em cima do outro como carros em um ferro velho e parecem tão distantes ao ponto de se repelirem. Um quebra-cabeça de menus em cima de menus para passar a sensação artificial de que o jogador completou algo de renome. Nem mesmo as palavras “Vitória”, caixinhas de loot no final da partida me motivavam mais. Tinha ficado imune a qualquer reforço positivo, pois na tentativa de me fazer sentir “especial”, Fortnite se tornou mundano.
A tática não é nova. É a velha história de tentar manter os jogadores a maior quantidade possível de tempo dentro do jogo, não importando como ou a que custo. Fortnite pode até conseguir isso com esses sistemas malucos. Ou pode ser apenas um teste da Epic para ver até onde nós aguentamos sem enlouquecer.
Quero muito acreditar que no futuro ocorra uma simplificação, ou que ao menos algumas redundâncias, como a necessidade de níveis para sobreviventes e defesa de bases, sejam removidas ou reduzidas consideravelmente. Mas depois de seis anos em desenvolvimento, eu não sei se eu consigo ter essas esperanças. Gosto de quando construo bases, de quando evoluo meu personagem e interajo com outras pessoas. Fora disso eu não sinto a menor vontade de jogar Fortnite.