Seria cômico, se não fosse trágico a existência de tamanha dificuldade de encontrar tempo para hobbies na vida adulta. Quando tenho que pesar entre jogar algo de 200 horas ou só duas partidas antes de deitar, eu vou para a segunda opção. E a modularidade com que adapto Book of Demons, disponível no acesso antecipado do Steam, é um dos seus maiores fortes.
Reconheço a minha ignorância ao achar, a primeira vista, que Book of Demons se tratava de mais um daqueles jogos com cartas e turnos. O primeiro de uma série de jogos planejados, ele é dos pés à cabeça uma gigantesca homenagem a Diablo 1.
Dos personagens à “estrutura” das fases, os chefões, tudo recria a mesma trajetória contada de um ponto de vista diferente e com um tom um pouco mais “leve” e uma estética similar aos livros pop-up, não muito difundidos no Brasil e agora relíquias dos anos 90.
Book of Demons não cai no buraco de ser uma “imitação barata” de Diablo I a partir do momento em que ele trabalha maneiras de restringir e modelar o espaço que o jogador percorre e como ele interage com ele.
Um Hack ‘n Slash possui níveis gerados aleatoriamente, grandes, cheios de segredos e com motivos para você se perder por horas nele. Book of Demons é direto, cada andar é formado por linhas, como em um tabuleiro de Warhammer Quest e o jogador só pode interagir com o que está em um raio próximo a ele.
Inteligentemente, a desenvolvedora posicionou os inimigos para que não fiquem chatos de se lutar dado a limitação, mas ainda mantenham o jogador sempre atento. Salvo os primeiros andares, que funcionam como uma espécie de tutorial, eu nunca me senti “seguro”. Sem essa história de “É só andar em uma linha reta e você está seguro”.
Na primeira tentativa que fiz de escapar assim, o mago que estava no outro lado da sala invocou três outras caveiras e uns porcos que explodem e envenenam o jogador. Saí vivo por um triz e garanti a mim mesmo que jamais repetiria tal aventura. Quebrei a promessa dezenas de vezes até chegar ao final.
O sistema de cartas aplica-se para elementos como habilidades ativas, passivas ou equipamento. Um escudo é uma carta, assim como uma poção. O jogador começa com dois slots de um limite de dez. Cartas podem ser obtidas nas fases e melhoradas por meio de runas e o pagamento de uma quantia em ouro.Há um grau de variedade considerável no momento, ao ponto de eu sequer ter pensado em muitas combinações, e ao mesmo tempo linearidade.
Se fosse outro jogo, já praguejaria aos céus por não me permitir mais maleabilidade ainda nas cartas, mas Book of Demons está aqui justamente para não tomar mais do seu tempo do que precisa. Ao começar cada “partida” ao acessar a igreja, o jogo pergunta se você quer que ela seja muito curta, média, longa ou muito longa.
Quanto mais jogado, mais o jogo estima a duração média que você vai demorar em cada mapa e a porcentagem para completar a jornada. É aquela injeção de adrenalina que você precisa para acordar, ou evitar que a mente vagueie em locais obscuros. Por conta disso, raramente joguei mais do que vinte ou trinta minutos por sessão de Book of Demons, não por não me entreter, mas por ser meu Downwell ou meu GoNNER em forma de Hack ‘n Slash.
Eu tenho um pavor de tarefas inacabadas e isto se manifesta ao não conseguir completar uma dungeon inteira antes de deitar ou ter dificuldades em estabelecer objetivos a curto ou médio prazo em um jogo. Para exemplos, eu já levantei duas horas da manhã para aterrissar na lua no Kerbal Space Program tamanha era a minha agonia. Com Book of Demons de certa forma preestabelecendo estes limites, eu nunca me sentia pressionado ou com aquela sensação de que “eu joguei tanto, mas não fiz nada”.
É um dos pontos que me afasta até hoje de Darkest Dungeon, a ideia de entrar em uma das missões, perder horas lá e sair de mãos vazias. Ter Book of Demons apontado na polaridade reversa agrega ainda mais simpatia minha.
Claro que, falamos de um jogo em acesso antecipado, então apesar do tremendo polimento, algumas funcionalidades não estão presentes e apenas uma das classes — o guerreiro — liberada. As últimas atualizações antes do artigo ser publicado aumentaram consideravelmente a dificuldade em fases avançadas, mas o meu incomodo está na interação com alguns inimigos.
Na tentativa de não deixar o combate “monótono”, os inimigos de Book of Demons tem características peculiares. Alguns, por usarem escudos, requerem que o jogador tenha de “martelar” em um símbolo antes de receberem dano. Outros só podem ser atingidos a partir do momento em que uma meta for atingida, como eliminar todos os minions próximos a eles.
O sistema de resistências é a base para um Hack ‘n Slash, assim como para a criação da modularidade e de desafios, só está medianamente implementado até então. O tamanho foco em criar novas ideias para que o jogador interaja dentro de um ambiente limitado vai por água abaixo a partir do momento em que ele se pega mais confuso do que se estivesse solto.
Mais de uma vez eu tinha uma série de alertas que abarrotavam a minha tela e não sabia qual priorizar. “Deveria atacar o inimigo que está com o escudo? Não, pera, deveria atacar aquele ali então?”, me acalmava e respirava fundo.
O conceito em si não é difícil de entender, ele só transporta a informação por canais confusos. Eu nunca, por exemplo, priorizaria um inimigo ao invés de um chefão. Mas, o que fazer quando uma barra de vida sobrepõe a outra e eu não consigo atacar corretamente?
Um problema que apareceu ao longo das partidas é o bizarramente implementado sistema de envenenamento. Quando o jogador é envenenado, há uma chance de você remover em menos tempo os efeitos ao clicar em um ícone próximo a barra de vida. Entretanto, a barra de vida está no canto inferior da tela, o que dificulta perceber o efeito em e facilmante faz o jogador se desligar da ação que ocorre na tela em favor de remover um efeito negativo.
Esta confusão mental só aumenta a medida em que se avança nos mapas. Não é um elemento que irá “prejudicar”, mas incdômodo quando se joga de guerreiro e outros trocentos inimigos na tela pedem a sua atenção.
São questões que tenho de levantar e tentar compreender se Book of Demons vai conseguir alcançar uma “transmissão de informações” de qualidade. E dado a maneira que está composto, ainda tenho que esperar algumas peças do quebra-cabeça — como as novas classes e a sua atuação dentro destas mecânicas — vão funcionar, para responder.
O que observo é um jogo com um tremendo potencial que ocupa os meus finais de tarde e as minhas noites com partidas que não me afundam em um mar de cálculos para descobrir a melhor “build”. Por este motivo único, eu já vejo razões o suficiente para dar uma chance a Book of Demons. Quem sabe você também não precise de uma partida rápida para desestressar?