Depois de umas dez horas de jogo, cheguei à conclusão de duas coisas; que a cidade de City of Brass (Steam) não é de fato feita de latão e que o jogo que eu julgava ser metódico é, na realidade, intenso.
Em desenvolvimento pela Uppercut Games (Submerged), City of Brass é o melhor exemplo de “papinho” que caí nos últimos meses, creio que o melhor “papinho” de 2017 — e falo isso de uma maneira extremamente positiva. A primeira vez que eu vi o trailer, imaginava um roguelike lento, onde eu poderia ser furtivo e roubar a cidade enquanto preparava armadilhas para meus inimigos.
Primeira fase e uma ampola aparece no canto superior direito da tela. “Perdão?”, eu disse. Ninguém havia me contado que teria um contador. “Bom, talvez seja só uma maneira estranha de eles contarem quanto tempo eu levo em cada fase”, me reassegurei enquanto começava a pegar o jeito dos controles.
De cara já afirmo que City of Brass é difícil, muito difícil. Não é o roguelike que você está tipicamente acostumado a ver por aí. Upgrades são escassos e três corações são tudo o que você tem para vencer todas as fases. Quer recuperar vida? Boa sorte, ou colete mais de mil moedas de ouro e tenha a sorte de encontrar um gênio — algo como um vendedor de City of Brass — que tenha cura, ou falhe. Mas tudo bem, meu plano ainda estava em pé. Cuidadosamente ia navegar pelos mapas, encontrar tesouros e entender como funcionavam as armadilhas.
Abro a primeira porta, me deparo com uma armadilha de espinhos e lá se vai 1/3 da minha vida. “Isso não começou bem, pode ser que e—“, não consegui completar a frase pois uma caveira com uma jaula na cabeça me atacou, me empurrou de volta para a armadilha de espinhos e morri.
Tudo bem jogo eu já entendi – mais cuidado da próxima vez. Segunda tentativa e consegui atingir a quarta área do jogo, tudo ocorria bem até perceber que o tempo da ampola havia atingido o zero. Em questão de instantes três gênios imensos apareceram ao meu redor e me transformaram em cinzas com bolas de fogo. Escondi o rosto de vergonha por não ter entendido o funcionamento do relógio.
Tal como Spelunky, City of Brass se alimenta de prover um tênue equilíbrio entre dar desafios para o jogador e deixar ele explorar livremente. Pegue as moedas que achar pelo cenário, mas não demore tempo demais para não virar picadinho.
Assim como o jogo de Derek Yu, City of Brass também conta com um chicote, mas a maneira que o utiliza é consideravelmente mais interessante e empolgante. Ao invés de ser a principal arma, é uma ferramenta complementar com a qual o jogador precisa se acostumar para navegar por City of Brass.
A primeira reação de muitos jogadores ao encontrar um inimigo é, obviamente, partir para o ataque. Em City of Brass fazer isso é pôr em risco a já pouca quantidade de vida que possui, se esquivar ou o evitar também é uma opção, mas é aí que o chicote se torna útil. Chicotadas na cabeça ou nas pernas podem atordoa-los temporariamente, o que dá o tempo necessário para fugir ou acabar de vez com um golpe de espada — a então arma primária. Tesouros fora do alcance? Sem problema, basta usar o chicote para pegá-los. Quer ativar uma armadilha para passar por ela sem tomar dano? Chicote.
Com o tempo usar o chicote se torna uma segunda natureza, e cria uma certa fluidez no combate e movimentação de City of Brass que me lembra bastante o que vejo em Dishonored. Se antes jogava meticulosamente, agora juntava um grupo de inimigos próximo de um barril de pólvora só para acertá-lo com o chicote e vê-los voarem pelos quatro cantos do mapa.
Conforme eu pegava o ritmo de City of Brass, mais eu via a influência de Dishonored e outros games cujo movimento e sistemas são priorizados em favor de criar um ambiente onde a criatividade floresça. Abri um sorriso de surpresa ao notar que quando deslizava pelo chão com meu personagem, era capaz de chutar as pernas de dois ou mais inimigos. Para a minha surpresa ainda maior, era possível ainda usar o chicote e a espada ao mesmo tempo. Lá pela minha quinta hora de jogo eu já deslizava, dava espadadas e chicoteadas ao mesmo tempo.
Existe todo um aspecto “orgânico” em City of Brass, onde ações surgem da oportunidade do cenário ao invés de se restringir as mesmas regras ou pequenas variações de acordo com cada fase. O mesmo pode ser dito para a construção das mesmas, que dão pouquíssima ênfase no uso de “arenas” e quase faz com que eu perceba o toque “humano” por trás da geração procedural. Armadilhas lutam por espaço com corredores apertados, alçapões secretos são colocados de maneira inteligente para pegar o jogador desprevenido e há um espaço para movimentação constante.
Por mais que eu tenha de concordar que as mecânicas de combate precisam do devido polimento, afinal falo de um jogo em sua fase alpha e em acesso antecipado, já há um tom de fluidez nele que, se aprimorado corretamente, vai conseguir bater de frente com alguns dos melhores sistemas de combate corpo-a-corpo. Dentre eles ainda ficam os meus favoritos, Dark Messiah of Might & Magic seguido por Chivalry.
Nem a variedade de inimigos, um dos pontos que eu fico preparado para não criar expectativas, é um ponto negativo já na atual fase de City of Brass. Sair da primeira fase para a segunda trouxe arqueiras, um lanceiro e gênios inimigos que atuam como torres de defesa. Cada um que requer uma aproximação diferente para ser derrotado. Só chicotear e dar espadadas vai te levar a morte mais rápido do que imagina. Reflita, analise, adapte-se.
A inteligência artificial já é capaz de pregar peças no jogador ao desviar de chicoteadas ou espadadas. Parece pouco, mas vindo de um subgênero onde grande parte dos inimigos praticamente “se joga” e pede para morrer, é um avanço. Bugs obviamente existem, como uma vez que vi um grupo de esqueletos correr em direção a mim apenas para cair em um alçapão.
Os mesmos pequenos problemas aparecem em momentos que tentei subir uma pequena mureta e falhei ou quando um golpe não conectou por motivos desconhecidos. Coisas que tendem a serem corrigidas na medida que novas versões de City of Brass forem lançadas — ao menos é o que eu torço que aconteça.
Para uma desenvolvedora cujo seu jogo anterior, submerged, era de uma imensa calmaria, ver a Uppercut Games alterar a marcha para o ritmo intenso de City of Brass é rejuvenescedor como um jogador e como alguém que acompanha a evolução de uma desenvolvedora.
Há períodos que sinto que muitas desenvolvedoras ainda não conseguiram implementar o conceito de um roguelike dentro de suas diretrizes, da sua base da jogabilidade. 2017 tem constantemente desafiado essa minha noção. Primeiro com Strafe, depois Cryptark e agora com City of Brass. Se a movimentação e o combate forem polidas ao ponto de chegarem a ser tão naturais quanto a geração procedural, os roguelikes de 2018 já começam com o pé direito.
Este artigo foi feito com base em uma cópia enviada pela Uppercut Games