Você gosta de programar? E de automação, também? Gosta de estratégia e de construir unidades? E se você juntar todos esses elementos em um dos jogos mais peculiares e ambiciosos que eu já vi entrar em acesso antecipado? Bem, você recebe “Desynced” (Steam) o jogo de estratégia da Stage Games. Digo, chamá-lo de jogo de estratégia a essa altura de seu desenvolvimento é um pouco de exagero da minha parte.
Assim que eu vi o seu anúncio em julho, imaginei que “Desynced” seria só mais um daqueles jogos que uniria elementos de “Factorio” com batalhas em tempo real. Céus, como eu estava errado – muito errado. Comparações podem até ser feitas, mas não chegariam aos pés do que o jogo é de verdade.
Para encurtar a história o máximo possível, “Desynced” é em primeiro lugar um jogo sobre programação e em segundo lugar um misto de automação e estratégia. Você começa com uma base extremamente básica após um pouso de emergência em um planeta desconhecido: você, uns robôs, matérias-primas e uma IA chamada “ELAINE” que vai ser seu guia durante o tutorial e te irritar de tempos em tempos para lembrar que você esqueceu de definir um comando.
O loop inicial é relativamente tradicional para quem já está acostumado com jogos de automação. Você deve transformar matéria prima em uma matéria básica, para depois transportá-la e virar um material avançado que então é usado para fabricar certos componentes ou edificações. A diferença entre “Desynced” e outros jogos é que, ao invés de você apenas “designar” o que uma unidade deve fazer, você também pode determinar condições para que essa ação seja feita.
Imagine o seguinte: Você tem um robô que coleta recursos. Ao invés de “apenas” clicar em uma área para coletar recursos, você pode designar qual tipo de recurso, qual é a área de descarga e quais são as condições para que isso aconteça. Se o robô estiver longe demais da rede de energia, ele poderá priorizar outro tipo de recurso, se ele encontrar um inimigo, ele deve recuar, ou se uma tecnologia específica está em produção, ele pode entregar esse recurso diretamente para o laboratório.
Dizer que a curva de aprendizado de “Desynced” é alta é ser bem, mas bem modesto. É, de longe, um dos jogos mais complexos que eu joguei até então em 2023 – e olha que eu tenho na minha biblioteca títulos como “Rule the Waves 3”, que por si só exige mais de 30h para que se tenha uma noção básica de como construir um navio.
São dezenas de módulos, estruturas, tipos de armazenamento, regras, exceções que podem ser aplicadas para todos os seus robôs ou até mesmo para as fábricas. “Pare de produzir torres de ataque e passe a produzir radares” é uma condição que você pode definir para uma das dezenas de fábricas que você provavelmente vai ter. Cada uma delas pode ter uma configuração específica ou até um conjunto de regras salvo. Eu não estou brincando quando digo que a curva para aprender isso tudo é altíssima.
Me lembro até de certa hora, durante a minha investida inicial no tutorial, onde eu olhava para a tela de recursos e regras, depois voltava para o mapa e pensava “Isso é demais para a minha cabeça, já são 19h e eu quero descansar”. Mas meu cérebro não queria parar, ele estava instigado em querer saber até que ponto “Desynced” ia, e posso te garantir uma coisa: ele vai muito longe.
Um dos pontos que me fez gostar tanto de “Desynced” está na sua modularidade. Em suma, toda unidade pode ser uma unidade de transporte, extração ou combate – basta ter o módulo necessário para realizar a tarefa. Uma unidade pode ser composta de vários módulos, sendo um ativo e de porte pequeno, médio ou grande, e dois passivos.
As unidades de combate, por exemplo, também seguem a mesma regra das unidades de transporte. Você pode colocá-las para patrulhar uma área, recuar caso encontre um tipo de inimigo ou até chamar reforços para derrotá-los. O grau de personalização neste aspecto de “Desynced” é, sinceramente, assustador.
Houve um dado momento durante a minha partida em que eu estava literalmente usando um sistema de “Blueprints” (tal como em engines como a Unreal Engine 4/5) para definir dezenas de parâmetros para os meus robôs de defesa. Soa como uma trabalheira? Pois é, e é. Mas, para mim, não deixa de ser fascinante.
Mais fascinante ainda é que tudo isso não só já está funcional, mas também pode ser jogado online com outros três jogadores. Digo, três pessoas com bastante tempo livre para aprender todos os conceitos de “Desynced”. Eu infelizmente não consegui convencer nem uma para testar uma partida rápida. Bem, dizer que uma partida rápida poderia durar mais de 6h talvez não tenha sido uma boa ideia.
Diria que tenho uma noção avançada de “Desynced”? Bem, em partes. Um dos principais motivos para ele estar em acesso antecipado é melhorar tal aspecto do jogo. Ele não é ruim, só está incompleto e não segura muito a sua mão quando mais se precisa. É o tipo de jogo que exige que você esteja mais do que preparado para investir pelo menos 10 ou 15h para entender certos conceitos, e ainda assim saber que está arranhando apenas a ponta do iceberg.
Nesta altura do desenvolvimento, “Desynced” ainda é mais focado em automação e exploração do combate. Vejo isso como um ponto bastante positivo, pois ajuda quem joga a se aclimatizar com suas dezenas de mecânicas e diferentes formas de construção modular. O máximo de ação que eu vi foi ter encontrado uma estrutura antiga que requer a solução de um quebra-cabeça e uma pequena horda de inimigos que a defendia.
A IA desses inimigos por ora é bastante “pacífica”. A não ser que você de fato invada o espaço deles ou, no meu caso, tente investigar a estrutura, você provavelmente não será atacado. Agora, se você cutucar os inimigos, pode se preparar para sofrer.
Ainda que eu tenha saído com uma experiência bastante positiva, especialmente por ser um gigantesco fã de automação, ainda há um longo caminho pela frente para “Desynced” e a Stage Games no geral. A versão final do jogo contará com uma segunda facção — que, de acordo com a desenvolvedora, funcionará de um jeito totalmente diferente — um modo história e novos tipos de ameaças – sejam tantos inimigos neutros como mutações nos planetas que vão afetar a obtenção de recursos, plantas invasivas e tantas outras promessas.
Pessoalmente eu espero uma repaginação considerável do sistema de combate, que no momento está sem impacto nenhum. As unidades fazem “pew pew” umas nas outras, mas o jogo carece daquele espetáculo que é ver um robô explodir. Tudo bem que é pedir um pouco demais de um jogo de automação, mas se “Desynced” se propôs a incluir combate, que ele esteja refinado em sua versão final.
Se a maioria dessas melhorias se concretizarem, “Desynced” vai ocupar o mesmo lugar no meu coração de jogos como “Virtual Circuit Board” ou até hoje o conceito mais “insano” que eu já vi, o de “Screeps: World” – um MMO onde o jogador deve usar Javascript para programar os seus robôs para defender e atacar bases inimigas.
A Stage Games está mirando em um tremendo mercado de nicho, e eu no mínimo parabenizo a audácia dela em fazer isso. Duvido que ele dê as caras no topo dos mais vendidos do Steam ou vire um sucesso da noite para o dia, mas mesmo que a sua versão “inicial” seja focada demais em automação, ele já é tão promissor que eu já estou muito entusiasmado para acompanhar o seu desenvolvimento de perto. Pode ter certeza de que eu não o deixarei de lado. Agora, não posso garantir que eu vou lembrar de todas as regras de automatização toda vez que voltar a jogá-lo. Ai meu coração, haja caderno para anotar tudo.