“Esse ano é o ano das menções honrosas”, comentou um amigo meu durante uma conversa sobre os jogos que mais nos marcaram em 2023. Que frase certeira a dele; não teria uma melhor para descrever o quão maravilhoso foi o ano em termos de lançamentos.
Escrever qualquer “lista” de favoritos de jogos lançados em 2023 é, portanto, um exercício de decidir o que incluir ou não para não enlouquecer. 10, 20, 30 jogos? Eu não sabia quantos eu ia colocar. Foram tantos momentos excepcionais, tantos jogos que me marcaram, outros que vieram sorrateiramente e conquistaram o meu coração.
A realidade é que, como qualquer lista, o que reina é a subjetividade. Já sei que alguns vão olhar para os meus favoritos de 2023 e perguntar: “Cadê Baldur’s Gate 3 ou Warhammer 40K: Space Trader?”. Não tive tempo de terminá-los, desculpa. “E Resident Evil 4?”. Um excelentíssimo jogo, concordo, mas não um que me marcou tanto. Zelda? Caros leitores, meu Nintendo Switch morreu no final de dezembro e eu sequer tinha avançado das 4 horas iniciais de “Tears of the Kingdom”. Isso é o quanto outros jogos me consumiram.
Eu mesmo leio o que eu escrevi abaixo e penso: “Devia ter colocado jogo ‘X’ e jogo ‘Y’”, mas eu precisava de um filtro, olhar para o ano que passou e pensar quais jogos ficaram mais na minha cabeça. Quais me deram vontade de explorar mais um tema ou que me incentivaram a completar algo da minha vida pessoal que eu — seja pelo motivo que for — deixei para trás.
A lista vai ser, consequentemente, imperfeita pois eu sou imperfeito. Os jogos listados são imperfeitos, não existe perfeição a não ser na cabeça daqueles que não enxergam os próprios erros. Eu luto para não ser essa pessoa e melhorar a cada dia que passa. E, se algo, esses jogos são uma reflexão de quem eu sou.
Sem mais delongas, aqui estão os meus favoritos de 2023:
Against the Storm
2023 foi recheado de jogos de construção e gerenciadores de cidade. Dos que tentam simular cada detalhe até aqueles que exploram temáticas ou períodos específicos. Todavia, foram poucos os que conseguiram captar tão bem a tensão de explorar o desconhecido como “Against the Storm”.
Beneficiado por um longo período em acesso antecipado, o título da Eremite Games encapsula os momentos mais críticos de uma partida em minutos. “Será que devo expandir para uma nova área ou será que eu não tenho mantimentos suficientes?”.
Ele sempre te empurra para frente, queira você ou não. O constante perigo da floresta e a necessidade de seguir ordens de uma rainha transformam cada segundo de “Against the Storm” em algo crucial. Você vai perder, você tem que perder para conseguir avançar. E se você não perder, não vai aprender. Um dos mais inovadores jogos de gerenciamento em muito tempo.
Armored Core VI
Eu não tinha dúvidas de que a From Software iria acertar com “Armored Core VI”; a minha maior pergunta era se seria o suficiente para fazer com que a franquia saísse da bolha na qual ela residiu por mais de uma década. A resposta é: sim.
“Armored Core VI” é tudo o que eu esperava, e mais, de um retorno grandioso da franquia de mechas. A sua história é intrigante o suficiente para te fazer querer conhecer mais, as missões são um salto de qualidade e a inclusão de chefões é a cereja no topo do bolo.
Tudo isso é feito sem que a “From Software” esqueça as suas origens, já que debaixo de toda a ação e o caos há um surpreendentemente complexo sistema de parâmetros que faz os fãs de “transformarem seus jogos em planilhas gigantes”, como eu, se debruçarem para tentar construir o mecha perfeito para cada situação. Armored Core VI merece muita reverência
Jusant
O conceito de “escalar uma montanha para superar desafios” já foi bastante explorado em jogos, sendo “Celeste” talvez o melhor exemplo disso. Jusant não necessariamente impõe a questão para o jogador, mas adiciona a pergunta “Será que irão lembrar dos outros escaladores ou dos habitantes?”.
A DOTNOD contextualiza espaços, mostra vida mesmo que ela não esteja mais lá e nos lembra que espaços não existem sem pessoas. Que as anotações, a troca — seja de palavras, mensagens, frases, vozes — são tão importantes quanto o ambiente em que elas foram feitas. De que cada pedaço de humanidade, independentemente do tamanho, é importante. E que nada, por mais banal que seja, é inútil.
The Talos Principle 2
Ainda quero muito ver como a Croteam — mais conhecida por “Serious Sam” — convenceu a Devolver Digital não só a financiar o primeiro “The Talos Principle”, como concordar também com a sequência. Mais impressionante que isso só a expansão de temas, quebra-cabeças e questões apresentadas pelo puzzle game.
Não é todo ano que um jogo consegue encapsular questões filosóficas sobre vida, morte, comunidade e amizade em meio a quebra-cabeças que parecem simples de início, mas têm a sua boa dose de complexidade. O mundo construído pela desenvolvedora merece ser saboreado com bastante calma.
Viaje a “Nova Jerusalém”, conheça seus habitantes, explore ruínas, tente encontrar sentido para quebra cabeças. Perca a noção de onde está, se reencontre — seja fisicamente ou emocionalmente. “The Talos Principle II” é um gigantesco feito para a desenvolvedora, a indústria e os jogos de puzzle no geral. Jogue-o, por favor.
Jagged Alliance 3
Eu jamais imaginaria que uma sequência para “Jagged Alliance 2” seria possível. Mas, depois de anos de tentativas, a desenvolvedora Haemimont Games conseguiu o impossível: criar um jogo não só digno do nome da franquia de estratégia / RPG, como um que não se escora em nostalgia para funcionar.
“Jagged Alliance 3” (crítica) revigora a maioria dos sistemas, coloca complexidade onde é necessário e remove onde era demasiada. Tudo isso sem perder a tensão de entrar em uma nova região e descobrir qual o melhor ponto para emboscar o inimigo, que tipo de armamento utilizar, ou quais membros do seu esquadrão usar.
Desde o seu lançamento ele já foi expandido com mods, e em 2024 receberá um editor de missões. Se isso for algum indicador, “Jagged Alliance 3” entrará para a história tal como o seu antecessor.
Lords of the Fallen
Eu não esperava cair de amores por “Lords of the Fallen”, ainda mais depois de ter jogado “Lies of P”. Na verdade, eu não caí de início. O lançamento conturbado e repleto de bugs não ajudou em nada. Mas, dessa zona toda a desenvolvedora Hexworks conseguiu nos próximos meses lapidá-lo para se transformar em uma joia rara.
Embora seja o mais “próximo” em termos de dificuldade e exploração da série Souls, “Lords of the Fallen” mais me parece um passo adiante da visão original da From Software, ao invés de uma tentativa de explorar outros caminhos viáveis para o subgênero.
Combate brutal, classes interessantíssimas, exploração recompensadora e um sistema de mundo “duplo” que se interliga muito bem com a temática principal e a progressão. Não é fácil achar um jogo que faça tantas coisas tão “bem” quanto “Lords of the Fallen”, e fico feliz que eu dei uma chance para ele.
The Banished Vault
O espaço é impiedoso, cruel, apático. Aqueles que não pensarem em todas as variáveis possíveis irão sofrer as consequências. Se “Kerbal Space Program” mostra isso em uma viagem a Lua, “The Banished Vault” recontextualiza a nossa insignificância comparada ao restante do universo com um monastério no espaço e a corrida contra o tempo contra uma criatura que não cansa.
Enraizado em mecânicas de jogos de tabuleiro, cada viagem que você faz em “The Banished Vault” precisa ser pensada e repensada. Você terá combustível suficiente? E recursos? Será que vale a pena estender a sua estadia em um sistema solar só para coletar mais uma relíquia — escrever mais uma memória? Não há resposta certa ou errada para isso, mas decisões precisam ser feitas e algo vai ser deixado para trás.
A Lunar Division deixa bem claro que “The Banished Vault” não vai agradar a todos. O seu sistema de cálculo de combustível é confuso e a presença de um manual “físico” são decisões conscientes. Mas, aqueles que se propuserem interagir com seus sistemas e explorar suas facetas encontrarão um jogo brilhante que merece muito mais reconhecimento.
Rule The Waves 3
Se um dia você me perguntar o quanto eu gosto de mexer em planilhas, apenas abra “Rule the Waves 3” e você vai entender. O terceiro jogo da franquia de criação e gerenciamento de uma frota marinha expande seu escopo para a década de 70 e adiciona ainda mais complexidade para um jogo quase impenetrável para a grande maioria do público.
Apesar disso, quem estiver disposto a enfrentar horas de tutoriais, guias e vídeos vai saborear o prazer de destruir a frota do seu oponente não só pelas táticas, mas pelo seu próprio design. Você vai errar o design, você vai aprender com os seus erros e tentar outra vez.
Evolução tecnológica e de design — seja ele bélico ou não — não é uma rota linear, mas múltiplas rotas curvas e paralelas. Nós humanos erramos, falhamos, tropeçamos, e depois chegamos com uma solução melhor. São poucos os jogos que conseguem demonstrar isso com tanta clareza quanto “Rule the Waves 3”.
Age of Wonders 4
“Age of Wonders 4” é outro que eu não esperava colocar na lista. A sua versão de lançamento era boa, mas não tão memorável quanto quando eu o revisitei para escrever sobre a sua última expansão — Empires & Ashes (crítica). A Triumph Studios transformou o 4X de fantasia em um novo jogo em questão de meses.
Hoje em dia ele pode muito bem brigar contra os gigantes, e em parte até com os seus antecessores em termos de flexibilidade, criatividade, exploração e combate. Crie a raça que você quiser, domine o mapa como achar necessário e entre em embates que duram turnos e mais turnos. Quando cansar, a imensa quantidade de mods vai te dar ainda mais espaço para imaginar e sonhar. Absolutamente necessário para qualquer fã do gênero.
Second Front
Eu contei os meses, os dias até o lançamento de “Second Front”. A Hexdraw prometeu fazer o jogo mais próximo do jogo de tabuleiro “Advanced Squad Leader” e acertou em todas as frentes. Esqueça a grandiosidade de títulos como “Company of Heroes” ou as dores logísticas de “Unity of Command”; “Second Front” é sobre saber flanquear e vencer cenários que em teoria seriam impossíveis.
Mova tropas Americanas, Alemãs e Russas por mapas, destrua tanques, capture objetivos e tente não se desesperar e colocar seus soldados em uma posição desvantajosa. Não se preocupe, você vai fazer isso cedo ou tarde. A graça é justamente conseguir encontrar uma saída para essas situações.
Não sei quanto tempo eu gastei fora do jogo pensando no que fazer em um turno específico. “Como eu vou tirar aqueles soldados da mira daquela metralhadora?”. Second Front vai comer o seu tempo e a sua vida, e não me arrependo nem um segundo dele ter feito isso comigo.
Menções Honrosas
Demon Lord Reincarnation
Qual foi a última vez que você pegou um papel para anotar algo de um jogo? Uma senha, talvez? Um quebra-cabeça? E se um jogo te convidar para mapear cada dungeon na mão ao invés de usar ferramentas? “Demon Lord Reincarnation” é isso e muito mais.
Deliciosamente gostoso e recompensador de explorar, o jogo da Graverobber Foundation me remete aos clássicos do gênero, mas com as melhorias e refinamentos esperados de 2020. Incrível variedade de classes e uma dificuldade alta mas justa o faz entrar na lista de menções honrosas. Em uma época em que — por incrível que pareça — estamos lotados de dungeon crawlers, ele faz mais do que o suficiente para se destacar da competição.
Lunacid
Enquanto a From Software estava ocupada com “Armored Core VI”, a comunidade indie estava tentando reviver outra grandiosa franquia da desenvolvedora, “King’s Field”. “Lunacid” é o mais próximo de um sucessor espiritual e isso por si só já é uma imensa conquista.
O criador Kira conseguiu replicar e expandir a fórmula da From Software com novos sistemas de combate, atualizações muito necessárias para a exploração e ainda manter o clima opressor e misterioso pelo qual a franquia ficou conhecida.
Lunacid é para aqueles que não tem medo de ir rumo ao desconhecido munido apenas de uma tocha e uma espada. Perder minutos ou horas de progresso é esperado, mas quando você chega no outro lado de uma ponte ou abre uma nova área… ah, o sentimento é inigualável.
Roboquest
Se eu tivesse que escolher um “shooter roguelite” — termo que muitos sabem que eu detesto — para jogar, seria Roboquest. A RyseUp Studios fez um excelente uso do período de acesso antecipado para refinar e entregar um jogo que tem uma curva de dificuldade excepcional, incrível variedade de armas e algumas das animações mais satisfatórias que eu vi em 2023.
De quebra, a história ainda é cativante e a forma que o jogo te incentiva a tentar quebrar “estereótipos” acerca de que tipo de classe um shooter deve ter merece destaque. É um dos jogos que eu senti que foi menos apreciado em 2023 e que queria que mais pessoas tivessem jogado.
Shadow Gambit: The Cursed Crew
2023 foi o ano que definiu para muitos que qualidade não equivale a quantidade, e não há melhor jogo para representar do que “Shadow Gambit: The Cursed Crew”. Uma pérola com uma ótima narrativa, dezenas de variantes para completar uma missão, personagens com habilidades que alteram a forma que você enxerga uma fase, e que ainda assim não foi suficiente para manter a desenvolvedora Mimimi Productions de pé. Suas portas foram fechadas no fim de 2023 com dois DLCs lançados e um kit para a criação de mods.
Não deixe isso abalá-lo. Pegue o quanto antes e desfrute de um jogo que não hesita em te pedir para experimentar com as estratégias mais malucas, as táticas mais inusitadas. Errou? Carregue o save anterior, você não vai ser punido por isso. Que a memória da desenvolvedora seja preservada não só por ele, mas por ela ser a única capaz de ter criado “Desperados III”.
Warstride Challenges
Mais um lançamento que passou ofuscado por muitos. Se Neon White é o shooter com mecânicas de “speedrun” para quem também tem interesse em visual novels e protagonistas excêntricos, “Warstride Challenges” é para quem cresceu vendo frag vídeo de “Quake 3” ou nos mapas de Surf de “Counter Strike”.
Nas centenas de mapas, com outra centena feita pela comunidade, tente chegar ao ponto final eliminando todos os inimigos em tempo recorde. Quando você achar que chegou no limite e não há como melhorar, alguém vai bater o seu tempo e o ciclo vai recomeçar de novo. Como alguém que ama tabelas de liderança, é óbvio que eu gastei mais tempo do que devia nele.
Moonring
Se você tem o menor interesse em RPGs, com certeza já ouviu o nome “Ultima” sendo falado aqui ou ali. A franquia de Richard Garriot foi, por muitos anos, exemplo de como fazer um jogo que envolvesse exploração, combate, quebra-cabeças e narrativa. Hoje em dia ela pode ser impenetrável para muitos devido à interface antiquada e necessidade de manuais ou comandos obscuros. Eis que entra “Moonring” da Fluttermind.
Pegue todo o conceito de “Ultima” e transforme-o em um RPG que tem a sua identidade própria, sistemas que não vão se curvar aos desejos do jogador e experimentação até dizer chega. Ele não vai te ensinar sequer a como subir de nível, muito menos o que você deve fazer para avançar a história. Mas, graças a uma interface muitíssimo amigável e uma ótima mecânica de “te empurrar para a direção certa”, ele se abre para aqueles que estiverem dispostos a enfrentar a sua jornada.
Além do que, é o único da lista que é gratuito. O que está esperando? Dá uma chance a ele!
Wo Long: Fallen Dynasty
Wo Long foi outra maravilhosa surpresa de 2023. Tal como “Age of Wonders 4”, eu não imaginava colocá-lo em nenhuma lista. Mas, a Team Ninja outra vez foi além e não só entregou um excelente jogo de ação, mas um RPG cativante com uma ótima ambientação e personagens. Sei que muitos reclamam da “linearidade”; para mim isso é mais uma aposta que deu certo e sem ela o jogo não exploraria direito o período do Romance dos Três Reinos como conseguiu.
Junto com isso o jogo recebeu um endgame maravilhoso que pode muito bem bater de frente com o de “Stranger of Paradise” e “NioH 2” em termos de variedade de builds e dificuldade. Wo Long é aquele jogo para quem quer criar um, dois, dez personagens e derrotar chefões com todas as armas possíveis. Reserve 100h para ver tudo o que ele tem a oferecer e te garanto que não vai se arrepender.