A Slitherine / Matrix Games, tinha até o começo do ano navegado primariamente por águas já conhecidas. Wargames como Panzer Corps 2, Shadow Empire, Armored Brigade e talvez o mais famoso dentro da comunidade “entusiasta”, Command: Modern Operations. Com o anúncio do K-Project em meados desse ano, as coisas mudaram muito.
O K-Project é uma iniciativa da editora para trazer novos jogos de estratégia com um menor escopo e ideias fora do comum. O primeiro deles é Tactical Troops: Anthracite Shift – o único que tive a oportunidade de testar durante o Steam Game Festival.
Como muitos sabem, eu não sou um grande fã de jogos de estratégia que usam grid para navegação dos personagens. Por conta disso que eu vejo jogos Divinity: Original Sin 1, 2 como uma evolução do gênero. Anthracite Shift segue a mesma linha em um ambiente sci-fi. Você controla as suas tropas pela quantidade de pontos de movimento e tem de reservar um percentual para atirar contra os alienígenas que infestam o planeta.
Apesar da campanha ser um dos principais atrativos, a melhor parte de Anthracite Shift fica para o multiplayer. Tanto local como em modo hot-seat. A ausência de um fog of war faz com que as partidas fiquem mais intensas, quase uma corrida pra ver quem toma os pontos de controle antes que o tempo do turno acabe.
Todavia, não pense que é só mirar e atirar, Anthracite Shift tem um gigantesco arsenal de equipamentos que dão um altíssimo grau de personalização para cada partida. Seja ela online ou solo. Ainda não há data para lançamento, mas estou ansioso para ver o que vai sair daí.
O segundo da lista do K-Project é algo que eu jamais imaginaria vindo da Slitherine – Stirring Abyss. Em produção pelos finlandeses da Sleepy Sentry, ele conta a história do submarino USS Salem que após um desastre nas profundezas, se encontram em meio a uma civilização nunca antes vista pela humanidade..
Os toques lovecraftianos estão aparentes desde as primeiras imagens, mas ao invés de usar mecânicas como “horror” ou pavor puramente em favor da narrativa, a Sleepy Sentry aplica também as mecânicas. Um dos mergulhadores pode, por exemplo, ficar fascinado por uma das estruturas e você perder o controle temporário – ou até permanente – dele. Fadiga também impõe uma grande limitação até onde você explorar a cada turno. Exponha sua tripulação demais aos horrores das profundezas e você verá sua partida ir por água abaixo (perdoe o trocadilho) em minutos.
Ainda não tive a oportunidade de jogá-lo, mas terei impressões assim que possível. Ele também está previsto para 2020 no PC.
O terceiro e último anunciado é um tanto digamos… controverso. ICBM, inspirado por jogos como DEFCON e outros que trabalham com a temática “guerra termonuclear”, o jogador tem de pesquisar novas tecnologias acerca de satélites, radares e outros métodos de destruição em massa antes que o inimigo.
Porém, guerra não é o final do jogo em si. Na realidade você pode criar alianças para evitar uma guerra nuclear. Agora, não sei se isto de fato vai ser viável ao longo de uma partida, mas seria bem legal de termos uma opção de “paz” como uma das condições de vitórias.
ICBM está previsto ainda para este ano no PC.
Dada a quantidade de anúncios, achamos melhor sentarmos e conversamos com Marco Miloni – gerente do K-Project – para entender a decisão da Slitherine em tomar esse rumo. O resultado você vê abaixo
Nota do editor: a entrevista foi editada para maior clareza
Hu3Br: Uma das coisas que vocês mencionaram foi o aumento na oferta de novos jogos pelo Steam. Isso é verdade, mas, na sua opinião, o que torna os jogos de estratégia ainda mais difíceis de comercializar? Tenho algumas teorias, mas eu gostaria saber o que vocês pensam sobre isso.
Marco: Jogos de estratégia são muito mais difíceis de apresentar do que, digamos, um jogo de ação ou de tiro. Eles dependem menos de gráficos, ritmo de jogo e combate. Eles precisam de maior atenção à complexidade, mecânicas de jogo específicas e certos detalhes essenciais para sua singularidade. Por outro lado, no entanto, o público-alvo é muito mais dedicado e informado. É um trabalho bem diferente tentar vender um jogo de estratégia e um produto mais voltado para a ação, e é por isso que sempre ficamos em nosso nicho.
Hu3Br: Como Tactical Troops foi um dos primeiros jogos anunciados nesta parceria, que características dele fizeram a Slitherine escolhê-lo para o K-Project?
Tactical Troops é um jogo muito inteligente. É profundo em termos de mecânica, mas também tem um ritmo rápido e é fácil de aprender. Ele conta com alguns elementos-chave de jogabilidade que são simples de visualizar e entender, então você jogar sem ter que perder horas em um tutorial. É indicado para qualquer pessoa com um mínimo de interesse em um desafio tático. O modo multiplayer também é grande destaque no jogo, algo que amamos.
Hu3Br: Com esse investimento, vocês esperam ver ideias ousadas e não utilizadas ganhando mais destaque? Como, por exemplo, jogos de guerra operacionais que fogem do senso comum e tratam de batalhas e conflitos menos conhecidos no mundo?
Marco: Sem dúvida é um dos nossos objetivos. Hoje em dia, é difícil encontrar inovação de verdade em produtos de estratégia, porque há sempre um risco de se perder partes do público que estão acostumadas a alguns padrões específicos. Os projetos independentes ousam mais e podem ser usados para testar novos conceitos sem deixarem de ter um público-alvo sofisticado. As expectativas para esses títulos são diferentes, e os jogadores estão mais dispostos a experimentar coisas novas quando elas saem desses projetos.
Hu3Br: Falando em termos mais gerais, como vocês mencionaram antes, 2020 trouxe muitos desafios para a divulgação de jogos — seja para o público em geral, em convenções, etc. Vocês acham que, além do K-Project, os próximos anos verão uma grande mudança na maneira como os jogos são apresentados? Até onde me lembro, a Slitherine não participou de nenhuma das grandes convenções digitais nos últimos meses (a não ser pelo programa diário/semanal). O K-Project é um outro passo tomado para abraçar um público mais amplo?
Marco: O cancelamento dos grandes eventos é um fator crucial nisso. As equipes menores dependem muito desses eventos para apresentarem seus projetos cara a cara. Como isso não é mais uma possibilidade, elas enfrentam um conjunto de obstáculos inesperados que estão dificultando o desenvolvimento dos negócios. O K-Project é também uma plataforma para ajudar essas equipes a chegarem até nós. A longo prazo, o ideal seria uma combinação das duas situações: sempre vamos a eventos, talvez não com um grande estande, mas nós não deixamos de ir e conhecemos muitas pessoas, e eu odiaria perder isso, mas agora temos os meios de abraçar uma vitrine de projetos mais digital.
Hu3Br: Por último, mas não menos importante, uma pergunta que eu sempre faço aos desenvolvedores de jogos de estratégia de todos os gêneros possíveis: vocês acham que algum dia vamos conseguir tirar essa ideia de que “os jogos de estratégia morreram” da cabeça do público — tirando os fãs mais dedicados — e fazer as pessoas entenderem que o gênero mudou de tantas maneiras que, mesmo que as grandes empresas (que tendem a ficar nos holofotes) não invistam tanto neles, ainda assim há uma grande público para essa modalidade? Vocês acreditam que o K-Project pode ser uma maneira de mudar essa percepção?
Marco: Não achamos que os jogos de estratégia morreram. Se alguém pensa assim, está errado. Os jogos de estratégia vendem milhões de cópias: Total War, Civilization, Stellaris, X-Com, por exemplo. Basta lembrar do ressurgimento de jogos de estratégia em turnos, que aconteceu graças aos jogos para celular. Basta lembrar dos jogos de estratégia leve, como Autochess.
Há muitos sinais de que o mercado de jogos de estratégia está indo muito bem e obrigado, e muitas empresas estão investindo bastante dinheiro no gênero. Gears Tactics é um exemplo perfeito. Pensando nisso, nunca imaginei que veria jogos no estilo X-Com ganharem vida com Mario e Rabbids como protagonistas. O K-Project é só nossa pequena contribuição para essa tendência, mas também é nossa demonstração de amor a todos que desejam deixar sua marca no mercado.
Tradução feita por Flora Pinheiro, edição por Lucas Moura