De tempos em tempos uma desenvolvedora dá uns tropeços – alguns muito feios – e outras vezes ela se reergue e traz uma ideia ótima. Esse é bem o caso com a Creative Destructions, mais conhecida pelo polêmico (e incrivelmente monótono) Hatred. Na busca de deixar esse passado turbulento para trás, ela ataca no gênero de estratégia com Ancestors Legacy, previsto para ser lançado esse ano. E no final das contas…, não foi uma má ideia.
Ver uma desenvolvedora ser atraída para um gênero de nicho, como estratégia é atualmente, é sempre um experimento interessante. Primeiro porque ela não necessariamente vai seguir os padrões que já estão estabelecidos; segundo porque ela pode pegar alguns dos padrões atuais e renová-los – que é exatamente o que faz com que parte de Ancestors Legacy funcione tanto em escala micro como macro.
Ambientado em uma Europa Medieval, o jogo terá quatro campanhas interligadas entre Vikings, Anglo-Saxões, tribos germânicas e eslávicas, e partidas muliplayer ou contra a IA. A versão beta oferecia a jogabilidade básica dessas quatro facções em três mapas para até seis jogadores.
No que diz questão a sua estrutura, Ancestors Legacy aparenta estar dividido tal como Dawn of War II estava há nove anos atrás. Ele oferece sistemas de construção de base (que são necessários para o avanço), mas também os automatiza. O jogador inicia uma partida com um vilarejo, local para a construção de edificações e usado para a coleta de recursos. Para sair vitorioso, ele deve dominar um número maior de vilarejos do que o oponente até que a pontuação limite seja atingida.
Os vilarejos aqui se tornam pontos de interesse de constante conflito e funcionam como os Victory Points que a Relic costuma aplicar em seus jogos. Cada um possui uma mina, uma madeireira e uma casa de caça. A diferença, no entanto, é que você não necessariamente precisa conquistar o inimigo para preveni-lo de usar os recursos, mas basta destruir os prédios adjacentes, o que explica e justifica parte da automatização de Ancestors Legacy.
De forma geral, você não precisa “posicionar” as construções; adicione-as na lista de tarefas e elas serão construídas automaticamente se você possuir os recursos necessários. E eu sei que a ideia pode fazer você torcer o nariz de começo, mas calma, o game compensa em muitas outras áreas.
Ao remover esse “peso” do jogador, a Creative Destructions consegue então se focar em inúmeras variáveis que fazem com que o ato de batalhar pelo mapa receba um teor maior de táticas. Unidades podem ser escondidas em arbustos, podem sofrer com alteração do clima (chuva fará com que elas sejam menos eficazes em queimar construções), condições das superfícies e outras mecânicas menores que incluem buffs e debuffs causados pelo inimigo ou via edificações religiosas – que incluem “rezas” para aumento de movimentação pelo mapa, maior moral, entre outras opções.
Eu não hesito em dizer que todo o aspecto tático de Ancestor Legacy é denso, incrivelmente denso. A posição das edificações no mapa pode até ser automatizada e “padronizada”, mas os caminhos que me levaram a elas eram de constante atrito.
Veja bem, cada unidade é terrivelmente valiosa (outro resquício de design trazido pela Relic nos seus games) e perder uma no começo de uma partida pode ser um desastre. Ao construir sobre uma temática de idade média, a Creative Destructions optou por fazer com que, ao entrarem em combate, as unidades tenham um “tempo de espera” antes de conseguirem se separar, sistema também implementado pela brilhante série Hegemony.
Minhas primeiras (duras) lições com o sistema foi no controle dos anglo-saxões, que iniciam a partida com uma unidade de funda (algo como um “estilingue medieval) – excelente para remover construções, mediana em todo resto. Partindo agressivamente para os dois primeiros territórios, estabeleci a minha “fatia” do mapa e comecei a rapidamente obter recursos como madeira e metal para ampliar os exércitos e construir torres de defesa. Confiante, considerei que tais unidades seriam o “suficiente” para prevenir avanços dos inimigos; afinal, elas estavam em território elevado e com um maior alcance.
A surpresa veio direto com as tribos germânicas, cuja eficácia está justamente em desmantelar posições de defesa. Suas tropas iniciais têm uma moral mediana, mas contam com bônus de “intimidação” e maior dano por segundo. Como um dominó, minhas tropas caíram uma a uma, com só uma delas conseguindo bater em retirada para base.
Escasso de unidades, o meu oponente então preferiu me extinguir de recursos ao invés de dominar completamente o mapa. Cada construção adjacente tem um custo de construção de madeira, e consequentemente o fato de eu estar acuado em um canto do mapa torna muito mais fácil que elas sejam destruídas pelo oponente e que eu seja forçado a escolher entre tentar a sorte em recrutar mais unidades ou tentar reestabelecer controle do mapa com uma ou duas tropas. O que, obviamente, não ocorreu.
Ao decidir construir mais uma unidade de funda e esperar o cair da noite para atacar (o ciclo de dia e noite afeta tanto a precisão quanto o campo de visão das unidades), eu havia assinado a minha morte. Fui para o vilarejo mais distante no mapa pois assim saberia que reforços inimigos demorariam a chegar. “Quem sabe alguns minutos e recursos até eu reconstruir meu exército”, cogitei.
Não esperava, é claro, ver uma cavalaria massacrar as minhas unidades sem que eu tivesse qualquer tempo de resposta. Culpa minha também por não variar tanto a composição das unidades e também por agir impulsivamente no risco de ser dominado e perder a (já decidida) partida.
Este conto, porém, me leva a um ponto ligeiramente preocupante no design de Ancestors Legacy: a dependência dos confrontos iniciais. Como mencionado, cada facção tem pontos fortes e fracos. Os vikings, por exemplo, começam com lanceiros que são excelentes para escanear o mapa por possíveis ameaças devido a altíssima mobilidade (possivelmente a maior de todos em “early game”). Todavia, basta um jogador um pouco mais perspicaz para desmantelar com quaisquer planos do oponente que joga de Viking por conta da fragilidade dos lanceiros e o sistema que só permite bater em retirada depois de um período determinado. Em suma, quanto mais “fraco” em poderio de ataque, maior a chance de que você irá perder nos minutos iniciais – e não há muito o que fazer.
A situação piora pelo fato que o jogador tem de pagar um “custo de manutenção” em alimentos por unidades, tática até então que se tornou a mais eficaz em eliminar possíveis ameaças. Corte as linhas de suprimento para alimentos e não será possível nem manter as unidades atuais (que se revoltarão), tampouco recrutar.
Não desaprovo o conceito de custos de manutenção, muito pelo contrário; tal sistema está integrado em muitos jogos de estratégia que fazem com que ele seja determinante no expansionismo de uma facção. Vide Civilization, Endless Space 2, qualquer 4X ou Hegemony. A diferença-chave é que todos esses jogos tendem a ter partidas que duram seis ou mais horas, enquanto Ancestors Legacy prefere se manter no ritmo frenético de vinte a trinta minutos. Fica difícil gerenciar o posicionamento, buffs e debuffs das minhas unidades e ainda por cima checar todo o tempo se estão alimentadas.
Tal problema também apareceu durante o lançamento de Dawn of War III, no qual a Creative Destructions tanto se inspirou. A questão no período foi o fato dos Space Marines e os Eldar possuírem unidades caras demais para um jogo cuja essência era construir um grande e variado exército.
E nos dois casos, por mais distantes que sejam (de temática e estrutura de mapas), a solução temporária foi a mesma: partidas entre equipes.
Ancestors Legacy ganha uma forma muito mais prazerosa de se jogar com partidas 2vs2. Um jogador pode apoiar o outro no domínio de territórios, a perda de uma ou duas unidades não “dói” tanto nos recursos e até a própria estrutura do mapa é revista. Quando sabia que estava prestes a nevar, recuava as minhas unidades sem tanto receio, pois sabia que um outro jogador protegia o flanco. E ainda assim mantinha minhas tropas em alerta, pois mais unidades significavam novos pontos de atrito e novas dinâmicas para trocas de pontos de interesse (mover uma unidade de um vilarejo para um afunilamento na estrada, transferir tropas para defesas de pontes, etc).
E se sou crítico nos pontos que citei, é porque eles tiram o foco da densidade de opções táticas que o jogo oferece. Que tal usar tochas para aumentar a precisão durante a noite, mas correr o risco de ser encontrado pelo oponente? Mas veja bem, elas também garantirão que a destruição de edifícios ocorra mais rápido e serão especialmente boas para contrabalancear como a chuva afeta as unidades. Teço os elogios da mesma forma que teci para o mod Wikinger de Company of Heroes 2; tal densidade me atrai, mesmo que a curva de aprendizado fique um tiquinho mais alta.
O caminho é longo até o lançamento de Ancestors Legacy, mas vou dizer que ele e outros games como Total War Saga e expansões para Total War: Warhammer II me deixa empolgado para o panorama de jogos de estratégia de 2018. Certas decisões podem ser revertidas, ajustes podem ser feitos no custo de manutenção, e a jogabilidade já oferece uma base sólida para a construção de campanhas. Por favor, Creative Destructions, não deixa a bola cair.