Acho incrível que, mesmo com vários exemplos e anos de história de jogos espaciais, algumas desenvolvedoras ainda lutem para distinguir um jogo espacial e um jogo que “se passa no espaço”. No caso de Everspace 2 (Steam), ao menos em sua versão de acesso antecipado, é mais um caso de um jogo que “se passa no espaço”. Não tinha como começar pior.
Abandonando o estilo roguelite do seu predecessor, Everspace 2 opta por um viés mais “open world”. Missões primárias, secundárias, jobs aleatórios, áreas secretas. Aquele arroz com feijão que você encontra em qualquer título que decide seguir essa estrutura.
Olhando pelo lado mais mercadológico da coisa, mudar a estrutura de um jogo da forma como a Rockfish Games fez foi uma baita jogada arriscada – primeiro por ignorar a “fanbase” inicia, segundo porque eles já tinham uma base muito sólida para um roguelite de combate espacial. O que, para minha surpresa, pouco foi usada para Everspace 2.
Perdoe-me se soar nostálgico demais, mas quando eu leio “open world” no espaço eu penso algo como Wing Commander Privateer, Freelancer, X4: Foundations ou até o falho porém divertido Rebel Galaxy Outlaw. Todos os jogos citados têm os seus prós e contras; Rebel Galaxy Outlaw acerta no combate enquanto X4: Foundations é mais voltado para quem curte logística. Até então Everspace 2 só conseguiu me provar uma coisa: que ele tem uma estrutura para ser um “looter shooter” espacial.
Se visto sob essa lente, Everspace 2 é um jogo no máximo competente. Enquanto Everspace te obrigava a fazer escolhas que poderiam definir se a sua run ia dar certo ou ia para as cucuias, o máximo que Everspace 2 te pede é “você quer +3% de ataque ou +10% de defesa?”
Os números em si não são o problema; quase todo jogo que usa algum tipo de “níveis” para equipamentos acaba caindo em alguma dessas armadilhas onde o retorno não compensa o investimento. Entretanto, isso tende a acontecer em níveis altos ou nas áreas finais, não depois de eu ter completado os dois setores disponíveis na versão de acesso antecipado.
As maiores escolhas que fiz durante o acesso antecipado eram quais variantes de armas usar na minha espaçonave. Mais uma vez, uma fantástica ilusão de escolha, mas outra que está quase inteiramente ligada ao problema citado acima. Os equipamentos variam de “armas que causam mais dano ao escudo” e “armas que causam mais dano a armadura”. De vez em nunca você achava uma que tinha “-2s” de recarga. Motivo para comemorar, não? Pft, que nada. Esses dois segundos a menos não servem para quase nada, especialmente quando se trata de entrar em combate.
Neste ponto eu nem sei dizer bem ao certo o que está de errado com Everspace 2. Passei horas e mais horas alternando entre Everspace e Everspace 2. Everspace me mostrava inimigos capazes de desviar dos meus mísseis, fazer manobras evasivas e atacar de diferentes ângulos. Já Everspace 2 coloca pilotos suicidas que não sabem fazer uma manobra sequer. O maior trabalho que eu tive foi conseguir acertá-los por conta da quantidade absurda de informação inútil que o jogo te dá (Desative “mostrar os números de dano” para você conseguir aproveitar melhor o jogo”). A única vez que eu morri foi quando dez naves me cercaram e eu não tinha para onde escapar.
Mas digamos que eu decida dar o braço a torcer e falar “ok, esses inimigos são das áreas iniciais e eu não deveria esperar algo avançado deles, essas áreas são quase como um tutorial”. Ainda assim, por que diabos nem mesmo um “chefão” que aparece na história principal consegue fazer o básico das naves do primeiro Everspace?
A história, por incrível que pareça, foi – e até onde eu vi pode ser – a salvação de Everspace 2. As missões até então não são incrivelmente variadas mas o diálogo entre os personagens – como Adam, o protagonista do primeiro game, que tem de esconder de todos que é um clone, é caçado por um grupo desconhecido, e esbarra em uma oportunidade de ficar rico – são ótimos motivadores. É uma narrativa que te deixa sempre com a pulga atrás da orelha. Fiz perguntas como “Por que aquele grupo está atrás de mim?” ou “Para que serve essa base abandonada?”, mas sei que só terei as respostas lá para o meio de 2022.
Eu teria me dado muito por satisfeito se a Rockfish tivesse falado “Aqui está o acesso antecipado de Everspace 2 e dessa vez iremos fazer um jogo com uma história linear e missões secundárias”, mas como tudo hoje em dia tem que ser “open world”, a tal estrutura looter shooter espacial citada anteriormente só serve para prejudicar o ritmo do jogo.
O esquema é praticamente o mesmo para missões secundárias e jobs aleatórios. Vá até uma área, elimine inimigos, talvez resolva um quebra-cabeça e você ganha um item novo, alguns pontos de experiência, e quem sabe você sobe de nível.
Ah sim, níveis! Quase me esqueci deles. Pois é, Everspace 2 possui um sistema de níveis e perks (chamar o sistemas de RPG seria um desserviço para o gênero). Para o que ele serve? Bem, primeiro para fazer você gastar materiais como minério em “vantagens” como poder usar o raio trator em objetos que estão a 800m de distância ao invés de 700m, uau! O segundo uso é para te bloquear de acessar áreas mais avançadas do mapa e fazer com que os inimigos cresçam junto com você – o famoso “level scaling”.
Resultado: Você tem um jogo em mundo aberto com missões secundárias repetitivas, cujas recompensas não passam de obter mais materiais para avançar nas perks, e você nem pode se gabar de que está avançando pois o seus inimigos estão em pé de igualdade. Para que diabos então eu vou me preocupar se minha arma dá “+3% de ataque” ou “+5% de defesa”? Os inimigos vão ter o mesmo equipamento que o meu!
Para que diabos eu vou me preocupar em avançar habilidades que vão de uma explosão EMP até um boost que deveria servir para escapar de situações arriscadas quando os inimigos não são uma grande ameaça? Por que a Rockfish Games criou um jogo cujas mecânicas se autossabotam e engolem umas às outras?
Acredite, eu não estou aqui para estraçalhar a versão de acesso antecipado de Everspace 2, mas quanto mais eu jogava, mais eu me perguntava a razão de continuar a jogar e o porquê de algumas mecânicas do antecessor não estarem presentes. Uma delas, por exemplo, é o scanner de área. Ele fazia uma varredura na região que você estava e te mostrava possíveis pontos de interesse e / ou materiais para serem obtidos. Everspace 2 pega esse sistema, o transforma em uma habilidade passiva e força você a explorar na mão – o que seria ótimo se…. a exploração não resultasse em ainda mais combate.
Eu sei que para alguns a ideia de “explorar” sozinho pode soar até recompensador, mas para mim todas as recompensas – itens, matérias-primas, comodidades que eu podia vender em estações – eram só mais uma cenoura na vara que a Rockfish Games criou para Everspace 2. Sabia que os pontos de interesse que não visitei só me trariam combate, combate, e mais combate. E quando um dos sistemas-base do seu jogo sequer está no mesmo grau de qualidade do antecessor, é difícil se empolgar com qualquer coisa, ao menos pra mim.
Imagine que interessante seria se Everspace 2 tivesse pego o sistema de scanner e usado para algo mais elaborado? Quem sabe ativá-lo de tempos em tempos para encontrar sinais secretos no mapa ao invés deles aparecerem aleatoriamente, ou para obter mais informações sobre uma facção específica. Céus, poderia mesmo ser usado só no combate para dar bônus de dano se a direção for esta, mas não deixe o jogo tão sem sal assim.
Eu teria deixado de levar isso mais em conta se ao menos Everspace 2 não tivesse virado para mim e e apontado: “Olha, eu sei que muita coisa precisa ser melhorada mas o que você vê aqui é a base do nosso jogo e iremos expandir em cima dela”. Em cima do que, exatamente? Missões secundárias sem sal? Sensação de descobrimento tão superficial quanto as melhorias das minhas naves? Se esta é a base sobre a qual Everspace 2 será erguido e construído, essa base não é para mim.
Existe um jogo bom escondido no meio dessa zona de sistemas; talvez ele se limite às missões principais, ou quem sabe ele apareça na medida em que novas regiões sejam lançadas. Mas no momento ele é só mais “um jogo no espaço” que luta para entender que nem toda interação precisa ser resolvida na base do combate. Pode ter altíssimos valores de produção para um jogo “indie”, mas beleza não é o suficiente para esconder os notáveis problemas estruturais.
O que me resta é esperar e torcer para que a Rockfish Games note esses problemas nos próximos 12 a 18 meses, e acabe encontrando o “Everspace 2” que está perdido em meio a um mediano jogo no espaço que poderia muito bem ter saído de um catálogo da Ubisoft. E desses a minha biblioteca está cheia.