Quando você se vê em frente a um mar de jogos de estratégia 4X constantemente derivativos de Master of Magic, Master of Orion ou Civilization, ocasionalmente poderá ver uma gota de esperança cair nele como um trovão, e mudar a sua perspectiva do gênero. A gota da vez é Driftland – em desenvolvimento pela Star Drifter e atualmente em acesso antecipado – e tem uma mistura de elementos de 4X, estratégia em tempo real e….Majesty?
Majesty, aí está um nome que eu não esperava citar tão cedo em um texto. O game de 2000 da Cyberlore Studios vinha com uma proposta inusitada para o gerenciamento indireto de unidades, e a Star Drifter se apropria desse conceito brilhantemente.
Quando se imagina o ato de ordenar uma unidade a realizar uma tarefa, imediatamente vem à cabeça o clicar em um tile ou área do mapa e a ação ser realizada. Tanto Majesty como Driftland transformam esse conceito em uma “lista de afazeres”, onde a unidade precisa ser motivada a realizar a tarefa. Quer explorar uma nova área? Vai te custar dez moedas de ouro. Lutar contra um inimigo e obter um tesouro? Pode desembolsar mais dinheiro.
Não ficaria impressionado se esse sistema te lembrasse de Rimworld ou Dwarf Fortress, que usam a priorização de tarefas de acordo com a proficiência de cada personagem da colônia. De certa forma, são parentes distantes de Majesty – ou mesmo seus descendentes.
Mas quando o assunto é um 4X que segue um viés tradicional, ouro é considerado como uma unidade de manutenção fixa, usada para manter unidades “na linha” (no caso de Civilization), para comprar novas edificações ou avançar tecnologias. Por consequência, é comum que tais jogos acabem com partidas mid e late game onde o jogador possui mais dinheiro do que é necessário.
Em nenhuma partida de Driftland eu fiquei com um saldo positivo no caixa, pelo contrário, queria mesmo era mais ouro.
Todos os caminhos levam a um único ponto: otimização – um dos principais pilares, e um dos mais mal explicados em um jogo de estratégia. Seja Stellaris, Civilization, Galactic Civilizations, o resultado é o mesmo: “aprenda apanhando”, diz o jogo. Não vejo como uma boa abordagem no âmbito de estratégia.
Ao estabelecer que a otimização de recursos é um ponto crucial desde o princípio, Driftland faz esse aprendizado tomar um rumo natural. Um dos pontos que tornam esse aprendizado algo mais prático é a própria estrutura do mapa, composto por ilhas flutuantes.
Com magias o jogador pode aproximá-las da base, criar pontes e enviar exploradores para descobrir quais riquezas estão escondidas nelas. Algumas são excelentes para obtenção de madeira, outras para moedas de ouro ou pedras preciosas. O que acontece quando uma ilha é carente de recursos? Destrua a ponte, puxe outra ilha e reorganize o mapa.
Claro que o sistema possui limitações para tornar as partidas equilibradas, mas definitivamente cria uma linha de pensamento de: “Se essa ilha não tem os recursos que eu quero, qual outra que tem?”, Driftlands se apoia muito no aspecto visual para definir isso, onde ilhas com montanhas são garantia de um grande depósito de pedras e ilhas com florestas são excelentes para a construção de fazendas e madeireiras.
Entretanto, o aspecto estratégico de tais ilhas não pode ser descartado. Ao estabelecer uma zona de defesa é necessário também levar em conta elementos como a distância entre você e o oponente, e onde e como preparar defesas. Vale a pena pegar uma ilha menor com depósitos de ferro, mas com espaço para somente duas edificações? Por um lado, essa ilha vai alimentar o exército com armamentos, por outro, a distância entre o seu inimigo e a base é encurtada. Tantas variáveis podem fazer parecer que Driftlands é um malabarista que tenta equilibrar pratos, mas se ele for, não deixou nenhum prato cair.
A transição para o mid e late game foi quase imperceptível. Novos recursos são adicionados, como o rubi – usado para recrutar unidades neutras – e carvão. Mais uma vez, eles não aparecem no mapa como mágica (algo bem comum em jogos de estratégia 4X) ou ao descobrir uma tecnologia. Assim que um explorador procura uma ilha por materiais raros eles já são dispostos no mapa. Agora é questão mais uma vez de, obviamente, otimizar.
Com isso vem a minha ferramenta favorita de Driftland, o slider global; nele você define a quantidade de trabalhadores que cada indústria deve ter. À medida em que avança no mapa, mais atenção deve ser prestada nele, mas sem uma sensação de pressão ou sobrecarga.
O sistema veio à tona em sua plenitude em meio a um confronto no meio do mapa. Com duas ilhas que tiveram suas pontes destruídas e, consequentemente recursos perdidos temporariamente, estava em uma encruzilhada. Devia eu reduzir a quantidade de alimento até que retomasse a posse ou interromper a produção de ferro, já que dei a batalha como vencida?
Optei pela pior decisão e interrompi a produção de ferro. A inteligência artificial fez a festa em cima das unidades e eu não tinha um exército reserva para combater. Desesperado, retornei ao normal, mas enfrentei uma segunda crise – a tomada de território inimiga desestabilizou as minhas fontes de alimento (fazendas).Observei meu império sucumbir lentamente como um dominó.
Quando visto como um espectador, pode parecer que essa ideia de slider global não tem peso ou que é uma funcionalidade que “deveria estar em todos os jogos”. Ela só não está, como muitos jogos 4X tornam tal otimização um processo tão complicado que muitas vezes é melhor deixar de lado para não se irritar. Se o controle indireto das unidades soou como algo negativo, o controle direto das finanças mitiga todo e qualquer prejuízo causado pela decisão.
O slider também serve como uma importante ponte para o aprendizado daqueles que tem medo das intricadas, e, às vezes, obtusas mecânicas presentes em 4X. Como lidar com um império se nem ao menos a interface colabora? Clicar em duas, três, quatro, dez fazendas para alocar trabalhadores? Nada disso, use o slider global. Aqueles mais metódicos, como eu, podem efetuar o mesmo processo naturalmente.
No entanto, de todos os avanços de Driftland, ainda há muito trabalho a ser feito para introduzir o que eu considero como mecânicas secundárias: aquelas que não comprometem diretamente o aproveitamento do jogo, mas tendem a ser importantes nos momentos finais da partida. Nestas estão as pesquisas, uso de itens mágicos e ferreiro. Quando não estão escondidas por ícones não rotulados (só fui perceber que havia pesquisa para redução de custo de edificações na minha terceira partida), estão ligadas a construções que não se interligam muito bem com o restante do jogo.
O melhor exemplo disso vem do ferreiro, que garante equipamentos mágicos para as unidades. Ao criá-lo, presumi que os meus soldados automaticamente receberiam os benefícios – mas o inverso aconteceu. Era eu que tinha que ordenar que os soldados fossem até o ferreiro buscar o equipamento, uma bizarra discrepância em relação ao controle indireto até então tão proeminente em Driftland.
A pesquisa, ou por melhor dizer, a quase ausência dela é outro assunto cabeludo a ser discutido. Pontos de pesquisa são raros e custam muito ouro e até o presente momento oferecem baixas recompensas. Salvo a redução de custo por edificação, o restante vai de módicos 4 a 5% de aumento de dano -o que equipamentos de ferreiros já fazem com maior eficácia – a aumento de dano de poderes mágicos usados pelo jogador. Coisa que, ao menos na minha metodologia de jogo, foi usado só esporadicamente.
A despeito de todos os negativos citados, não deixo de manter a minha expectativa altíssima para o lançamento de Driftland no ano que vem. Há tempos que não via uma mistura de gêneros (ou subgêneros) que se encaixasse tão bem, que me fizesse pular da cadeira de ansiedade pela expectativa de ver o projeto completo – com novidades como campanhas, novas unidades e maior variedade de terrenos. De alguém que estava até alguns meses atrás saturado de 4X, ver meu interesse voltar com toda força me fez muito, muito bem. E é também uma boa lembrança de que olhar para o passado pode ser uma ótima fonte de inspiração.