É impossível falar de Comanche (Steam) sem separar a sua influência em quem cresceu com os clássicos Comanche 3 e Comanche Gold – uma boa mistura de simulação e arcade – e aqueles que ouviram falar na franquia após ela ressurgir na Gamescom 2019 com o anúncio do “revival” da THQ. Independente de a qual grupo você pertence, só tem uma maneira de enxergar o novo direcionamento da franquia – com a mente mais aberta possível.
Jogos de helicóptero são raros no geral. Há exceções como Heliborne, uso dos veículos de Arma 3 ou em Battlefield 4. Entretanto, nos dois jogos há uma série de concessões para torná-los mais amigáveis a novatos. Tanto que um dos meus favoritos, Air Missions Hind da 3Division, é mais próximo de Ace Combat do que qualquer coisa que se viu nos anos 90.
A Nukklear, desenvolvedora por trás do novo Comanche, para a minha surpresa abandona parte desse princípio. Ele ainda mantém um “ar” de simplicidade com um tutorial que explica o básico e até te faz pensar que é só isso que tem a oferecer. Foi o que eu imaginei até me aventurar pela campanha single-player e, principalmente, o multiplayer.
Sendo um título em acesso antecipado – ainda mais um que teve seu design mudado de ser puramente multiplayer para conter uma campanha – ele é anêmico em ambas as frentes no que diz questão a conteúdo. Mas ainda assim surpreende.
A única missão disponível está bem mais perto do que eu me lembro de Comanche do que qualquer jogo de helicóptero em recente memória. Tudo bem que tudo está modernizado, os jargões militares tão proeminentes nos jogos da Micropose e Jane’s dão lugar para algo mais claro no estilo “aqui estão os inimigos, elimine-os”, mas a essência está lá.
Partir para cima do inimigo como um touro desenfreado só vai gerar belas explosões do helicóptero. É preciso saber navegar com cuidado, entender a capacidade de cada classe de helicóptero, quais são as suas habilidades e como melhor fazer uso dela.
O que me leva ao conceito que faz Comanche funcionar em ambos os modos – ele é na realidade deveras tático. Além da possibilidade de se esconder dos inimigos ao limitar o campo de visão deles ou voar abaixo de radares, você pode diminuir a possibilidade de ser detectado ao se esconder em nuvens ou usar habilidades especiais como camuflagem especial.
O conceito em si também é visto em jogos como War Thunder e World of Tanks; mas a diferença é que a mobilidade do Comanche junto com a não-existência de uma visão em terceira pessoa deixa as partidas mais tensas.
O único modo de jogo disponível online, Sabotage, é como um Search & Destroy mais elaborado. Uma equipe deve defender dois geradores enquanto outro deve usar drones (mais sobre eles em breve) e plantar uma bomba eletromagnética. Acreditei que ia ficar entediado; já vi esse modo mais do que vi a palavra “metroidvania” ser usada de maneira errada na internet. Variantes deles estão aos montes nos mais diversos modos modos online.
Mas foi quando eu entrei na partida que me veio aquela sensação de claustrofobia. Eu não tinha a visão externa, só um radar que de tempos em tempos – e com muita sorte – mostrava a localização dos inimigos. Eu e minha equipe tínhamos que nos dividir em pequenos grupos para rondar os geradores em busca dos adversários.
Sendo um piloto exemplar, a primeira coisa que fiz foi encontrar a primeira montanha, bater nela, perder o controle do helicóptero e explodir. No meio tempo o gerador que eu defendia foi invadido pelo inimigo; ainda bem que ainda não há chat de voz pois não duvido que me xingaram um tanto quando isso aconteceu.
Mas não deixei isso me abater; assim que voltei para partida já fui para o gerador e usei meu drone. Sim, meu drone; os pequenos robôs são um dos “diferenciais” de Comanche e o lado mais “arcade” dele. Plantar a bomba de pulso eletromagnético não é só ir até o local e apertar um botão, mas também navegar por uma série de túneis e corredores – quase como um Descent (1994) em terceira pessoa – e é lá que algumas das batalhas mais intensas ocorrem.
Quando entrei no gerador, dois drones inimigos estavam lá – um deles defendia uma das saídas enquanto outro fazia rondas em volta do gerador. Dei o meu melhor e consegui eliminar um e deixar outro com menos de metade da vida. Minha equipe, no entanto, não foi tão ágil e acabamos perdendo aquele round.
Voltei para o segundo round (de quatro) revigorado. Agora era a hora de atacar, de usar meu drone para máximo do potencial. Eu acertei ele contra uma parede e explodi de novo. Argh. Mas tudo bem, dessa vez minha equipe conseguiu plantar o EMP e eu optei por ficar caçando os helicópteros inimigos no mapa.
A comparação chega a ser ridícula, mas diria que foi o mais perto que tive da sensação de controlar o Saab J-37 Viggen – avião sueco conhecido pela sua altíssima velocidade e capacidade de voar bem próximo do chão – fora de um simulador como o Digital Combat Simulator. Me espreitava pelos cantos de olho no radar para não ser visto, tentava encontrar pontos cegos e pegar o inimigo de surpresa, prendia a respiração quando a mira travava em um deles e só soltava quando o míssil fazia contato com o seu chassi. Vencemos a partida, e a próxima, e a próxima. Não conseguia largar o multiplayer – certo que um dos modos “Search & Destroy” mais empolgantes que joguei em muito tempo.
Já deu para notar que eu vejo um grande potencial em Comanche, mas potencial a essa altura do campeonato não equivale a nada. Pensando de uma maneira bem asquerosa e mercadológica: por que um consumidor gastaria seu tempo e dinheiro em um jogo como esse sendo que há jogos como War Thunder que são mais acessíveis, proporcionam experiências similares, e ainda são “gratuitos” (com um belo de um custo em microtransações)?
Se você conhece o meu trabalho, sabe que não é assim que eu vejo jogos. Aliás, eu preferiria juntar dinheiro e pagar por uma versão mais cara de War Thunder do que me aventurar na zona de microtransações oferecidas pela Gaijin, mas não é assim que o mundo gira.
E esse é o maior problema da THQ Nordic e da Nukklear daqui para frente. Eles estão entre a cruz e a espada. Presos em um emaranhado criado por si mesmos. Peça para alguém identificar Comanche e War Thunder e eles talvez te digam que é o mesmo jogo.
Eu estou mais do que disposto a investir mais tempo em Comanche, mas eu também sou a pessoa que é conhecida por aprender Dwarf Fortress ou decifrar como diabos funciona Aurora 4X – um dos jogos de estratégia mais confusos e detalhados que já vi.
De tantos jogos em acesso antecipado que já pus as minhas mãos, Comanche é o que mais precisa provar a si mesmo o que ele quer ser além de ter o potencial. Ele precisa descobrir como vai fazer para convergir diferentes públicos com históricos diferentes (os veteranos e novatos), adaptar o estilo tático para novas missões e se o conteúdo irá de fato expandir como eu espero que expanda: com mais táticas, mais missões para single-player, e com esse equilíbrio de táticas e “arcade”.
Manterei o jogo em meu HD, olhando cautelosamente as notas de atualização e os diários de desenvolvimento. Quero poder ter um jogo que me traga a mesma sensação de DCS sem que eu tenha que montar toda a parafernália necessária. Mas para isso a Nukklear precisa direcionar o potencial de Comanche. Que ela encontre este caminho o quanto antes.