Existem dois jogos sendo construídos dentro de Enlisted (PC / Xbox Series S/X): O primeiro, pela Darfklow Software, que mesmo em fase alpha já demonstra um imenso detalhismo em relação ao frente do Leste Europeu da Segunda Guerra Mundial. O segundo é formulado pela Gaijin Entertainment. Tamanha colisão de dois mundos bem distintos no que diz respeito ao design faz com que jogar Enlisted seja uma experiência peculiar… para não dizer destoante.
A versão alpha, disponível para quem compra pacotes de pré-venda no PC ou a versão Xbox Game Preview, traz um assustador trabalho de pesquisa sobre a região da defesa de Moscou em 1942. Embora os locais dos mapas não sejam reais, as cidades de Kirov, Orel, Livny, Vyazma, dentre tantas outras, se mostram como uma forte inspiração para Darfklow Software.
Tais cidades, como grande parte da União Soviética no período, serviam para a produção de alimento tanto para consumo próprio como para o envio para Moscou — ainda mais no período de Guerra. O resultado são mapas incrivelmente cativantes de se explorar, não só pelo seu terreno, mas pela maneira como a Darkflow Software transforma o terreno em si em um campo de batalha, que em outros shooters seria considerado desbalanceado.
Para o bem ou para o mal a Darkflow Software ignora o tão comum “three lane” em shooters arcade. O nome pode não ser muito conhecido fora de comunidades como Counter Strike e Call of Duty, mas em suma é criar um mapa com três vias principais para garantir que o confronto ocorra primariamente nelas. Até War Thunder (ao menos o modo de combate entre tanques) usa e abusa desse sistema na maioria dos mapas. Vê-lo ser trocado por um sistema que pode demorar a fazer com que você se acostume com o mapa, mas permite táticas mais avançadas, é um grande alívio para mim.
Mas o que faz Enlisted realmente funcionar para mim é o seu modo de esquadrões. Ao invés de controlar um único personagem, você torna-se um líder de um esquadrão com outros soldados controlados pela IA. É uma maneira “simples” mas bem inteligente de fazer mapas se tornarem mais “vivos”. Dar ordens a eles se torna algo quase que automático depois de umas partidas, e na maioria do tempo eles as cumprem sem maiores dores de cabeça — um baita feito para um jogo que está em alpha.
Melhor dizendo, Enlisted traz feitos enormes para um jogo que ainda claramente está em desenvolvimento. A movimentação dos personagens, a variedade de armamentos e os seus respectivos prós e contras, a forma como cada esquadrão tem a sua peculiaridade, batalhas entre tanques que não desequilibram uma partida. Imagine pegar o seu esquadrão, flanquear uma posição inimiga com granadas de fumaça e ordenar que eles avancem em direção a um ponto de captura? Imagine que a IA não só fará isto como eliminará possíveis oponentes? É fantástico ver isso em ação, ver que há um potencial de usarmos a IA em shooters para algo além dos soldados “enche-linguiça” vistos em Titanfall 1 e 2.
Porém, está tudo soando bom demais para ser verdade, não é? Pois bem, tudo o que foi mencionado até então é verdade, mas vem a um custo muito alto: a ganância da Gaijin.
Como disse no começo do texto, existem Dois Enlisted ocorrendo em paralelo: o shooter que abandona muitas mecânicas pré-estabelecidas no que diz respeito a mapas e táticas em jogos arcades e o shooter que precisa lidar com o fato de que ele será free-to-play no lançamento, e requer todas as artimanhas tão bem conhecidas da Gaijin Entertainment.
Se você já jogou War Thunder, World of Warships ou similares, sabe das dores de cabeça que eu falo: o imenso e absurdo grind requerido para a mais patética das evoluções. Enlisted pega o sistema e eleva à última potência.
Cada esquadrão é formado por 5 soldados, cada soldado tem um nível específico; ao subir de nível é possível liberar novas perks de acordo com os principais atributos deles — um soldado com mais “vitalidade” pode se curar mais rápido fora do combate, enquanto o soldado mais “ágil” libera perks que permitem que ele ande agachado mais rápido, prenda a respiração por mais tempo e por aí vai.
Como se isso já não bastasse, cada soldado tem o seu inventário pessoal que você tem que gerenciar. Novas armas são obtidas por meio de itens especiais chamados “Logistics Requests” e novos soldados chegam via o uso do item “Troops Requests”. Para fechar com chave de ouro, os esquadrões possuem três árvores de habilidades passivas que são liberadas na medida em que elas ganham experiência pelo campo de batalha.
Isto deu um nó na sua cabeça? Pois bem, imagine a quantidade de micro gerenciamento desnecessário que acontece fora das partidas de Enlisted. É um move soldado pra lá, move soldado para cá, verifica se o equipamento está correto ou não, ajusta as perks, melhora a árvore passiva dos esquadrões. O pior é que grande parte disso é feito por uns dos menus menos intuitivos que eu já tive o desprazer de usar.
Copiar o inventário de um soldado para outro? Nada disso! E se você não possuir o mesmo equipamento em estoque? Um menu que deixe você ver todos os soldados disponíveis e designá-los para cada esquadrão? Esquece essa, você tem que entrar em cada esquadrão, ir no painel de gerenciamento, e só assim é possível ver quais reservas podem ser usados ou não.
Se eu tivesse nascido ontem eu imaginaria que isto é só um pequeno problema da versão alpha e que será corrigido em futuras atualizações. Mas eu joguei jogos da Gaijin Entertainment demais para saber que este design é proposital. A publisher russa quer que você fique nesta eterna rodinha de hamster para desbloquear mais soldados, mais armamentos, mais equipamento secundário, mais de tudo.
Me desculpe, mas é patético um jogo me fazer “grindar” para liberar algo tão básico quanto uma granada. É uma imensa perda do meu tempo e do tempo dos incríveis desenvolvedores da Darfklow Software. Os efeitos podem não ser sentidos na atual fase de Enlisted, mas vendo o histórico de War Thunder — e como a Gaijin tem tentado extrair o máximo de cada usuário — Enlisted vai cedo ou mais tarde virar outra máquina para caçar dinheiro de “baleias” (usuários que têm a tendência em gastar valores altíssimos em jogos free-to-play).
Mais uma vez eu bato na tecla e aponto a minha imensa frustração com títulos que tentam ser um “Games-as-a-Service” ou enfiar sistemas rasos para manter o jogador preso a ele. As próximas campanhas de Enlisted, que envolvem o cerco a Stalingrado, a campanha no fronte ocidental da Europa e tantas outras promessas da Darkflow me deixam empolgado para o seu futuro.
Mas, até onde eu vou estar disposto a lidar com estes sistemas rasos, até onde aqueles que pagarem o preço mais alto por soldados “especiais” — ou seja lá qual é a próxima ideia da Gaijin Entertainment — vão começar a dominar os campos de batalhas?
Meu dedo coça para voltar para mais uma partida de Enlisted, para continuar a apreciar o detalhe dos mapas e como a Darkflow Software fez a base para um shooter competente. Acho melhor saborear esses momentos por mais alguns dias, semanas ou meses antes que a Gaijin estrague tudo. E, acredite, ela vai estragar.