Oito horas são o equivalente de uma jornada de trabalho típica, um jogo de duração média ou o mínimo de sono que se deve ter por dia. É também o tempo que eu gastei com o primeiro episódio do impressionante Amid Evil, da Indefatigable, mais uma grande promessa de homenagem aos shooters dos anos 90.
Ainda em seu estágio de pré-alpha e já deliciosamente eletrizante, Amid Evil caminha em paralelo a Dusk – outro shooter que traz o espírito do bunny-hopping e do tiroteio frenético – mas ao invés de se focar em dar novo significado para uma estrutura de fases, resgata um dos conceitos de que mais sinto falta: o traço quase surrealista e a mistura de sci-fi com medieval.
Necessidade de sua época – onde cada pedaço de geometria no cenário precisava ser levado em conta. Essa limitação foi o que deu as pinceladas surrealistas em algumas das fases de Quake: estranhos corredores ligavam catacumbas a áreas abertas, depois bases militares ou até zonas inspiradas por Lovecraft, pontos desconexos onde a nossa mente preenchia as lacunas com a imaginação. Basta gastar algumas horas na (ainda ativa) comunidade de mapas de Quake que você verá o mesmo sendo replicado em inúmeras iterações, sejam elas o famoso Arcane Dimensions – que testa os limites da engine da iD Software – ou versões mais “recentes” como os mapas de BSP feitos na Goldscrc da Valve (baseado em Quake 1) e postados pelo “.bsp” no Twitter. A primeira área, Selenic Stronghold, foi como abrir uma cápsula do tempo, a geometria enviando minha mente para o passado como acontece com quem sente um cheiro familiar e antigo
Um céu cinzento pairava sobre minha cabeça; estava em uma gruta armado com um machado (deliciosamente pixelizado como se tirado de um dos meus jogos favoritos dos anos 90), no fundo dela havia o que parecia ser uma capela. Dei de encontro com meus primeiros inimigos ao descer, pequenos seres armados de espadas capazes de disparar projéteis; rapidamente despachei todos eles com algumas machadadas e obtive a minha primeira arma: um cajado que não esconde a sua inspiração em Heretic.
Quanto mais eu me aprofundava nessa capela, mais ela se transformava em um sistema de túneis, alcovas e plataformas flutuantes, populado por monstros que vinham nos mais diferentes tamanhos e formas – voadores, ágeis, lentos, gigantes. Golpes do meu machado, do meu cajado e da então recém adquirida espada os despachavam para o outro mundo (se é que havia um).
Só me dei conta de que havia terminado a fase e começado outra quando levantei para pegar um copo d’água, pois na minha mente o bizarro segmento de plataformas e caminhos flutuantes da segunda área era uma extensão da capela. Minha mente havia criado uma justificativa para meu personagem estar ali: unicamente aceitação. “Se ele subiu uma plataforma no final da primeira fase, com certeza ele daria com corredores flutuantes no céu, não?” Rio agora da insanidade que meu subconsciente foi capaz de criar, e que só “piorou” à medida que as áreas se tornavam ainda mais abstratas – como um sistema de esgotos que não tinha começo nem fim – ou com partes ligeiramente inspiradas pela arquitetura egípcia (e um toque de PowerSlave / Exhumed nelas)
Essa criação de justificativas não vem só do design de mapas; há uma grande ajuda da extraordinária velocidade do jogo. Amid Evil é, sem dúvidas, o shooter mais veloz que joguei em tempos recentes. Navegar pelo ambiente é rápido; tudo passa como um borrão na sua frente. Uma hora você luta contra um inimigo, outra você dá de frente com uma porta fechada e precisa encontrar a chave. Você não necessariamente sabe como chegou lá, e nem necessariamente precisa, pois o restante foi preenchido pelo seu subconsciente. O que não foi preenchido, e mantém-se vivo, é o deleite de usar as armas de Amid Evil nesse ambiente fantástico e familiar.
Longe do tradicionalismo de shooters – o que já é uma aposta arriscada – as armas de Amid Evil são estranhas o suficiente para serem condizentes com o mundo criado, mas também intuitivas o bastante para terem uma curva de aprendizado baixíssima. Uma espada mágica atua tanto como uma arma de combate a curta distância quanto como um tipo de arco e flecha, e o papel de um lança-foguetes é dado a um cajado que solta bolas mágicas que me lembram miniaturas de Marte. As armas Carecem um pouco de sensação tátil, presença e peso quanto o combate corpo a corpo, entretanto se demonstram eficazes em despachar uma dezena de inimigos. Sentia cada golpe na pele, adquiria conhecimento e afinidade com elas, me deixava ser guiado por elas, mais ainda ao ver como são capazes de dar ainda mais “presença” a este mundo surreal.
É a união desse envolvimento que criei com as armas e as típicas arenas de shooters – onde monstros vêm em hordas para te atacarem – que fundamento as minhas justificativas para ter gastado oito horas em um só capítulo. Uma tarde parada era motivo para “mais uma partidinha”, depois para enfrentar o desafio de encontrar todas as áreas secretas, ou de matar mais monstros; cheguei em um ponto em que eu realmente cogitei ver quão rápido eu conseguia completar todas as fases, algo que raramente se manifesta em mim. Finalmente aceitei que eu adorava o primeiro capítulo de Amid Evil e, como acontece com os dois capítulos disponíveis de Dusk, parei de criar desculpas para jogá-lo e simplesmente aproveitei.
Sem pensar duas vezes coloco Amid Evil na minha lista de “mais esperados do ano” junto com Dusk, City of Brass, Battletech e tantos outros games. As minhas oito horas com o pre-alpha foram extremamente frutíferas, e que os próximos capítulos sigam o mesmo grau de qualidade e não deem uma de Doom e me decepcionem. Expectativas lá em cima, espero que a Indefatigable esteja pronta para o desafio.