Fico maravilhado que muitos jogos querem discutir a atual situação climática do planeta e a constante ameaça do aquecimento global e tudo que diz respeito a isso. Frostpunk, por exemplo, é uma incrível jornada pela psique humana de entender quais as ramificações das suas decisões. Flotsam, por outro lado, tenta abordar o assunto de uma maneira mais leve e humorosa.
Na superfície, Flotsam é sobre construir cidades flutuantes com objetos encontrados no que parece ser um oceano infinito. No fundo, é sobre estabelecer uma longa cadeia de produção, recostar na cadeira e apreciar o cenário sem se preocupar muito se algo pode dar errado. Confuso, não? O que eu vejo com o game da Pajama Llama é o que está acontecendo com a Abbey Games e Godhood – ela sabe o que quer criar, mas ainda não sabe muito bem como chegar lá.
Comecei a minha cidade como faço em jogos de construção: olhando o que há ao redor. Neste aspecto Flotsam lembra bastante Rimworld e equivalentes – é necessário estabelecer uma área de coleta de materiais, como plástico e madeira, e definir o grau de prioridade da tarefa para os seus habitantes.
Imaginei que seria arriscado já que a própria desenvolvedora define Flotsam como um jogo de sobrevivência, mas na realidade foi bem mais fácil do que eu imaginava. Já nas duas primeiras horas eu tinha uma colônia relativamente estável. Todos os habitantes tinham onde dormir e a única coisa que faltava era uma vela.
A vela é um componente essencial da sua cidade, pois permite que você navegue para outros mapas e supostamente tenha acesso a recursos mais raros e importantes para avançar a tecnologia. A construí mais para completar o objetivo do que querer avançar de mapa. Afinal, para que? Eu já tinha uma colônia estável – os alimentos e água potável já estavam estocados para meses! Segui em frente, vai que acontece algo de interessante? Não aconteceu.
Segundo mapa e segui a minha rotina: definir áreas de coleta, construir mais áreas de estocagem, botar meus habitantes para pescar e olhar para o oceano. Nesse ponto eu já estava em um grau de estabilidade tão alto que somente um descuido muito grande poderia fazer eu perder a partida. Ironicamente ele quase aconteceu quando eu percebi que tinha delimitado uma área de pesca menor do que eu pensava e os alimentos acabaram mais rápido do que fogo se espalhando em mato seco. Pulei de susto na cadeira e rapidamente mudei todas as prioridades para que os meus habitantes pescassem. Minutos depois e a situação estava contida.
Recursos obtidos, todas as ilhas adicionais – que me prometiam algo raro, mas não entregaram – visitadas, hora de ir para o terceiro mapa. Quem sabe na terceira tentativa algo de peculiar aconteça? Mas não, nada. A similaridade entre os mapas era tão grande que eu presumi que a única mudança era a posição das ilhas.
Eu não sei se eu me sentia mais decepcionado ou mais entediado. Onde estão os desastres? Habitantes com necessidades especiais ou atributos específicos? Qual o motivo para eu seguir em frente? Mais plásticos? Isso eu tenho aos montes, ora!
A Pajama Llama promete que em algum ponto do desenvolvimento ela irá introduzir mais quests e histórias sobre o que aconteceu com o mundo inundado, mas como eu posso achar que eles vão acertar a mão se nem um pingo de história Flotsam tem no momento?
Mas uma coisa Flotsam fez certo: me deu vontade de jogar Homeworld. O jogo de estratégia da Runic Games pode não ter nenhuma ligação com a temática ou até o estilo de Flotsam, mas ele utiliza maravilhosamente bem o conceito de perseguição, sobrevivência e fazer com que cada recurso seja valiosíssimo. Mesmo com uma quantidade muito menor de variáveis, ele consegue estabelecer tensão por meio de conflito bélico.
Flotsam não necessita de armas ou estar situado no espaço, mas precisa urgentemente estabelecer alguma conexão com o universo dele com o jogador. Algo que vá além de coletar recursos ou de se preocupar com os seus habitantes. Uma ou duas faces novas na cidade não significam nada quando você está (desculpe o trocadilho) nadando em comida e água potável.
Ele precisa demonstrar para si mesmo e para os seus jogadores que ele vai além de um mero construtor de cidades – que sequer é bom nisso. Ele precisa definir se ele vai seguir uma linha mais “aberta” com a navegação de mapas ou introduzir história. As duas mecânicas juntas significam que uma delas inevitavelmente vai ficar em segundo foco.
Um outro exemplo que me veio à mente pode ser visto dentro do âmbito “sobrevivência”. The Flame in the Flood, lançado em 2016, vinha com uma premissa bastante parecida. Você controlava uma garota que devia explorar um rio, coletar recursos e se defender de ameaças. A desenvolvedora Molasses Flood jamais conseguiu estabelecer quais eram as prioridades do jogo. Ora ficava fácil demais devido a abundância de recursos, ora ficava entediante demais devido a carência de eventos que traziam impacto para a sua partida.
Eu dou um (gigantesco) desconto por Flotsam estar em acesso antecipado e com um conteúdo bem básico, mas eu não consigo criar esperança nessa história de “espere mais um pouco e você vai ver como vamos introduzir novas mecânicas para você realmente ter vontade de explorar o mar”.
Exploração precisa vir ao menos de uma das duas frentes: desejo ou sobrevivência. Desejo te faz olhar para o horizonte e pensar: “o que será que eu vou encontrar no meu caminho?”, essa curiosidade te atiça e te faz querer seguir em frente. Sobrevivência faz com que você olhe para os seus recursos e pense “é melhor eu sair daqui antes que as coisas piores”. Seja como for, ambas as doutrinas causam que a exploração vire um hábito – algo natural.
Flotsam no momento vive na artificialidade. Ele acredita que o que está presente já é o suficiente para prover essa necessidade, mas não poderia estar mais longe disso. Se eu, que gosto de explorar cada canto de um jogo mesmo sabendo que posso não encontrar nada, fiquei entediado no terceiro mapa, imagina os impacientes?
Coloque-o na sua lista de desejos, mas espere mais um tempo – um bom tempo – para cogitar em entrar nessa água.