Antes de começar a escrever sobre Close Combat: The Bloody First, é preciso estabelecer o palco para a sua importância. Janeiro de 2019 marcou 19 anos desde que uma entrada numerada — Close Combat: 5 Invasion Normandy — foi publicada pela SSI Games. O game de estratégia (ou, se preferir, tático) ganhou o carinho de wargamers e entusiastas de estratégia, especialmente pelas suas batalhas intensas, mapas moderadamente pequenos, e foco em usar o máximo das suas tropas para vencer uma batalha. Até hoje Close Combat 2: A Bridge Too Far ainda é o ponto de referência de muitos no quesito “qual é o melhor Close Combat”. Desde 2000, muitas empresas tentaram adaptar a fórmula de Close Combat para um ambiente 3D. Dentre elas estão a Battlefront com a sua série Combat Mission, Firefront, Panzer Command: Ostfront, e obviamente as próprias versões de Close Combat da Slitherine (Gateway to Caen e Panthers in the Fog).
Todos os jogos citados previamente são excelentes, aliás, mas todos eles seguiam o mesmo princípio previamente estabelecido por Close Combat 5: criar batalhas intensas com o maior número de unidades possíveis e triplicar o microgerenciamento de unidades. Eu nunca me dei bem com esse conceito, ainda mais pelo fato de que A Bridge too Far nunca se focou nesse tipo de combate. A especialidade dele eram combates em pequena escala, onde cada decisão sua tinha um peso tão grande que um deslize poderia custar a batalha inteira. Aliado à falta de jogos do mesmo estilo nos anos 90, esse foi um dos principais motivos pelo qual A Bridge Too Far ganhou tamanha popularidade. Poucos jogos conseguiam gerar essa tensão de saber que você poderia perder a campanha antes mesmo de começar. Lembro-me de inúmeras vezes quando, ao jogar como os aliados durante a operação Market Garden, não prestei atenção no posicionamento de certas tropas e acabei trucidado por artilharias. Não me sentia desmotivado, pelo contrário. Eu queria saber como cada pedacinho daquela máquina imensa de guerra funcionava — quais eram os pontos em que eu deveria me focar. Ainda considero “A Bridge Too Far” uma das campanhas mais complexas e difíceis do universo dos wargames.
Quando eu fui convidado pela Slitherine para checar uma versão preview de “A Bloody First”, eu estava além de um pé atrás; eu estava com uns 12 pés atrás. Ao invés de seguir o rebanho como muitas outras desenvolvedoras fizeram nesses últimos 19 anos, a desenvolvedora preferiu manter o estilo original — uma visualização isométrica com opção para ser jogada também no estilo clássico (top-down). Estava receoso em como a IA iria reagir aos meus ataques, se eu teria de mais uma vez reforçar o uso de artilharia — um dos pontos mais desbalanceados da franquia — ou se os meus soldados iriam se jogar no chão e não se moverem assim que o primeiro disparo fosse efetuado. O que eu recebi, no entanto, era um jogo, por um lado, completamente reminiscente de Close Combat, mas por outro um jogo que entende o que esses 19 anos de evolução significam e como aplicar isso ao jogo.
A versão de preview conta com quatro missões ambientadas durante a batalha de Gela, composta primariamente pela invasão do território siciliano pelas tropas aliadas. As missões variam de dificuldade, com Gelafarello sendo a mais “fácil”, e as missões crescendo em dificuldade até o ápice em Niscemi. Como bom veterano de Close Combat, não alterei nenhuma das opções de dificuldade e fui na cara e na coragem. Dizer que sofri não é o suficiente para definir o que foram esses combates.
De certa forma, The Bloody First é sim um retorno à fórmula, mas não da maneira como jogos como Two Point Hospital ou gerenciadores como Planet Coaster tendem a fazer: adicione algumas firulas visuais, umas funcionalidades a mais e esqueça o que os tornou os originais tão importantes. The Bloody First entende que Close Combat não é sobre conflitos em grande escala, é sobre o movimento inicial das tropas, o posicionamento delas, sobre como você pode usar o terreno em seu favor ou em sua desvantagem.
Por acaso, falar sobre o terreno em si sempre foi uma conversa extremamente complicada para Close Combat. Os jogos antigos e sua visualização “top down” eram fraquíssimos na tarefa de informar ao jogador quais tropas tinham ou não o campo de visão em certas áreas do mapa. Virava um constante “achismo” de “será que se eu colocar as tropas aqui elas vão ganhar uma maior visualização da área de combate? Mas e se elas forem atingidas por artilharia?”. Pessoalmente eu sempre vi isso como um elemento demasiadamente frustrante, ainda mais pelo jogo não te colocar na pele de cada um desses soldados; você é um “comandante” capaz de estabelecer o posicionamento de cada unidade sem necessariamente depender de um “quartel general” como em jogos como Command Ops (apesar de que um quartel general continua presente no game e serve para requisitar bombardeamento com artilharias ou aviões). Para isso a Slitherine finalmente adicionou um “campo de visão” que pode ser ativado ao clicar em uma das unidades e depois segurar o botão Shift. Com isso você pode identificar em quais áreas as unidades têm uma visão completa, parcial ou completamente bloqueada.
Antes que torça o nariz e pense que isso irá “desbalancear” o que era um jogo de “achismo”, é justamente o contrário. A inclusão desse sistema — que já é prevalecente em games como Armored Brigade, Graviteam Tactics e até Steel Division — dá mais liberdade à Slitherine para estabelecer confrontos desafiantes. Mas nesses casos, uma imagem vale mais do que mil palavras. Para isso, vou analisar a batalha de Gelafarello, a primeira ocorrida após a invasão anfíbia na Sicília.
Essa era minha situação inicial no combate: minhas tropas eram compostas de equipes munidas com metralhadoras de médio a longo alcance, algumas equipes munidas com rifles ou com fuzis automáticos BAR. Se fosse em um Close Combat puramente em 2D, eu teria de decifrar onde posicionar as minhas unidades propriamente, evitar chokepoints e definir os meus primeiros movimentos com a esperança do meu inimigo estar munido de artilharia. Em The Bloody First o processo foi muito mais simples; repare na imagem abaixo como eu posso ver o contorno das montanhas — afinal, o terreno da Sicília varia entre montanhoso e acidentado.
Isso significava dois pontos importantes: minhas tropas raramente teriam visão das tropas italianas se continuassem na sua posição inicial, e um dos pontos de captura ficava posicionado justamente em uma montanha. Em teoria era para ser simples: bastava enviar uma das minhas tropas munidas de granadas de fumaça, bloquear o campo de visão do meu inimigo e avançar para conquistar o território. O que eu não levei em consideração é que após o morro havia uma pequena depressão, e eu imediatamente enviei as minhas tropas através dela. Do outro lado da depressão uma metralhadora italiana estava preparada para aniquilar todos os soldados que passassem pela sua linha de visão. Eu fui estúpido, incompetente, perdi mais de 15 soldados só por conta de uma decisão; uma que eu não tinha previsto, por causa de possibilidades que eu não cogitei. Os poucos que sobraram entraram em pânico e bateram em retirada. Tinha perdido a minha chance de flanquear as tropas da área central.
Restou-me apenas a chance das minhas tropas munidas com BAR tomarem a lateral direita do mapa, avançando cautelosamente enquanto a minha única metralhadora ainda na ativa oferecia suporte. Nos minutos iniciais eu senti que havia chegado a um ponto em que poderia mudar o rumo da batalha. Um território conquistado depois, a visão que a equipe BAR tinha do mapa apontava que não havia outras unidades na próxima zona de conquista. Mais um ponto de conquista e eu poderia realizar um cerco na área central do mapa.
Peguei minhas unidades munidas de rifle e mandei que se movessem pela lateral do mapa, próximo a duas casas e atrás de uma pequena mureta. Foi então que os disparos voltaram. A infantaria italiana, após notar que eu tinha conquistado dois pontos do mapa, rapidamente se mobilizou para defender a área central. Em versões anteriores de Close Combat isso não havia acontecido; a IA raramente se comunicava entre si e na maioria do tempo ficava posicionada no mesmo local desde o começo da partida. A maldita metralhadora voltou a disparar contra os meus soldados. Rapidamente os coloquei contra a mureta (outra funcionalidade implementada em “The Bloody First”) e os mandei usar todas as granadas de fumaça que tinham. Demorei alguns segundos para notar que estavam sem nenhuma. Eles haviam gastado todo o restante no ponto leste do mapa. Para completar, uma artilharia inimiga no fundo do mapa começou a disparar contra eles, eles entraram em pânico e fugiram para trás de uma das casas. Dos 15 ou mais soldados, somente dois sobreviveram.
Pedi um cessar fogo e as tropas italianas concordaram. Close Combat me designou uma vitória “tática” pois eu tinha conquistado a maioria dos objetivos, mas a que custo? Tropas dilaceradas, outras que não iam receber reforços para a próxima batalha, e uma constante dúvida se eu sequer teria soldados o suficiente para continuar a tomar a Sicília dos italianos.
Agora que olho em retrospecto para todas as minhas decisões tomadas antes e durante da batalha, noto que as minhas falhas vão além do posicionamento das tropas ou de usar “a cara e a coragem” para tentar conquistar pontos de captura o mais rápido possível. Optei por não levar artilharia para o campo de batalha pois a considerei “desnecessária”, coloquei vários soldados munidos de BAR — que, apesar de excelentes em inibir ações das tropas inimigas, eram poucos. Devia ter mais tropas de rifle e certamente ter usado mais granadas de fumaça. Assim, quem sabe, e com a experiência obtida nessa então “vitória tática”, eu teria conseguido dominar o mapa de maneira mais eficiente.
São esses momentos que diferem a franquia Close Combat de todas as outras citadas anteriormente. Enquanto Combat Mission permite você ter um maior arsenal de tropas, grande parte do tempo você está limitado a uma tropa fixa por batalha; Close Combat deixa você ajustar os parâmetros da batalha, aprender com os erros, superá-los ou recomeçar a campanha do zero. Foram esses elementos que fizeram a intensidade, a pontualidade e o receio de ser pego desprevenido por uma artilharia inimiga enquanto soldados corriam para a proteção mais próxima com a esperança de saírem vivos do confronto que fez a Bridge Too Far tão excepcional. Esses elementos lentamente se perderam nos próximos games da franquia, e pela primeira vez eu os vejo ressurgirem em “The Bloody First”. É claro que não é possível se basear puramente numa versão “preview”, ainda mais com apenasquatro das 36 missões que estarão presentes na versão final; muita água vai rolar até o lançamento de Close Combat: The Bloody First. Porém, ao que tudo indica até o momento, ele não é só um retorno à fórmula — é possivelmente o melhor Close Combat em mais de 20 anos.