Durante uma curta conferência para a imprensa, a BlackBird Interactive (BBI) classificou Crossfire Legion como um jogo de estratégia em tempo real com uma considerável ênfase em macro (jogadas estratégicas, controle do mapa e gerenciamento de recursos). A versão final pode até chegar neste ponto, mas o jogo a que tivemos acesso durante a versão preview — a mesma usada para o teste beta no Steam — conta uma história bem diferente.
A melhor maneira de entender o conceito de Crossfire Legion no espectro dos jogos de estratégia em tempo real é pegar a estrutura-base de Starcraft 2, extrair ou simplificar os componentes de microgerenciamento de base, e aumentá-los nas unidades. É uma aposta um tanto segura… para quem gosta de jogos de estratégia com foco no multiplayer, mas não tão segura assim para quem tem pouca ou nenhuma experiência com o gênero.
A versão preview me deu acesso às duas facções principais — Global Risk e Black List — e dois mapas multiplayer — um 3×3 e outro 1×1. A Global Risk é voltada para quem tem interesse em um exército mais “tradicional”. Suas tropas tem um grande potencial de dano, são “simples” de serem usadas, e a execução por trás das suas principais habilidades é bem direta. Por exemplo, um tanque pode fazer o papel de artilharia enquanto um soldado pode ter o seu dano aumentado por alguns segundos.
Black List segue no caminho contrário; é mais furtiva e requer um maior conhecimento do mapa, maior domínio das habilidades de cada unidade. Soldados podem usar camuflagem temporária, os seus veículos são mais rápidos porém possuem menos pontos de vida e precisam ser manobrados com uma certa precisão para de fato serem efetivos.
“Lucas, nada disso é novo” — eu concordo. Como bem falei, é uma aposta tão segura que eu vejo resquícios de Command & Conquer: Generals, Starcraft 2 e Company of Heroes. Jogou um desses e você vai se sentir em casa em Crossfire Legion, ao ponto de muitos atalhos serem iguais. Até os mapas disponibilizados na versão de preview têm um ar muito forte de “inspirado por Starcraft 2”. Eu não vejo problema nisso. O pulo do gato que pode ser o “vai ou racha” está na capacidade da Blackbird Interactive (BBI) de pegar esses elementos e usá-los de um jeito que os tornem interessantes. Alguns deles já são vistos nessa versão.
Uma das minhas características favoritas da BBI é a capacidade de pegar o que pode soar assustador e criar uma interface amigável. Homeworld: Deserts of Kharak tinha tudo para ser um jogo que atrairia apenas os fãs mais fervorosos de uma franquia praticamente “morta”, mas as melhorias feitas na usabilidade foram tantas que múltiplos torneios foram realizados e até hoje ele tem uma comunidade bastante ativa.
No caso de Crossfire Legion a BBI acerta a mão em apresentar elementos como “que tipo de unidade é mais eficaz contra outra” por meio de ícones, ao invés de fazer o jogador “decorar”, como tantos outros jogos de estratégia. O sistema de construção em si é um total “clique aqui para construir e leve o seu trabalhador de volta para coletar minerais”, consequentemente acelerando o ritmo do jogo. Como um ex-jogador de Protoss, me adaptar ao estilo foi rápido e sem a necessidade de abrir as dezenas de gateways que eu esquecia de fazer em Starcraft 2.
Eu até aprecio esse “pulo” direto para ação depois de tantos meses jogando Age of Empires IV e brincando de construir muralhas antes que os meus amigos e amigas decidissem jogar trocentas tropas em cima de mim. Também me fez lembrar um pouco de Dawn of War 2, um RTS que muitos torcem o nariz até hoje, mas que vejo como uma ótima evolução da franquia da Relic.
Mas como toda ação tem uma reação, a adição desse ritmo frenético e a mudança drástica no sistema de construção coloca Crossfire Legion em uma encruzilhada. Em menos de cinco minutos de jogo você já está cuspindo veículos leves ou tanques. Nada fora do comum para um jogo de estratégia (apesar de que eu mesmo tomei um susto, mas estou um pouco enferrujado e não tenho mais os meus 20 e poucos anos para passar metade do dia aprendendo build order). Porém, é aí que mora o “perigo”: como transferir o conceito de “ritmo frenético” e microgerenciamento em algo tangível para quem sequer encostou em um jogo de estratégia, fora partidas ocasionais de franquias famosas?
Sei que o preview é um minúsculo recorte do que vai ser a versão final de Crossfire Legion, que terá uma campanha, novas facções – com uma delas que vai ser apresentada em fevereiro – e a possibilidade de personalizar as habilidades das unidades e / ou da facção por um de sistema de cartas. Embora esses elementos não estivessem totalmente presentes no preview, o que eu vi foi mais uma vez uma aposta segura que só gera mais potencial para problemas de microgerenciamento.
Crossfire Legion não é como Deserts of Kharak onde cada unidade vale ouro. Perdeu um soldado? Tudo bem, cospe outro e volta para o combate. Gastou a sua habilidade especial? Espera recarregar que você vai poder bombardear o oponente, e ele vai reconstruir as suas defesas ainda mais rápido. Tanto que a maioria das partidas eram mais sobre atrito até que um dos lados cedesse ou perdesse uma quantidade considerável de unidades ou defesas e a partida acabasse.
De onde vinham os melhores oponentes? Veteranos de Starcraft ou de jogos de estratégia no geral, aqueles que tinham uma ótima noção de grupos de controle e uso de habilidades. As situações de tensão criadas por embates que podem ser definidos em segundos cruciais só são amplificadas pelo incrível trabalho visual e sonoro da BBI.
Mas olha quem está falando, alguém que já tem mais do que bastante experiência em jogos de estratégia em tempo real. Uma pessoa que está disposta a ler um manual de 500 páginas só para aprender a jogar algo. Para o jogador médio, eu consigo imaginar a poluição visual que são tais momentos e como realizar as mesmas ações pode acabar se tornando maçante ou um pouco “parado” demais — irônico, se pensar que o jogo visa ser frenético. Além disso, salvo o design de algumas unidades, nada me saltou aos olhos como “olha só que diferente” ou “ah mas isso sem dúvida vai chamar a atenção” ou “ok essa você me pegou desprevenido”. Era mais um jogo de estratégia para a minha biblioteca que já está mais do que recheada deles.
Acontece que eu sei muito bem o final da história dos jogos de estratégia onde quase nada salta aos olhos, que tenta seguir os passos dos gigantes. É a mesma história que se desenrolou com Grey Goo, 8-bit Armies e Forged Battalion. Deste último, quanto menos eu falar, melhor. Nenhum deles cravou um nicho no mercado de jogos de estratégia em tempo real justamente por serem…seguros. Ao menos a Petroglyph deu a volta por cima com Command & Conquer Remastered Collection, mas foi por conta de uma franquia já bem estabelecida e uma jogabilidade sólida.
Não é à toa que Age of Empires IV, apesar dos pesares e da carência de “conteúdo”, faz sucesso. Ele é uma aposta segura em uma franquia bem estabelecida. Eu teria preferido muito mais que a Relic tivesse pego mais elementos de Age of Empires III ou até desse uma sacudida mais intensa no jogo. Mas ele não estaria fazendo o sucesso que está até agora.
Eu posso até dizer que Crossfire no geral tem um grande legado, de certa forma ignorado ao longo dos anos e até mesmo bastante jogado no Brasil entre 2008 e 2015 como uma alternativa para Counter Strike ou um shooter competente. A Smilegate está sedenta para reviver esse momento tanto com Crossfire Legion e Crossfire X (shooter que está nas mãos da Remedy). Agora, transferir o interesse dos fãs para um jogo de estratégia já é um trabalho imenso, ainda mais um que está com um enfoque demasiado em micro gerenciamento.
A BlackBird Interactive foi sim uma ótima escolha de desenvolvedora para um jogo de estratégia – nem que seja só pelo lado visual e sonoro e do ponto de vista de usabilidade. Mas sinceramente torço para que ela entenda que Crossfire Legion precisa de mais do que uma ótima interface. Ele precisa de tutoriais como o “Art of War” que faz tanto sucesso em Age of Empires já que ensina conceitos mais avançados, porque vai precisar de um empurrãozinho a mais para atrair o interesse. Pode ser que isso venha na campanha, pode ser que nunca venha. É cedo demais para dar algo como definitivo.
Se eu vou acompanhar essa jornada até o fim? Mas é claro que vou! É um jogo de estratégia, no fim das contas, e eu estou muito curioso em ver como ele vai evoluir durante o seu período de acesso antecipado, previsto para abril, e como a BBI vai enfrentar tantos empecilhos. Quem sabe a desenvolvedora não redireciona esse barco e acabamos com um RTS que seja, no mínimo, ligeiramente memorável?