“Eu vou reduzir a quantidade de ‘souls-likes’ que cubro”, disse a mim mesmo em 2021. Começo 2022 jogando um “souls-like”. Irônico, não? Abro uma grande exceção para Dolmen (PC / PlayStation 5 / Xbox Series X) por conta não só de estar em produção pelos brasileiros da Massive Work Studio, mas também por ser um dos poucos que não me fez sentir completo tédio.
Sejamos sinceros, a fórmula base de um souls-like já está mais do que batida — tanto que eu evito ao máximo usar o termo, já que para mim ele perdeu todo o sentido. Dolmen merece ser referenciado como um por ao menos tentar — e em muitas áreas — adicionar novas ideias, e não usar a nomenclatura como artifício para “um jogo ‘difícil’ que por um acaso tem uma barra de stamina e você perde seja lá qual a essência que é usada para subir de nível ao morrer’”.
Mas não vou colocar a carroça na frente dos bois. Antes mesmo de eu notar as novas mecânicas, Dolmen já me prometia algo “diferente” dentro desse subgênero: uma ambientação sci-fi, um planeta tomado por seres estranhos, e mistérios atrás de mistérios. A versão preview, enviada pela Prime Matter, me deixou explorar duas áreas bastante distintas. A primeira apresenta o começo da história do protagonista no planeta de Revion Prime, enquanto a segunda explora mais a fundo como a história vai evoluir quando seu personagem está em um nível razoavelmente alto.
“Ta bom Lucas, mas até agora isso soa um tanto… seguro”. Eu sei! Entretanto, a Massive Work Studio pega o que soa seguro e usa os pontos fortes dele para desenvolver uma estética que não necessariamente condiz com o que se espera de um “souls-like”. Os corredores e ambientes macabros ainda estão presentes, é claro, mas eles são muito bem pontuados por áreas mais iluminadas e zonas que induzem você a imaginar que está explorando uma área de pesquisa secreta. O efeito é acentuado pela iluminação muitas vezes uniforme e pelo quão “estéreis” as zonas aparentam ser.
A Massive Work Studio usa a ambientação também como uma ótima pegadinha. Em vários momentos eu me senti “baixando a guarda” e sendo pego de surpresa por algum monstro que pulava de onde eu menos esperava. Não chegava a dar susto (ufa), mas ser pego desprevenido em um estilo de jogo onde você já está tão acostumado a presumir a localização das armadilhas é uma ótima e muito necessária mudança de ritmo.
Mas, como aludi no começo do artigo, a mudança mais importante que Dolmen faz não está necessariamente na ambientação ou nos visuais — por mais que eu queira tirar o chapéu para ambos — mas sim em pegar a fórmula e brincar com o uso de “stamina” e energia, o equivalente a “mana”.
Ao invés de tratá-las como elementos distintos, a Massive Work Studio faz com que elas sejam importantes em diferentes ocasiões. Stamina determina quantos golpes você pode dar antes de ficar sem fôlego; já energia é usada como um elemento base para você recuperar a sua vida e também para ativar habilidades elementais — que nada mais são do que reatores equipáveis na tela de personalização de personagem.
Como alguém que adora se debruçar para descobrir a melhor maneira de enfrentar um chefão ou melhorar o personagem, a abundância de habilidades elementais em Dolmen é como uma bênção. Todo inimigo que enfrentei é fraco contra um certo tipo de elemento. E quando eu digo fraco, eu digo: pode ser a diferença entre passar de uma área sem a menor dor de cabeça e ter que encontrar uma rota ou estratégia para despachar os inimigos para outro mundo.
Quem me conhece sabe que eu não escrevi o parágrafo acima antes de ser um baita teimoso, bater a cabeça contra a parede, trocar de armas dezenas de vezes e falar “por que diabos essa espada / rifle / pistola não está causando o dano que eu quero?”. Demorou até eu entender o que Dolmen queria de mim: experimentação.
Embora ele não faça isso em todas as suas facetas — certos tipos de equipamentos ainda requerem atributos específicos para serem viáveis —, ter essa motivação de trocar de elementos sem ter que passar pelo trabalho de reexaminar toda a sua “build” é, ao meu ver, crucial para impulsionar o jogador a pensar em formas diferentes de resolver situações. Muitos “souls-likes” e derivados tendem a te prender demais em um estilo pelo resto da campanha.
A cereja no topo do bolo quando o assunto é personalização em Dolmen é o seu sistema de crafting. Se ter a chance de experimentar diferentes formas de combate sem medo de ser punido é bom, ter um sistema de crafting que segue uma linha similar concretiza que esse é o estilo que mais me interessa no futuro dos “souls-likes”.
Tais conceitos foram mais bem explorados na segunda área da versão preview, que trocou corredores infestados por monstros para uma área aberta com máquinas de escavação, dezenas de inimigos que podem ser descritos como “humanoides”, e uma boa dose de armadilhas. Nesta área o meu personagem já estava nível 38 e com equipamentos bem diferentes daqueles que vi no começo. Ainda que alguns deles fossem similares em visual aos da primeira área, muitos vinham embutidos com materiais especiais que aumentavam o dano físico, de certos elementos, reduziam o meu consumo de stamina ou até energia.
Outra vez, é um conceito que já foi múltiplas vezes explorado em jogos, com um dos melhores exemplos sendo Nioh 1 e 2, mas Dolmen adequa a sua proposta de forma que a troca de armas ou armadura não seja tão assustadora e ainda assim impactante o suficiente para alterar a percepção dos desafios nos mapas. Existem exceções — como espadas ou rifles que requerem o uso de duas mãos e demandam mais investimento, tanto em materiais quanto em experiência — mas eu consigo ver a maioria das pessoas que se interessarem por Dolmen tendo uma boa dose de diversão descobrindo qual melhor combinação se adequa para oponentes específico.
Agora, por todos os sistemas bem estruturados que a Massive Work Studio me apresentou em Dolmen, existe um sistema crucial que não me satisfaz tanto quanto eu gostaria: o combate. Eu atribuo parte dos problemas a ser uma versão de preview, pois as diferenças entre a primeira zona e a segunda zona eram gritantes. Na primeira eu senti que cada arma tinha um peso, os inimigos reagiam aos ataques, dava pra sentir bem o impacto e havia espaço para respirar. Já na segunda era um total “deus nos acuda” que chegava a ser frustrante. Os inimigos “humanoides” praticamente ignoravam a animação de ataque; outras vezes eu vi o meu dano não ser contabilizado ou até ter a minha animação “cancelada” por um ataque oponente, mas sem o retorno visual necessário para entender o que estava acontecendo.
Tal discrepância é vista ainda melhor nos dois chefões presentes na versão de preview. O primeiro, uma forma peculiar de um aracnídeo, tinha uma movimentação mais pesada e calculada — esperado, dado que ele aparentava ser o primeiro chefão do jogo — mas também tinha uma melhor animação quando era atacado. Já o segundo foi puro sofrimento para entender como derrotar, já que muitos ataques dele eram difíceis de serem “lidos” devido a uma movimentação errática, efeitos visuais que não condizem com a distância do ataque, e outros pormenores que são justamente aquele “tempero especial” que transforma uma boa luta em uma fantástica luta.
Por conta disso, reservo o meu julgamento final sobre o combate de Dolmen quanto tiver a versão final em minhas mãos. Mas, no geral, devo dizer que estou bem contente com o que vi até o momento. A estética de Dolmen é interessante o suficiente para me manter investido, o seus sistemas já são muito bem fundamentados e intrigantes; seus mapas possuem múltiplos caminhos — sendo alguns deles barrados na versão de preview — que me dão aquela coceirinha de saber o que há por trás de uma porta. Digo com a mais plena convicção, não é fácil hoje um dia um “souls-like” despertar esse tipo de reação em mim.
Ainda é muito cedo para dizer, mas eu não ficaria surpreso se Dolmen acabasse sendo uma das grandes surpresas de 2022, mesmo em um ano em que teremos Elden Ring.
Veja mais imagens da versão preview de Dolmen abaixo: