Talvez uma das maiores dificuldades para demonstrar a extensão de conflitos atuais está na atuação de políticas de contra insurgência. Para muitos, guerras ainda são sinônimos de tropas que se chocam em uma imensa batalha. A realidade, está longe disto, é um misto de tropas no solo com apoio de inteligência e a população local para reestabelecer o controle da região. A guerra do Afeganistão, cujos efeitos ainda são sentidos hoje no Oriente Médio, é um ótimo exemplo disto é Afghanistan ’11 pela desenvolvedora Every Single Soldier, que até então chega mais perto de tentar decifrar a complexidade do conflito. Ele está previsto para lançamento em 23 de março no Steam.
Antes de mais nada, Afghanistan ’11 é um jogo sobre a guerra, mas não necessariamente um jogo de guerra. Ele reflete a estranha realidade de estar em um país cuja cultura é profundamente divergente a sua, com grupos extremistas, milícias e a dificuldade de aceitação da população. É a necessidade de gerenciar uma logística e entender como usar efetivamente suas ferramentas não apenas para vitória, como também para controle.
Tal como seu antecessor, Vietnam 65, ele não se acanha de mostrar que civis não são apenas parte do conflito, são essenciais para o controle de território. Aqui representados por políticos que podem ou não ter interesses na agenda dos Estados Unidos. Vilarejos tornam-se fonte de informações para desvendar localizações de plantações de ópio — cuja produção mundial chegou a equivaler a 93% em 2007 e uma das fontes de renda dos grupos de resistência —, e cavernas cruciais para a movimentação do inimigo na região.
Toda decisão é uma faca de dois gumes, destruir plantações de ópio pode fazer um vilarejo apreciar sua ajuda, outras vezes pode prejudicar a economia local e fazer com que as famílias ali presentes tenham sua renda cortada. Já que, para eles, a produção e venda da planta poderia ser a principal fonte de renda.
Afghanistan ’11 não chega a adentrar tais conflitos morais com profundidade, mas impacta as ações do jogador de forma dolorosa. Um vilarejo que decide se aliar a milícia facilita a locomoção das tropas na região e aumenta a quantidade de explosivos improvisados (IEDs) na estrada.
Fica então por parte do jogador ter de saber equilibrar estes dois extremos, manter as tropas alimentadas, com combustível e ainda realizar buscas pelo Talibã com base nas informações limitadas. Tudo pode ir por água abaixo de um turno ao outro.
Com duas missões disponíveis, além de um extenso tutorial, a batalha de Lashkagar coloca em choque estas diferentes realidades. A missão, no papel, é relativamente simples: Garanta que a sua base avançada esteja bem equipada, envie caminhões com suprimentos e ganhe a confiança da população. Nenhum plano, no entanto, funciona quando se entra em choque com o inimigo. Cada unidade tem uma quantidade de pontos e de suprimentos a serem gastas por turno, valores que são alterados de acordo com a localização no mapa e a capacidade de ataque / defesa.
Afghanistan ’11 te pede não para que pense um turno a frente, mas dez, quinze turnos. Precisa-se realizar análises de risco constantemente para que não caia em uma das armadilhas da oposição. Armado com um Husky — veículo especializado para destruição de IEDs —, comecei a traçar a rota para o comboio com suprimentos formado por dois caminhões e um MRAP — outro veículo especializado para sobreviver a ataques de bombas improvisadas — até a base avançada.
Do ponto inicial a base foram um total de quatro IEDs destruídas e duas tentativas de sabotagem pela milícia. Quando me dei conta, parte do combustível que havia enviado para a base ia ser, inevitavelmente, usado para reabastecer os próprios caminhões que os carregavam.
Ao mesmo tempo, usava BlackHawks para transportar tropas para os principais vilarejos em busca de informações e varreduras com Drones na esperança de conseguir o mínimo de vantagem. Com sorte, obtive a localização de uma plantação de ópio e um grupo de milícia escondido nas montanhas. Ainda com os helicópteros, movi duas tropas para eliminá-los, uma tentativa meia boca, já que a milícia conseguiu escapar e a plantação de ópio destruída. Guerra custa dinheiro, e tropas feridas em campo equivalem a uma redução de pontos político, usados para a compra de equipamento e manutenção de bases.
Por sorte ainda tinha o apoio da população e do atual presidente, mas não por muito tempo. As eleições chegaram e meus pontos políticos, gastos irresponsavelmente na adição de mais e mais tropas como se isso fosse garantir alguma “segurança”, resultou em não conseguir dar apoio ao meu candidato preferido. Quer dizer, o candidato que melhor se encaixaria na agenda dos Estados Unidos para a região.
Com um novo líder no poder, um que estava mais interessado em garantir a permanência do Talibã na região, meus bônus em destruir plantações de ópio foram cortados pela metade. Nos vilarejos? Silêncio. O terreno que então era dado como “meu”, nunca foi meu de verdade, jamais seria. Eu era uma força estranha naquele local, mal vista pela população local. Apoio é uma via de duas mãos, e por ora, aquilo estava fechado.
Minhas buscas haviam diminuído para não ter as minhas tropas explodidas por algum IED ou um ataque surpresa de milícia em uma das minhas bases. Washington não estava satisfeito com isso, pois cada vez mais a remessa de dinheiro diminuía e a pressão aumentava. Avanços precisavam ser feitos e estava em uma encruzilhada. Arriscar as minhas tropas para reconquistar a população? Esperar até que o inimigo tomasse poder? Perguntas demais e informações de menos.
A batalha de Lashkagar foi vencida, porém, a um custo incrivelmente alto. Tropas que foram usadas basicamente como “iscas” para tirar as milícias das cavernas, Drones — mesmo com seu custo alto —, para vasculhar possíveis regiões de atividade inimiga e uma base avançada protegida e bem abastecida. Washington estava contente com o resultado, os vilarejos nos apoiavam e os objetivos cumpridos. Não terminei de jogar Afghanistan ’11 com um dever de missão cumprida, ordens foram seguidas e o resultado foi estarrecedor para ambos os lados.
Por anos eu desejava a inclusão de um sistema que pudesse, mesmo que superficialmente, levar em consideração as culturas presentes em uma região de conflito e como estas diferenças entram em choque. Afghanistan ’11 pode ser o primeiro a realmente abordar o assunto, mas já faz de maneira primorosa.
Ele te relembra que guerras não são apenas um confronto entre o “bem” e o “mal”, nem preto ou branco, é um conjunto de fatores socioeconômicos-culturais que as formam e ditam seus passos. O vitorioso, no fim das contas, é sempre uma questão de perspectiva.