“Deixa eu presumir, você errou de novo não é?”. “Sim, eu errei… de novo”, respondi à pessoa que estava na ligação comigo. “E você vai fazer tudo de novo”. “Vou”. “Mas vale a pena?”, “Olha, eu vou otimizar essa fábrica nem que eu passe o resto do dia nisso, ok?”. Esse diálogo poderia muito bem ter começado durante uma partida de Factorio, Satisfactory, ou a dezena de outros jogos de logística que estão por aí, mas ele surgiu bem por volta do lançamento de Dyson Sphere Program no Steam Early Access. O mais novo jogo de logística a entrar na minha biblioteca é o jogo com que eu tenho mais sonhado acordado nos últimos dias.
Feito pelos chineses da Youthcat Studio e um sucesso de Kickstarter em 2020, eu tinha poucas expectativas em Dyson Sphere Program. O conceito — construir uma esfera de Dyson, megaestrutura que foi teorizada nos anos 50 como capaz de capturar uma estrela e usar a sua energia — é atraente, mas a velocidade com que ele saiu de um projeto do Kickstarter para um jogo em acesso antecipado me assustou. “Lá vamos nós para mais um jogo que não vai cumprir a sua promessa”. Surpreendentemente, ele cumpre! Bem, ao menos parte dela.
Se fosse para colocar em níveis de complexidade, Dyson Sphere Program não chega a ser tão intricado quanto Factori,o tampouco me deixa entediado devido à não geração procedural e à visão em primeira pessoa de Satisfactory. De certa forma é como se a Youthcat tivesse olhado para “Factorio” e falado: “Ok, é um ótimo jogo, mas o que podemos fazer para atrair um público ainda maior”?
No fundo, o que a Youthcat fez é nada mais do que mudar o foco do microgerenciamento para o macrogerenciamento. Construir uma esfera de Dyson significa construir fábricas em múltiplos planetas, priorizar quais planetas têm as matérias-primas que você precisa, qual é a translação e rotação dos mesmos, o quanto de matéria prima esse planeta possui e quanto de área construível você pode tirar dele.
Como eu tenho muito mais experiência em Factorio do que em outros jogos no estilo, eu acabei erroneamente me focando no microgerenciamento durante as primeiras horas. Constrói fábrica, desconstrói fábrica, constrói correias transportadoras, desconstrói para achar uma posição mais otimizada. Nesse lado Dyson Sphere Program é muito mais “direto ao ponto”; você não precisa se preocupar tanto — por exemplo — se o seu insersor ou removedor de itens está exatamente alinhado com a fábrica de manufatura, tampouco precisa se preocupar se você está com o item certo, já que alguns servem para múltiplas funções.
Um exemplo prático dessa praticidade é a árvore de pesquisa e como você progride nela. Ao invés de ter múltiplas fábricas para variados tipos de pesquisa, você tem uma fábrica só para um tipo de pesquisa. Ainda é mais vantajoso ter várias fábricas desenvolvendo o item de pesquisa (inserir nome), mas já é um passo a menos na hora do aprendizado.
Aliás, falando em aprendizado, o jogo – mesmo nos estágios iniciais – conta com um robusto tutorial sobre os principais conceitos que você precisa aprender. Não chega a ser um “vem cá que eu vou te dar a mãozinha e te guiar”, mas é o suficiente para que até os mais novatos do gênero possam aprender com certa rapidez.
Não tardou para que Dyson Sphere Program começasse a dar os seus primeiros sinais de que “ele é mais complexo do que aparenta à primeira vista”. Focar-se em ter mais de um planeta explorável significa que nem todo recurso vai estar presente no seu planeta de origem, que o seu planeta de origem pode não ter ventos tão fortes para gerar energia suficiente para as bases, e o movimento de rotação define por quanto tempo os painéis solares irão obter energia e transferir para baterias.
Soou como um gigantesco emaranhado de sistemas feito para dar um nó na sua cabeça? Você acertou em cheio! É aqui que Dyson Sphere Program se sobressai em relação aos outros jogos do mercado, mas também destaca o fato de que ele ainda está em acesso antecipado.
Eu gosto muitíssimo da teoria de você ter tantos elementos para levar em conta na hora de expandir a base; no momento, o que acontece é que ele ainda não oferece uma interface de produção / consumo de recursos global. O que é uma ligeira dor de cabeça, para não dizer outra coisa.
O meu planeta natal infelizmente não possuía carvão para energizar todas as minhas fábricas; minha única opção foi entupir de usina eólica e torcer para que desse conta do recado. Assim que liberei a opção de viajar para novos planetas fui em busca de um que satisfizesse a minha segunda linha de produção — a de materiais para construir a esfera de Dyson. Mal sabia eu que, apesar de ter encontrado um planeta com carvão, o carvão não seria suficiente para abastecer a linha de produção – e com isso acabei dependendo de energia solar. Como o seu movimento de rotação era mais rápido que o do planeta anterior, era como uma batalha constante para tentar suprir a minha grade elétrica.
Tais problemas não aparecem nas primeiras dez ou quinze horas de jogo, ainda mais quando a construção da esfera é um trabalho monumental e no momento uma das partes que carece do tão bom tutorial que foi mostrado durante o início do jogo. Até a publicação dessa matéria, estou com mais de 30 horas de jogo e nem cheguei na metade dela. Mas também devo salientar que recomecei a partida várias vezes. Afinal, “constrói e reconstrói fábricas e linhas de produção” é o lema desses jogos e especialmente de Dyson Sphere Program.
Em outros tempos eu teria deixado Dyson Sphere Program de lado, me frustrado com a falta de um ou outro componente que a desenvolvedora planeja adicionar. Entretanto, a ambientação — seja do ponto de vista estético até a trilha sonora — é mais atraente que a desolação do planeta de Factorio ou a transformação da bela paisagem de Satisfactory em uma gigantesca indústria. Embora não caiba aqui discutir se a Youthcat trará temas sobre a indústria e destruição da fauna local, eu digo que ao menos ela acerta um equilíbrio entre manter a beleza de cada planeta e demonstrar a magnitude do seu império.
Parei incontáveis vezes para ver meus pequenos robôs trabalharem, minhas linhas de produção transportarem materiais como ferro, cobre, carvão e tantos outros materiais. Cada planeta era uma nova visão deslumbrante, uma oportunidade de começar de novo e repensar a minha fábrica, torná-la ainda mais eficiente, e voltar aos planetas anteriores e fazer os devidos ajustes. Ah, como adoro esse tipo de jogo.
Muitas das minhas críticas aqui vêm do fato óbvio que Dyson Sphere Program está em acesso antecipado e assim deve continuar por pelo menos mais um ano. Não há a presença de inimigos, não existe suporte para blueprints como em Factorio — o que faz o processo de construção de bases ainda mais lento — certas mecânicas como dito acima não são bem explicadas, várias partes do jogo requerem aquela boa dose de polimento e a equipe da Youthcat Games ainda tem muito serviço para mostrar pela frente.
Mas o que Dyson Sphere Program não tem de polimento, ele tem de fundação. Ele abre uma nova fronteira que nenhum jogo sobre logística desse escopo tinha conseguido até então: criar acessibilidade para aqueles que têm interesse, mas ficam amedrontados com a quantidade absurda de conhecimento “prévio” necessário para começar a jogar.
Pelo que a desenvolvedora comentou dos planos para os próximos meses — que já incluem uma ferramenta para gerenciamento logístico e ferramentas para melhorar as construções de forma mais ágil — ela está mais do que no caminho certo para tornar Dyson Sphere Program um gigantesco sucesso. Meu coração ainda vai continuar com Factorio por ora, mas não tenho dúvida de que eu vou arranjar um lugar para ambos os jogos quando o momento for certo.
E se você é um desses que tem receio de aprender esses programas logísticos, cheios de detalhes e outras coisas, coloque Dyson Sphere Program na sua lista e acompanhe-o bem de perto; ele pode ser a sua porta de entrada para um dos subgêneros que mais me atiçam a criatividade nos últimos tempos.