Eu sempre gostei da ideia de fundir deckbuilding com uma representação visual das ações das cartas em um ambiente digital.. Ora, essa é a base de muitos jogos de tabuleiro digitais, mas a maioria deles ou carece de uma melhor representação visual, ou seus sistemas soam “repetitivos” demais para o meu gosto. Até depois da explosão de Slay The Spire, da Megacrit Games, são poucos os jogos do estilo que me fazem vibrar, seja perdendo ou ganhando uma partida – conto-os no dedo: Neconator: Dead Wrong, Erannorth Reborn, e agora Fights in Tight Spaces (Steam / GOG).
Minha adoração pelo conceito de Fights in Tight Spaces vem bem antes do seu anúncio oficial. Um belo dia eu fiz o download de um mapa de Wargroove, um jogo que critiquei bastante pela simetria entre facções. O mapa, minúsculo, te dava o objetivo de conquistar o território do inimigo o mais rápido possível. Era puro sofrimento; minhas unidades eram limitadas e cada ação tinha um impacto importantíssimo no resultado da batalha.
Impacto — essa é a palavra chave que melhor descreve a temática e ambientação de Fights in Tight Spaces. Seja o impacto do soco que você acabou de dar no oponente ou o impacto gerado pelo uso de três ou mais cartas, é esse impacto que pode decidir se você ganha ou perde uma “run”.
As estruturas que compõem Fights in Tight Spaces não são originais – e nem precisam ser. Ele ainda é no fundo a união de “permadeath” com deckbuilding e uma metaprogressão que libera novas cartas durante a partida ou ao atingir certos objetivos (chegar na metade de uma run, derrotar um chefão, etc). Entretanto, a maneira como todos esses elementos convergem dentro de uma arena em Fights in Tight Spaces é uma das minhas implementações favoritas em muito tempo.
Fights in Tight Spaces é o conceito que eu mencionei de “Wargroove”, com pitadas de “Into de Breach”, levado ao extremo. Você é um agente bem no estilo James Bond ou Jason Bourne (para alguns até John Wick vem à mente), e sua missão é derrotar “gangues” que realizam atividades ilegais. É uma baita desculpa esfarrapada para justificar a campanha, mas uma desculpa competente.
Muito como Slay The Spire e outros jogos do estilo, Fights in Tight Spaces te deixa escolher qual caminho seguir – com eventos que dão cartas raras, áreas para melhorar seu deck ou locais para recuperar pontos de vida. O diferente aqui é que você não escolhe onde vai lutar, mas sim onde você vai acabar em uma “emboscada”.
Todos os confrontos do jogo começam com você em desvantagem: rodeado por inimigos, tentando defender um embaixador, com uma arma apontada para sua cabeça enquanto outros dois capangas estão atrás de você sedentos para cortar suas “asinhas” caso tente algo que eles não gostem.
O que me fez apaixonar de vez por Fight in Tight Spaces são esses tipos de situações. Era olhar para a tela, para o meu deck e pensar “Hmm… como transformar essa situação de desvantagem em uma situação vantajosa?”. Caso eu queira ser reducionista, ele não é mais nada do que um jogo de xadrez onde você move as peças do oponente ao seu favor, mas, paradoxalmente, ele também é muito mais do que isso.
O fato de você estar em uma arena de combate minúscula e em desvantagem abre um leque de opções para criar sinergias entre cartas e decks divertidíssimos. Houve luta onde eu usei uma carta para me esquivar e outra para empurrar um dos inimigos para a linha de fogo do outro, fazendo com que ele fosse eliminado. Em outras decidi ser mais ousado, manter minha posição, usar cartas para para absorver os golpes e retorná-los em dobro. E isso são só alguns dos exemplos dos dois primeiros decks liberados.
Adicionando o tempero necessário vem a inclusão de um sistema de “combos” e objetivos secundários. Os combos são obtidos quando você joga cartas de dano – quanto maior o combo, maior o dano causado por uma carta especial. Mais uma vez, não é nada inovador, mas é tão bom ver toda a sua tática se desenrolar diante dos seus olhos — saber que você colocou todas as peças no lugar certo, e ver uma cadeia de eventos se desenrolar ao seu favor — que não tem como não vibrar de felicidade.
Ironicamente, eu vejo essa ligação entre o que acontece na tela e as ações das cartas serem demonstradas diretamente ao invés de algo muito abstrato como uma quebra de barreira no que a meu ver é um grande empecilho dentro de deckbuilders: entender como e quando evoluir suas cartas.
Pegue um jogo como One Step From Eden, sobre o qual já escrevi sobre no site. O conceito dele em si é fantástico e muitas cartas que ele utiliza têm uma ação direta na tela, mas a velocidade com que ele progride não te dá espaço para pensar “Ok, mas o que eu devo fazer para melhorar a minha estratégia?”. Fights in Tight Spaces gera essa oportunidade; ele é capaz de crescer junto com a sua capacidade de entender como funciona cada carta e quando elas devem ser usadas.
Ainda é um caminho árduo? Não tenha dúvidas disso; eu mesmo que já não sou lá um ótimo jogador sofri em alguns chefões e tomei umas decisões estúpidas ao longo das minhas runs, mas em momento algum eu senti que eu estava sendo humilhado pelo jogo ou que ele usou alguma tática impossível de defender. No máximo tive o azar de pegar cartas ruins no começo de uma luta, mas esse grau de aleatoriedade é de se esperar de um jogo do estilo.
Entretanto, de tudo que Fights in Tight Spaces faz, o que pode ser considerado por mim um “milagre” é perder uma run de 30 ou 40 minutos por alguma estupidez que eu fiz (acredite, eu faço umas jogadas muito idiotas) e prontamente respondo com “Beleza, vamos para mais uma”. É raro para mim recomeçar uma run nesse tipo de jogo imediatamente após perder. Tendo a dar uma ou duas horas – ou até dias – para repensar no que eu fiz de errado, mas a minha atração por Fights in Tight Spaces falava mais alto. É aquele cochicho no ouvido que te diz “Ei, você jogou a carta X, o que aconteceria se tivesse a carta Y? Que tal tentar de novo?”.
E lá vou eu para mais uma run, mais uma tentativa de decifrar o que deu errado na minha última partida e aprender a fazer melhor da próxima vez. Só de escrever esse texto eu já pensei em umas outras cinco ou dez maneiras de ter completado uma luta sem ter tomado dano.
Você deve estar se perguntando qual é a pegadinha da versão de acesso antecipado de Fights in Tight Spaces não é? Pois bem, não existe. O que a Ground Shatter planeja implementar nos próximos meses limita-se a refinamentos na interface, feedback da comunidade, novos tipos de chefões, inimigos, locais e objetivos secundários – sendo os dois últimos itens os únicos que eu posso destacar como o “ponto fraco” do jogo. A meu ver, Fight in Tight Spaces está praticamente pronto e as rebarbas presentes são tão pequenas que se não tivessem me falado “olha, nós vamos adicionar mais conteúdo” antes do lançamento eu não teria notado. Até mesmo os locais de combate, por mais “repetitivos” que estejam no momento da publicação desta matéria, são bem utilizados dado a quantidade de variações de inimigos e o posicionamento dos mesmos.
Ainda é muito cedo para dizer quais serão os meus favoritos de 2021, mas a não ser que algo totalmente revolucionário apareça na esfera de deckbuilders, Fights in Tight Spaces já garantiu um lugar nessa lista. E mesmo aqueles que optarem por pegarem a versão de acesso antecipado (lembrando que há um prólogo no Steam caso queriam testá-lo), terá em mãos um dos mais refinados deckbuilders em que já pus minhas mãos.
É desafiador, elegante, fácil de aprender, mas complexo o suficiente para não gerar “estratégias repetitivas”, e sempre um deleite de se jogar. Só, por favor, preste atenção onde o seu personagem está em relação aos inimigos. Tomei tanto soco de graça por causa disso que vocês não tem ideia. Ainda bem que eles não doem na vida real!